Economia, complexidade e capacidade de resposta à crise

terça-feira, 30 de junho de 2015
"Um ser vivo é a parte do mundo que tende a manter uma identidade independentemente da incerteza do resto do mundo."  -  Jorge Wagensberg  -  Pensamentos sobre a incerteza

A economia, assim como vários outros sistemas existentes - uma colônia de animais, uma eleição, o clima, a bolsa de valores - são considerados sistemas complexos porque suas propriedades emergentes decorrem principalmente de relações não lineares entre suas partes constitutivas. Estes sistemas são compostos por vários aspectos que interagem entre si, formando uma nova estrutura, que por sua vez incorrerá em novas e mais complexas relações, e assim por diante. Os sistemas complexos não são simplesmente a soma de suas partes, como pensa o mecanicismo cartesiano; são muito mais. Não é por outra razão que para se estudar o desenvolvimento destes sistemas são necessários computadores de altíssima potência, processando bilhões de informações por segundo.
A crise econômica e financeira por que passa o país terá uma série de consequências, numa cadeia de causa e efeito de resultados imprevisíveis, gerando novos fatos agora ainda imperceptíveis. Sem nos preocuparmos em fazer a genealogia da crise pela qual passa o país - já que esta também tem origens complexas - comecemos pelo fato mais palpável e imediato: a alta da inflação e a consequente ascensão dos juros. A elevação do custo do dinheiro (juros) já se baseia em princípios simplistas, cartesianos, de mera causa e consequência: eleva-se o juros, tornando os empréstimos ao consumidor mais caros, reduz-se o poder de compra, provocando a queda da demanda e, como corolário, os preço das mercadorias. É através deste artifício reducionista que muitos burocratas do Banco Central e do governo esperam, não se sabe depois de quanto tempo, conseguir finalmente a queda dos juros. Fato é que até agora, apesar de doses maciças do amargo remédio, a inflação resiste e até aumenta.
Por enquanto, o xarope dos juros altos, além de não surtir efeito no combate da inflação, está minando outras partes da estrutura da economia brasileira. Em sistemas complexos cada providência tem suas consequências. Assim, a queda da demanda provoca a redução do poder de compra. Este gera queda no faturamento das empresas, forçando-as a demitir mão de obra. Com o crescimento do desemprego em setores importantes, como o da construção, de serviços e indústria, ocorre uma queda ainda maior no consumo, resultando em mais redução da produção e mais dispensas. Em todas as fases deste processo "queda de vendas -> aumento do desemprego -> queda de vendas..." ocorre uma diminuição na arrecadação de impostos. Sendo assim, o recente aumento de impostos também não deverá surtir o efeito desejado, já que o aumento das alíquotas não compensará a diminuição da base de cálculo.
A redução da receita do Estado terá outros impactos na economia, como a falta de recursos para investimentos em infraestrutura: serviços de saneamento, hospitais, escolas, projetos sociais, estrutura logística; isto para ficar apenas no básico elementar. Nem consideramos os cortes que sofrerão os investimentos em ciência, tecnologia e pesquisa (em medicina, agricultura, eletrônica e TI, aeronáutica, energia, etc.), meio ambiente (criação de unidades de conservação, aparelhamento de parques nacionais, implantação de programas diversos) e modernização da máquina administrativa do governo em seus três níveis.

As medidas de ajuste ora implantadas são necessárias, pelo menos nos primeiros instantes, para conter a hemorragia do paciente e evitar que a situação do Brasil se agrave. Mas o tratamento para sua definitiva recuperação, implicaria medidas de reforma política do estado, da política econômica e fiscal, além de outras providências gerais de modernização, desburocratização e democratização do acesso aos serviços do Estado.Tais providências, estiveram - agora e sempre - nos discursos dos congressistas, sem que nada de concreto fosse, entretanto, votado e aprovado.
Resta saber se com o capital humano de que dispomos - no Executivo, Legislativo e Judiciário - tal empreitada é passível de ser realizada. Além do esforço mensal de embolsar grandes quantias em dinheiro público a título de salário, auxílios e outras benesses - algumas delas até não tão oficiais - a contribuição que estes poderes vem dando à causa da República ainda está longe de ser suficiente.
(Imagens: xilogravuras de mestre Hokusai)

A atualidade da obra "O suicídio" de Durkheim

sábado, 27 de junho de 2015
"A ideia central é que o universo, tomado como um todo único e unitário, é um sistema complexo que evolui, dilatando-se e se complexificando. O motor da evolução cósmica é, portanto, a complexificação: uma ascenção progressiva na escala da complexidade."  -  Marc Halévy  -  A era do conhecimento

A obra “O suicídio” (1897) de Émile Durkheim foi e ainda é considerada o grande marco da pesquisa sociológica. O tema escolhido por Durkheim, o suicídio, era à época objeto de grande preocupação na sociedade e ao mesmo tempo prática que infringia profundamente as normas sociais. Tratava-se, portanto de um importante fato social, digno de análise aprofundada. Escreve Durkheim:
“Conseguimos, então, representar-nos, de um modo preciso, o domínio da sociologia. Este só compreende um determinado grupo de fenômenos. Um fato social reconhece-se pelo poder de coerção externa que exerce ou o suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, pela existência de uma sanção determinada ou pela resistência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que tende a violá-lo.” (Durkheim: 2002, p. 38)
Iniciando sua pesquisa, Durkheim percebe que a divisão social do trabalho, gerando o que chama de “solidariedade orgânica” – uma cooperação social baseada na diversidade – não deixa as pessoas mais felizes. Assim, constata Durkheim, que apesar dos avanços tecnológicos e sociais, o índice de suicídio mostra um aumento. Observa também que se tornaram mais comuns fenômenos como as crises econômicas, a inadaptação dos trabalhadores e a violência. O sociólogo também sabe que a sociedade tem certos valores sociais, que estando debilitados, podem colocar em risco o equilíbrio social.
Neste contexto, Durkheim escreve sua dissertação acadêmica sobre o suicídio, procurando descobrir-lhe as causas e procurando demonstrar que não se trata de um fenômeno individual, psicológico, como defendiam muitas correntes da psicologia à época. Apesar de admitir que existam predisposições psicopatológicas para o ato, o sociólogo considerava que o suicídio era antes de mais nada um fato social (para usar a linguagem durkheimiana) sobre o qual a sociologia poderia coletar dados, fazer avaliações e construir teorias – ferramentas científicas usadas por Durkheim e que definitivamente fundamentaram a sociologia como ciência.
Munindo-se de estatísticas de diversas regiões da França e da Europa em relação aos suicídios, Durkheim inicia seu estudo refutando algumas teorias que circulavam sobre as causas sociais do suicídio. Uma destas teorias, elaborada pelo sociólogo Gabriel Tarde, dava grande valor à imitação como fator de integração social; o suicídio poderia assim também ser originado por este impulso. Mas, baseado em dados estatísticos, Durkheim prova que esta teoria e a da hereditariedade não tinham fundamentação científica para explicar o fenômeno do suicídio como fato social.
Avançando em suas pesquisas, com base em comparações de dados, Durkheim consegue estabelecer os tipos sociais do suicídio. Os três tipos que o sociólogo propõe são: o suicídio egoísta, o suicídio altruísta e o suicídio anômico. Além disso, Durkheim consegue determinar alguns aspectos da incidência dos suicídios. Esta varia com a idade e com o sexo: é mais acentuada entre os homens do que entre as mulheres; varia com a religião, sendo mais baixa entre os católicos do que entre os protestantes. A taxa de suicídio aumenta entre os solteiros, divorciados, viúvos e idosos; a existência de uma família e filhos é geralmente fator de proteção contra o suicídio.
Os diversos tipos e níveis de relacionamentos criam condições para que se manifestem os tipos de suicídios. Os suicidas egoístas são aqueles que pensam essencialmente em si mesmos, não estando bem integrados em um grupo social e tendo desejos e aspirações incompatíveis com o grupo social a que pertencem. “Os suicídios egoístas caracterizam-se por uma fraca integração na sociedade e ocorrem quando o indivíduo está sozinho, ou quando os laços que o prendem ao grupo estão enfraquecidos ou quebrados” (Giddens: 2010, p. 10). Aron resume o drama deste indivíduo: “O suicida egoísta se manifestará por um estado de apatia e pela ausência de vinculação com a vida.” (Aron: 2008, p. 487).
O suicida altruísta é aquele indivíduo que tem um alto grau de integração em seu grupo social, submetendo-se, inclusive, a sacrifícios em favor deste. O indivíduo se anula completamente em prol do grupo, aceitando completamente a imperativos sociais, chegando a abrir mão de seu direito à vida. Casos exemplares são, por exemplo, o capitão do navio, que é o último a deixar a embarcação, ocorrendo afundar com ela. Outro exemplo é o bombeiro, que sacrifica sua vida em benefício de pessoas que não conhece. Exemplo extremo são os “bonzos”, monges budistas vietnamitas, que se deixavam queimar em praça pública como protesto contra a guerra do Vietnã (1959-1975). A característica principal do suicida altruísta é a sua energia e sua paixão por uma causa.
O suicida egoísta e o suicida altruísta representam tipos opostos. Um, o egoísta, se afasta demais das aspirações de seu grupo e o outro, o altruísta, se confunde com as aspirações de seu grupo.
O terceiro tipo de suicida é o que mais interessa a Durkheim, o suicida anômico. Este tipo de suicídio tem grande relação com os ciclos econômicos, variando de acordo com o aparecimento de períodos de prosperidade e recessão. O suicida anômico associa sua situação à irritação e situações de decepção por que passa; por desgosto, ao se dar conta da desproporção entre suas aspirações e aquilo que a vida lhe oferece.        
Outra conclusão que Durkheim tira com seu estudo é que apesar de ser um fenômeno individual, as causas do suicídio são eminentemente sociais. Por isso, o sociólogo fala em “correntes suicidógenas”. Estas correntes originam-se na coletividade, atravessam a sociedade e parecem vitimar indivíduos com certas predisposições psicológicas. Sobre as “correntes suicidógenas” escreve Aron: “As causas reais dos suicídios são, em suma, forças sociais que variam de sociedade para sociedade, de grupo para grupo e de religião para religião. Emanam do grupo e não dos indivíduos isoladamente” (Aron: 2008, p. 488)
“O suicídio” ainda continua uma obra atual, além de ser seminal para o estudo da sociologia. Suas informações e conclusões continuam sendo usadas pelas ciências, apesar da discrepância de alguns dados em relação à incidência do suicídios em períodos de recuperação econômica (pesquisa de Maurice Halbwachs em 1930 in Durkheim: 150 anos). Tal fato, porém, não reflete uma falha na coleta de dados ou em sua interpretação, mas mostra certas características da sociedade e época onde foram coletados. Em relação à obra escreve Establet: “Atualizando o livro “O suicídio”, nos convencemos de que a obra mantêm sua relevância. Tomando como objeto um fenômeno minoritário, porém de grande repercussão social e psicológica, Durkheim encontrou o verdadeiro terreno da sociologia.” (Establet: 2009, p. 128).

Bibliografia:
Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo. Martins Fontes: 2008, 884 p.
Durkheim, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo. Editora Martin Claret: 2002, 155 p.
Giddens, Anthony. Sociologia. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian: 2010, 723 p.
Massella, Alexandre B. et al. Durkheim: 150 anos. Belo Horizonte. Argumentum: 2009, 261 p.
(Imagens: xoligravura de. J.Borges)

Produção, distribuição e consumo de alimentos

sábado, 20 de junho de 2015
"Quero convencer os meus leitores de que o Imperialismo é símbolo típico do final. Produz petrificações como os impérios egípcio, chinês, romano ou como os mundos da Índia e do Islã, petrificações que ainda perduram por séculos e mesmo milênios, passando das mãos de um conquistador às de outro, corpos mortos, amorfos, desanimados, matéria gasta de uma grande história."  -  Oswald Spengler  -  A Decadência do Ocidente

Em várias partes do mundo persistem os problemas de saúde ligados à falta de alimentos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a subnutrição ainda é causa indireta de cerca de 30% das mortes de crianças no mundo. Afetando o desenvolvimento físico e mental de milhões de crianças, a subalimentação também compromete seu desenvolvimento intelectual e profissional, diminuindo o número de cidadãos preparados para contribuir com o desenvolvimento de seus países.
Este é o ciclo vicioso a que são condenadas regiões pobres em todo o mundo: falta de acesso a alimentos gera subnutrição. Esta prejudica o desenvolvimento intelectual e profissional de parte da população. Na falta de cidadãos preparados, o crescimento da economia fica comprometido e desta forma não geram-se menos recursos para produzir ou comprar alimentos para toda a população - principalmente aquela mais necessitada. Por isso, é preciso que os países detentores de tecnologia agrícola desenvolvida atuem nestes países na transferência de conhecimentos.     
A fome ainda presente no século XXI não é por falta de alimentos. A produção mundial de comida é suficiente para abastecer os atuais 7,3 bilhões de habitantes da Terra. Se parte da população dos países menos desenvolvidos não tem acesso a quantidades suficientes de comida, isto se deve a fatores como insuficiente produção local; falta de recursos do país para adquirir alimentos no mercado internacional; e elevação dos preços internacionais devido a ações especulativas, entre outros.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) alerta que a população mundial deverá atingir 9 bilhões em 2050, o que incrementará a procura por alimentos. Segundo os especialistas, para fazer frente a esta demanda, o mundo deverá atacar este problema em três frentes principais. Primeiro, aumentar a produção de produtos agrícolas, sem comprometer os recursos naturais, não avançando sobre áreas de vegetação natural. Isto significa que o Brasil, por exemplo, precisará investir muito mais em pesquisa e tecnologia - o que em parte já vem fazendo - para obter uma melhor produtividade das áreas agrícolas já existentes. 
O segundo aspecto a ser considerado é a melhoria dos sistemas de armazenagem e distribuição das colheitas. Dados apontam que cerca de 30% dos produtos agrícolas mundiais são perdidos entre o campo e o ponto de venda do produto. Será necessário, na maioria dos países produtores, construir mais silos e armazéns, ampliar a rede rodoviária, ferroviária e ampliar e modernizar as instalações portuárias.
A última providência sugerida pelos estudiosos é reduzir a perda de alimentos nos pontos de venda e entre os consumidores.Segundo um relatório elaborado pela FAO, depois de comprados, aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. No Brasil aproximadamente 70.000 toneladas (aproximadamente 2.800 carretas) de alimentos acabam no lixo a cada ano. Compra de produtos em excesso, mal acondicionamento; são fatores que fazem com que milhões de famílias descartem quantidade imensas de alimentos, sem reaproveitá-las. No futuro serão necessárias campanhas em todos os países - principalmente os ricos - incentivando e ensinando o reaproveitamento de alimentos. Se os alimentos forem melhor manuseados e aproveitados, haverá comida para todos.
(Imagens: gravuras de Jacob Steinhardt)

Pesquisas de opinião e a questão ambiental

sábado, 13 de junho de 2015

"Los pesimistas no tienen razón: vista desde lejos, la vida nada tiene de trágica, solo lo es de cerca, observada en detalle. La vista de conjunto la vuelve inútil y cómica. Y eso es aplicable a nuestra experiencia íntima."  -  E. M. Cioran  -  Cuadernos 1957-1972


O Brasil é um dos países onde mais se faz pesquisas de opinião, especialmente sobre assuntos relacionados ao meio ambiente. Nossa diversidade social, geográfica e cultural dá mais consistência às  enquetes, apresentando uma amostra de como pensa a população de uma nação de grande importância ambiental. Afinal, boa parte da biodiversidade do planeta encontra-se em nossas florestas, Cerrado, Caatinga, campos e águas territoriais.
A pesquisa de opinião identifica a maneira como pensa a maior parte de uma população sobre determinado assunto. Esta opinião tem importância para alguém - governos, empresas, grupos de interesse - e deveria ajudar a direcionar ações futuras destes interessados; caso contrário não encomendariam a investigação.
No caso das enquetes relacionadas a temas ambientais, estas em geral confirmam expectativas, sem necessariamente provocarem uma mudança nas condições. Com certa frequência, por exemplo, são realizadas pesquisas sobre a "intenção de compra de produtos sustentáveis, mesmo que mais caros". A maior parte das respostas invariavelmente é positiva, ou seja, os consumidores estariam dispostos a gastar mais, desde que os produtos fossem menos prejudiciais ao meio ambiente. Em pesquisa realizada em 2012 pelo CNI (Conselho Nacional da Indústria) e IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) este percentual era de 52% da população entrevistada. Outra enquete realizada em 2013 e aplicada pelo mesmo IBOPE, revelou que "70% da população brasileira pagaria mais caro para adquirir produtos que não causem grandes impactos na natureza".
Na prática, porém, tais pesquisas não querem dizer nada. Porque, por um lado o consumidor efetivamente não gastará mais dinheiro em produtos "amigos do meio ambiente", a não ser em um ou outro caso. Por outro, os fabricantes não têm intenção de investir em artigos mais caros e menos prejudiciais ao meio ambiente, reduzindo suas margens de lucro - a não ser por imposição legal.
Recentemente o jornal Folha de São Paulo publicou pesquisa realizada pelo Datafolha, informando que 95% da população concorda que as mudanças climáticas estão afetando o país. Na entrevista, 90% das pessoas disseram que a questão tem relação com a crise hídrica e energética que está afetando o Brasil. A enquete identificou que o tópico das mudanças climáticas não é claro para todos os entrevistados. Destes, 88% já ouviram falar sobre o assunto, mas só 28% se consideravam bem informados. Mesmo assim, 85% dos participantes na pesquisa disseram que a questão das mudanças climáticas era motivo de preocupação para suas famílias e para o futuro do planeta. Em um aspecto, porém, os entrevistados foram quase unânimes, ao dizer que o governo pouco está fazendo para minorar o impacto do fenômeno no país.
Mostram tais pesquisas que existem duas realidades: aquela dos dados coletados pelas enquetes e a outra, a do dia a dia do país. Mesmo que boa parcela da população esteja animada a pagar mais por produtos ambientalmente corretos, tais produtos raramente estão disponíveis. E mesmo que tivessem, não fariam parte da cesta de compras do brasileiro médio. No caso das mudanças climáticas a preocupação da população, apesar de baseada em poucas informações, contrasta com a falta de estratégia de médio e longo prazo por parte do governo.
(Imagens: pinturas de Victor Tischler)

O conceito de solidariedade em Durkheim

terça-feira, 9 de junho de 2015
"Persiste, no Brasil, uma crença generalizada de que 'ciência é coisa do Primeiro Mundo' ou,  pelo menos, alheia ao país. Ignora-se, ou não é levada a sério, a ciência feita no Brasil."  -  Iván Izquierdo  -  Releitura do óbvio

Durkheim foi o grande sistematizador da sociologia. Defendia que a principal tarefa da sociologia era a análise dos fatos sociais, já que estes tinham uma existência externa e independente dos indivíduos. Outra característica dos fatos sociais é que estes têm um poder coercitivo sobre os indivíduos, que muitas vezes nem percebem esta ação. Exercem seu poder condicionador sobre os indivíduos através de formas que podem variar de um simples mal-entendido (como no caso do uso de uma palavra errada em uma conversa) até o castigo ou pena (no caso de uma infração ou crime). Os fatos sociais, ensina Durkheim, são intangíveis e só podem ser analisados através dos seus efeitos, como as leis escritas, as normas técnicas, etc. Para estudá-los, o pesquisador deve deixar de lado ideias preconcebidas e utilizar-se de conceitos gerados apenas na práxis científica.
Uma das primeiras questões que Durkheim se colocou em seus estudos é como um grupo de indivíduos pode constituir uma sociedade e como esta se mantém coesa, persistindo no tempo? Chamou a este fenômeno de solidariedade social e moral, ou seja, a maneira como os membros de um grupo permanecem unidos, compartilhando um conjunto de valores e costumes. Mas, o que é e como se dá esta solidariedade?
Em sua obra A divisão social do trabalho (1893), Durkheim criou os conceitos de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica, para explicar a origem da coesão entre os membros de uma sociedade. A solidariedade mecânica é aquela das sociedades onde os indivíduos não se diferenciam. Quando uma sociedade é pouco desenvolvida cultural e tecnologicamente existe pouca diferença entre seus membros. Os componentes do grupo social se assemelham em diversos aspectos; têm os mesmos sentimentos, os mesmos valores, iguais objetivos, as mesmas posses. Este fato é observado em sociedades primitivas do passado e nas sociedades não-letradas ainda espalhadas pelo mundo, como a tribo indígena dos Pirahã, da região amazônica de Manicoré, quando foi contatada nos anos 1970. Existe uma coesão entre os vários integrantes da aldeia neolítica ou da tribo indígena, porque seus membros pouco se diferenciam, sendo em sua maioria intercambiáveis. “Nas sociedades primitivas”, escreve Aron, “cada indivíduo é o que são os outros; na consciência de cada um predominam, em números e intensidade, os sentimentos comuns a todos, os sentimentos coletivos” (Aron: 2008, p. 459). Em tais grupos, a crença comum é de natureza repressiva – basta lembrar as sociedades que têm proibições extremas, como os tabus – na quais os indivíduos que desrespeitam as convenções são prontamente castigados.
A solidariedade orgânica representa uma nova fase nas sociedades. A industrialização e a urbanização, que tiveram um forte impacto sobre as sociedades européias do século XIX (e sobre as sociedades dos países pobres e em desenvolvimento na segunda metade do século XX), propiciaram o surgimento de uma maior divisão do trabalho. O aumento da atividade econômica, o desenvolvimento tecnológico, criam uma especialização cada vez maior, ao mesmo tempo em que cada atividade ou tarefa depende cada vez mais das outras.
Cada indivíduo tem uma função diferente na sociedade. No entanto, sua atividade contribui para a harmonia social. Cada membro atua como se fosse um órgão, essencial para o funcionamento de um grande organismo – daí o nome de solidariedade orgânica. O fato que era visto como auspicioso por Durkheim em sua análise da sociedade industrial, é que apesar da diferença entre seus membros, a dessemelhança contribuía para uma harmonia maior, mantendo a sociedade coesa.
Fontes consultadas:
Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo. Martins Fontes: 2008, 884 p.
Giddens, Anthony. Sociologia. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian: 2010, 723 p.
Sociologia e Modernidade: Durkheim. Filósofo Paulo Ghirardelli. Disponível em
Acesso em 17/7/2011
(Imagens: croquis de Daniel Libeskind)

Obras de saneamento apresentam irregularidades

sábado, 6 de junho de 2015
"Longe de acreditar numa oposição radical entre fé e conhecimento, cujas alianças e contradições no seio dessas alianças ele conhece, Freud restringe-se a analisar, num estilo simples, claro e límpido (que lhe valeu diversas vezes ser cogitado ao prêmio Nobel de literatura), as fontes da crença religiosa e suas manifestações diversas."  -  René Major e Chantal Talagrand  -  Freud

A situação do saneamento no Brasil continua ruim, apesar de toda a propaganda durante os governos Lula e Rousseff, de que através do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) estavam sendo realizados grandes investimentos no setor. Aliás, a propaganda oficial a respeito do PAC e de suas grandes obras desapareceu da mídia, já que em época de crise financeira no governo e de gestão na Petrobrás, o máximo que se anuncia são medidas impopulares de aumento de taxas, impostos e de redução de investimentos.
Mas, voltando ao saneamento. O TCU (Tribunal de Contas Da União) recentemente publicou um relatório sobre uma auditoria que fez em convênios celebrados entre o Ministério das Cidades e municípios com mais de 50 mil habitantes, referentes às obras de saneamento. As informações apresentadas pelo documento nos oferecem uma quadro bastante pessimista da situação atual e das perspectivas futuras do setor no país.
Diz o TCU que 35,5 milhões de residências no Brasil ainda não têm acesso a tratamento de esgoto e 3,1 milhões estão sem acesso à água tratada. O órgão de controle federal avaliou 491 contratos, que totalizavam investimentos de R$ 10,6 bilhões no âmbito do programa "Serviços Urbanos de Água e Esgoto". Deste total de contratos, 283 foram considerados como irregulares, seja por motivos de atraso, paralisação ou não início das obras. Dos 262 contratos de repasse de verbas firmados em 2007 - ano em que o programa governamental teve início - somente 43 tiveram suas obras concluídas; menos de 17% do total de contratos assinados.
Neste ritmo, ainda teremos que esperar algumas décadas para que o saneamento básico se universalize no país. Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), coordenado pelo Ministério das Cidades, o país precisará de R$ 500 milhões para universalizar o acesso a esgoto tratado e água potável até 2033. Dado o montante do valor - o equivalente à dívida da Petrobrás em maio de 2015 - é possível afirmar que dificilmente conseguiremos manter este prazo. Assim, continuaremos por longo tempo a ter um índice de saneamento abaixo da média da América do Sul e pior do que o Paraguai. Neste quesito continuamos a ocupar lugar destacado entre os países subdesenvolvidos.
A falta de saneamento é o principal problema ambiental do Brasil. Imensos volumes de efluentes domésticos são diariamente descarregados em córregos e rios. A prática polui as águas, degrada o meio ambiente e seu entorno, dificulta a utilização das águas para abastecimento da população, além de propiciar o aparecimento de vetores e doenças. Segundo o Instituto Trata Brasil, em 2009 o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu a 462 mil pacientes com infecções gastrintestinais provocadas por água contaminada; destes, 2.101 pessoas vieram a falecer.
É compreensível o argumento de muitos administradores públicos, dizendo que no Brasil ainda há muito por fazer em termos de infraestrutura, já que pouco ou nada foi feito no passado e que nem tudo pode ser feito ao mesmo tempo. O saneamento, no entanto, deveria ser prioridade, pois com esgoto tratado e água limpa eliminam-se pelo menos 30% das internações infantis de rotina, a um custo médio de 350 reais por pessoa. Com tantos atrasos nas obras de saneamento, cabe perguntar a quem interessa a perpetuação desta situação, quem ganha com isso?
(Imagens: croquis de Oscar Niemeyer)