Os parques municipais

sábado, 28 de junho de 2014
"The Carvaka holding belief in a realistic and rationalistic empiricism and admitting the existence of nothing beyond nature, naturally comes to hold, like all materialists, that the question of 'why' to the universe is irrelevant. We cannot and do not find any 'purpose' in the universe."  -  Bhupender Heera  -  Uniqueness of Carvaka philosophy in traditional Indian thought 

Os parques são um componente importante no planejamento das cidades. Local de descanso e lazer, a freqüência de um parque proporciona uma quebra na monotonia da paisagem urbana, trazendo o citadino para mais perto da natureza e tirando-o das atividades rotineiras.
Os parques municipais, assim como os conhecemos atualmente, surgiram no início do século XIX na França, Alemanha e Estados Unidos, que iniciavam seu processo de industrialização. Os capitalistas estabeleciam suas fábricas em cidades onde por alguma razão – seja a existência de um porto, de um entroncamento ferroviário, de uma praça de comércio – teriam facilidades em produzir, distribuir e vender seus produtos. O aparecimento das fábricas fez com que grandes levas de populações do campo se dirigissem às cidades.
Londres, Manchester, Boston, Nova York, Paris, Berlim, entre outras metrópoles, viram sua população crescer em poucas décadas, aumentada pela afluência de trabalhadores. A falta de estrutura, no entanto, fez com que esta população migrante passasse a morar em condições muito ruins; piores e mais insalubres do que as habitações que tinham no campo – que já eram bastante insatisfatórias.
É preciso lembrar que todo este processo social era novo para a época. Nunca antes, nem durante os séculos XV e XVI quando os servos abandonaram os feudos para se dirigir às cidades, houve um tão grande afluxo de pessoas às cidades à procura de trabalho e moradia.
As condições de vida das populações assalariadas não podem ser comparadas às atuais. Jornadas de até 14 horas, trabalho infantil e de gestantes. A coleta dos resíduos urbanos ainda era incipiente e não havia coleta ou tratamento de esgoto, pelo menos até meados do século XIX na maior parte das grandes cidades. Durante vários verões da década de 1860 o parlamento inglês teve suspender suas sessões, devido ao forte cheiro de esgoto que exalava do rio Tamisa. O filósofo alemão Friedrich Engels, amigo e colaborador de Karl Marx, vivendo por esta época na Inglaterra, descreve as péssimas condições de vida da classe trabalhadora, enquanto a classe rica vivia em chácaras fora do perímetro urbano.
Movimentos sociais e a formação de sindicatos e associações, muitos deles proibidos e perseguidos pelas autoridades, contribuíram para pressionar industriais e autoridades para que melhorassem as condições de vida e de trabalho das classes baixas. Ao longo do século XIX Londres, Berlim e Paris dão início a grandes obras de reurbanização, construindo grandes praças e parques para lazer e descanso dos trabalhadores. Este é o contexto no qual surgiu o moderno parque municipal.
A implantação dos primeiros parques no Brasil é relativamente recente, datando da segunda metade do século XIX. Em São Paulo o Parque da Luz, o primeiro da cidade, foi aberto ao publico no final do século XIX. No Rio de Janeiro, o primeiro parque municipal foi a Quinta da Boa Vista, inaugurado em 1905. Atualmente a cidade de São Paulo dispõe de 96 parques; de diversos tamanhos e estados de conservação.
Além de propiciar lazer e descanso à população, a área verde dos parques torna o ar do entorno mais úmido e frio, amenizando o micro clima. Neste espaço diversas espécies de pássaros e outros animais de pequeno porte encontram ambiente para sua sobrevivência, ao lado de espécies remanescentes da flora original da região.
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)

O problema da poluição veicular

sábado, 21 de junho de 2014

" - Olhe - disse Frankie -, essa história de idealismo, de dignidade da pesquisa pura, da busca pela verdade em todas as suas formas, está tudo muito bem, mas chega uma hora que você começa a desconfiar que, se existe uma verdade realmente verdadeira, é o fato de que toda a infinidade multidimensional do Universo é, com certeza quase absoluta, governada por loucos varridos."  -  Douglas Adams  -  O guia do mochileiro das galáxias   

O crescimento econômico do Brasil está fraco, abaixo da média mundial e setores importantes da economia, como o setor automobilístico, começam a apresentar problemas. A queda das vendas aumenta o risco das demissões; dilema que demonstra o quanto nossa economia ainda é pouco diversificada, dependente de poucos setores, que absorvem a mão de obra mais qualificada.
Nesta situação a estratégia do governo é criar um pacote de incentivos para o setor, de modo a aumentar as vendas de veículos: redução de impostos, aumento dos prazos de financiamento, etc. Cada carro popular produzido e vendido no Brasil movimenta o dobro do seu preço final em outros produtos e serviços. O setor gera mais de um milhão de empregos diretos e indiretos, num universo total de 24 milhões de trabalhadores economicamente ativos (conforme o site O Barômetro - http://obarometro.wordpress.com/2014/05/07/por-que-tanta-importancia-ao-setor-automotivo/). É compreensível então que a cada nova queda das vendas, o governo seja colocado sob pressão pelas montadoras e pelos sindicatos. Mas o novo pacote de incentivos aumenta o número de automóveis nas cidades – principalmente na região metropolitana de São Paulo, já que 30% da produção nacional de veículos são vendidos nesta região.
No entanto, como contrapartida aos incentivos dados ao setor, o governo deveria estabelecer metas mais ambiciosas de redução dos impactos ambientais provocados pelos veículos, já que o problema da poluição está se tornando cada vez mais grave. Segundo o jornal Folha de São Paulo a poluição veicular está causando perdas estimadas em 3,5 trilhões de dólares (7,7 trilhões de reais) nos países desenvolvidos, na Índia e na China. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o número de mortes provocadas pela poluição veicular foi de 3,5 milhões em 2012, valor 10% superior ao de 2010. A grande contradição, no entanto, é que vem aumentando a produção mundial de veículos, fazendo com a frota atualmente em circulação seja de cerca de 930 milhões de automóveis, utilitários e caminhões. 
A ONG ICTT (International Council on Clean Transportation – Conselho Internacional de Transporte Limpo) atua em cooperação com órgãos do governo brasileiro e realizou um estudo sobre mortes provocadas por poluição veicular no país. No estudo o Brasil aparece como responsável por 3,5 % das mortes mundiais.  Ao mesmo tempo o país consta como um dos líderes na implantação de medidas visando reduzir a poluição, com a adoção de combustíveis mais limpos, que alcançam o equivalente ao nível 5 europeu. Nesse ínterim a Europa, os EUA e o Canadá já se utilizam de combustível de nível 6, mas o restante dos países ainda adota o nível 4 ou grau inferior.  
Além de avançar na qualidade do combustível – gasolina e diesel – o país precisa cobrar das montadoras um melhor rendimento dos motores dos veículos, diminuindo as emissões. A China, por exemplo, está gradualmente baixando sua forte poluição atmosférica através da substituição compulsória dos carros antigos por modelos novos. No passado, a idéia também já foi proposta no Brasil, mas talvez não fosse ideal. A solução definitiva é o uso cada vez maior do transporte público, em substituição ao individual. Este caminho exige muitos investimentos, mas foi trilhado por todos os países que conseguiram efetivamente reduzir as emissões provocadas por veículos.
(Imagens: fotografias de Bert Hardy)

A questão do meio ambiente e as eleições

sábado, 14 de junho de 2014
"No fundo, toda vontade de ter uma teoria totalmente coerente realiza-se na perda de seu contato com o real, na sua esclerose e no seu endurecimento. A racionalização torna-se, então, um mal terrível, isso porque o espírito racionalizador se crê racional e acredita que os outros sejam delirantes."  -  Boris Cyrulnik e Edgar Morin - Diálogo sobre a natureza humana

Com o clima de histeria em torno da Copa, criado pela propaganda do governo e pelos anúncios dos patrocinadores, pouca coisa indica que estamos praticamente às vésperas das eleições. Não fosse o futebol, o debate político estaria bem mais presente na mídia, já que é esse o acontecimento – e não o torneio de ludopédio – que mais influirá no futuro do país. O governo provavelmente nem deseja debater a situação social e econômica com profundidade, dados os altos índices de inflação, a baixa taxa de crescimento, além de todos os problemas de infraestrutura que – com raras e pequenas exceções – permanecem sem solução.
A partir de julho então, com ou sem título mundial – fato que terá grande influência na disposição do eleitor –, começará efetivamente a campanha dos candidatos em suas diversas formas. Propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV; carreatas, comícios, cartazes e panfletagem; debates na mídia e ações nas redes sociais; tudo será usado para ganhar nossos votos. O que distingue todo este show pirotécnico político, da massiva propaganda de lavagem cerebral que cerca a realização da Copa? A diferença entre ambas talvez seja somente o produto. Se, por um lado, querem vender-nos a Copa e seus patrocinadores, por outro pretendem nos certificar da qualidade dos candidatos. Em tudo isso, fica de fora o debate sobre os temas essenciais; aqueles que têm relevância para o futuro do país.
Um dos assuntos de importância, sempre tratados superficialmente, é o do meio ambiente. No entanto, segundo pesquisas recentes, já é considerável o percentual da população urbana que conhece melhor os problemas e a importância da questão ambiental. Graças à ação da mídia e de ONGs ligadas ao setor, o nível de conscientização vem gradualmente aumentando. Se no passado a ecologia dizia respeito somente à destruição da floresta amazônica ou à matança de baleias, atualmente já é grande o numero de pessoas que associam a proteção do meio ambiente também ao saneamento básico, à coleta e destinação do lixo, ao ar poluído das cidades, ao planejamento urbano e ao transporte.
Esta nova situação deverá ou deveria causar algum tipo de impacto nos programas dos partidos e no discurso dos candidatos. Tirar a questão ambiental lá das páginas finais do programa dos partidos – muitas vezes colocada aí por falta de mais assunto – e trazê-la para as páginas iniciais, associada aos programas econômicos e sociais. Da mesma forma os candidatos, em suas aparições públicas, deveriam ter a capacidade de saber explicar a forma como, por exemplo, os programas em relação à infraestrutura, transportes ou saúde têm a ver com o saneamento e a preservação dos recursos hídricos, e vice versa.
Talvez ainda seja demais esperar tal nível de sofisticação do discurso político. No entanto, partidos e candidatos devem levar em conta que a cada nova eleição parcelas maiores do eleitorado têm melhor formação, dispõem de mais informações e têm senso crítico mais apurado. Pelo menos no que se refere ao saneamento e à gestão de resíduos, o grau de expectativa do eleitor está alto – espera esta criada muitas vezes pela própria propaganda do governo. Por isso o discurso “... pela saúde, educação e trabalho, conto com seu voto!” está cada vez mais desacreditado. O eleitor não pode mais ser tratado como uma criança, que se convence com histórias da carochinha.
(Imagens: fotografias de Vivian Maier)

Desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil

sábado, 7 de junho de 2014
"Foi dada a eles a escolha de se tornarem reis ou mensageiros de reis. Com a ingenuidade das crianças, todos escolheram ser mensageiros. Eis por que só existem mensageiros, que correm pelo mundo e, como não há mais reis, gritam uns para os outros mensagens que não têm mais sentido."  -  Franz Kafka  -  28 Desaforismos

Em um de seus textos, o antropólogo Otávio Velho (1924) aborda o processo da globalização e seu impacto no estudo da antropologia. Aspecto importante discutido no texto é a questão do pentecostalismo aliado à globalização. Velho coloca o crescimento das religiões pentecostais como um dos aspectos da cultura atual, junto com a globalização da economia, da cultura de massa e das comunicações.
A primeira igreja pentecostal estabelecida no Brasil foi a Congregação Cristã do Brasil, fundada em São Paulo em 1910. Em 1911 estabeleceu-se a Assembléia de Deus, começando sua atividade missionária nas regiões Norte e Nordeste. A Igreja do Evangelho Quadrangular começou suas pregações em 1951. Todas estas igrejas tiveram sua origem nos Estados Unidos, sendo que outras, como a igreja “O Brasil para Cristo” e “Deus é Amor” representam dissidências brasileiras destas igrejas antes mencionadas.
O grande crescimento dos movimentos pentecostais no Brasil está associado a alguns fatores econômicos e sócio-culturais, dentre os quais os principais são:
- A migração interna, provocada pela procura de melhores condições de vida por populações do Nordeste. Com o desenvolvimento da indústria e o crescimento das cidades no Sudeste, principalmente em São Paulo a partir da década de 1950, são criados muitos postos de trabalho na indústria e na construção civil. A população de migrantes, vinda de uma cultura agrária, ficou desenraizada de suas origens culturais. O contato com a igreja católica torna-se mais raro, já que nas grandes cidades a presença da igreja não era mais hegemônica. Todavia, os pastores pentecostais tinham grande mobilidade, estabelecendo centros de culto na periferia, região usualmente de população de origem migrante. Nestes centros de culto pentecostal os recém-chegados encontram um ambiente de convivência, uma comunidade, muitas vezes formada por outros migrantes.

- O desenvolvimento dos meios de comunicação também contribuiu para a difusão do pentecostalismo. A partir da década de 1940 o rádio torna-se mais acessível aos consumidores e muitas igrejas utilizam-se do veículo para transmitir suas mensagens. O mesmo acontece com a TV a partir da década de 1970 e 1980, quando o equipamento se torna um sonho de consumo para o grande público e as igrejas passam a comprar horários para transmitir suas mensagens em diversos canais.
- O apelo à manifestação espontânea na igreja pentecostal é maior do que na igreja católica tradicional. A participação dos fiéis, através de cantos, orações, testemunhos, “manifestações do Espírito Santo” e sermões, é diferente do culto católico onde a missa está centrada no oficiante e os fiéis tinham pouca participação.
- A posição política conservadora das igrejas pentecostais sempre foi vista com bons olhos pelos regimes militares. Durante o final da guerra fria, no governo Reagan, os Estados Unidos destinaram apoio financeiro a diversas igrejas pentecostais na América Latina. Este apoio tinha como base o fato de que os pentecostais eram nitidamente anticomunistas e pró capitalistas. A ala progressista da igreja católica, por outro lado, era crítica à política externa dos EUA, à ditadura militar e ao “capitalismo de rapina” instituído no país.
O movimento pentecostal também pode ser avaliado como um dos aspectos culturais da globalização – se admitirmos que a globalização seja um processo de longa duração histórica. Iniciou-se no século XIX, quando o capitalismo se desenvolvia rapidamente nos EUA causando várias mudanças na sociedade americana. Dos cultos tradicionais, como o presbiteriano e o batista, desenvolvem-se correntes dissidentes, formando outras igrejas. Na mesma época aparece o movimento adventista e o Testemunhas de Jeová. Toda esta efervescência religiosa ultrapassa as fronteiras americanas e atinge também os países da América Central e do Sul, entre os quais o Brasil.
Certos autores imputam o crescimento do pentecostalismo no Brasil também à maneira de atuar da igreja católica, pelo menos até os anos 1960. O teólogo protestante americano Richard Niebuhr (1894-1952), comenta aspectos dessa atuação da seguinte maneira: “A grande traição da Igreja (católica) como instituição consiste em que ao invés de constituir-se portadora e testemunha do Evangelho, ela se apresentou como “defensora” do Evangelho. Isto na prática se refletiu num esforço de domesticar o Evangelho, a serviço de determinada cultura e dos seus interesses arraigados.
Como resultado, ao invés de seguir o caminho da fé, a igreja se colocou na defesa de privilégios, que lhe garantiram a segurança na santificação do status quo, e a religião resultante dessa traição tornou-se a principal sustentação da ideologia das classes dominantes, da luta pela santificação dos objetos.” (Niebuhr, 1967, pág. 17). Terão sido estes alguns dos fatores – mais teológicos e culturais – que fizeram com que tantos abandonassem o catolicismo e abraçassem o pentecostalismo?
Bibliografia:
De Lima, Delcio Monteiro, Os demônios descem do norte, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1988, 154 págs.
Niebuhr, Richard, Cristo e Cultura, Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967, 294 págs.
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)