Dia Mundial do Meio Ambiente, lembra?

sábado, 25 de junho de 2016
"Sem mais o antigo ritmo, tão propício às culturas, o clima de S. Paulo vai mudando. Não o conhecem mais os velhos sertanejos afeiçoados à passada harmonia de uma natureza exuberante, derivando na intercadência firme das estações, de modo a permitir-lhes fáceis previsões sobre o tempo."  -  Euclides da Cunha  -  Migalhas de Euclides da Cunha

Escrevo este texto no Dia Mundial do Ambiente, 5 de junho de 2016. A data foi instituída pela ONU durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972. Há 44 anos, portanto. Trata-se de uma data comemorativa, no sentido original da palavra latina comemorare: "trazer à memória", "lembrar-se", e não no sentido em que usualmente a empregamos, como "comemoração" e "celebração". Em relação ao meio ambiente, infelizmente, não há quase nada a celebrar.
O contexto econômico e social em que foi criada a data, nos dizem bastante sobre a gravidade da situação ambiental em todo o mundo, já naquela época. Apesar da Guerra Fria, o capitalismo estava em pleno desenvolvimento, impulsionado pela gigantesca expansão da economia mundial nos anos posteriores à 2ª Guerra Mundial. O preço do mais importante combustível da sociedade industrial, o petróleo, ainda estava barato - o aumento de mais de 400% no preço do barril só ocorreria em 1973, com a Crise do Petróleo. A indústria americana estava em plena expansão: a demanda por moradias, eletrodomésticos, automóveis e demais produtos de consumo crescia a cada ano. A Europa e o Japão, ajudados pelos financiamentos do Plano Marshall, recuperavam e ampliavam seu parque industrial, ingressando definitivamente no capitalismo estilo americano; a sociedade de consumo.  

A intensa atividade industrial, o avanço da agricultura planificada, a expansão das cidades e o aumento do consumo - mesmo nos países pobres - foram os principais aspectos do capitalismo mundial daqueles anos. Outra característica é que as leis de proteção ao meio ambiente eram quase inexistentes, mesmo nos países altamente industrializados. Rios poluídos por efluentes industriais e descargas de produtos químicos em terrenos desocupados eram cenas comuns na Europa e nos Estados Unidos - "Erin Brockovich" (2000), estrelado por Julia Roberts e "A qualquer preço" (A Civil Action,1998) com John Travolta, são filmes que retratam estes fatos nesta época nos Estados Unidos. Nos países ainda comunistas, o meio ambiente era tratado com menos cuidado ainda. A destruição causada pela indústria nestes regimes, ficou conhecida depois da queda do Muro de Berlim.  
Os tempos estavam maduros, principalmente nos países capitalistas industrializados. Aqui e ali surgiram as organizações não governamentais (ONGs) - Friends of the Earth (1969); Greenpeace (1971); WWF (1961); Worldwatch Institute (1974) - convocando manifestações, preparando abaixo-assinados, pressionando políticos; a fim de que fossem criadas leis ambientais rígidas e eficientes para coibir a degradação dos recursos naturais. Toda essa ação converge para a criação de uma legislação local e internacional, voltada à proteção do meio ambiente e, como consequência, fiscalizar  governos e o setor privado. Foi nesse contexto que se realizou a Conferência Mundial do Meio Ambiente, em 1972.
De lá para cá, outros fatos influenciam nossa atitude em relação à natureza: o acidente nuclear de Chernobyl, o aquecimento global, a Queda do Muro de Berlim, a invenção da internet, as telecomunicações, a expansão do capitalismo global e a sociedade de consumo... Nossa atitude em relação ao meio ambiente mudou para melhor, mas de maneiras diferentes os recursos naturais continuam sendo explorados e dissipados como antes. Lembremo-nos do Meio Ambiente!
(Imagens: fotografias de megalitos)

Chuva de verão no quintal de casa (memórias de infância)

sábado, 18 de junho de 2016
"Freud chegou a dizer que uma mudança nas relações entre os homens e a propriedade poderia representar um avanço civilizatório maior do que se conseguiu com as ordens éticas. No entanto, a concepção idealizada da natureza humana criada pelos socialistas impediu que isso acontecesse."  -  Nina Saroldi  -  Para ler Freud - O mal-estar na civilização 

No verão as chuvas eram fortes e vinham rápidas. Vento sudeste, nuvens escuras avançando da direção do morro e da Prainha.

Os abacateiros no quintal envergavam seus troncos, dobrando e quebrando os ramos mais podres, cobertos de líquens. O vento arrancava dos galhos as folhas velhas, junto com abacates maduros e outros ainda pequenos. O céu escurecia ainda mais e então caia forte chuva, encharcando a areia de todo quintal, formando poças d'água limpa aqui e ali, cheias de brotos de abacate ressecados.

As nuvens mais escuras e pesadas se foram. O sol volta a brilhar por entre nuvens mais claras. A areia já absorveu toda a água e as poças desapareceram. Os pingos continuam a cair das folhas, mas os primeiros sanhaços e sabiás já pousam para bicar os abacates maduros, que o vento arrancou dos galhos e que se partiram ao caírem ao solo. O ar está úmido e fresco, o céu azul vai reaparecendo aos poucos e o sol retorna com seu calor e sua luz.

Amanhã cedo preciso rastelar as folhas que caíram, juntar e deixar secar. Depois de amanhã à tarde, boto fogo. Agora, por hora, ainda tenho tempo e isca pra ir pescar caratingas no rio.
(Imagem: fotografia de Ricardo E. Rose)

O novo relatório do PNUMA

sábado, 11 de junho de 2016
"Os homens têm uma tendência universal para conceber todos os seres à sua imagem e para transferir para cada objeto aquelas qualidades com que estão familiarizados e de que estão intimamente conscientes."  -  David Hume  -  Obras sobre religião

O Programa nas Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicou seu mais recente relatório "Global Environmental Outlook (GEO-6)" (Perspectiva Ambiental Global), sobre a situação mundial do meio ambiente. Resumo dos principais pontos do estudo está disponível em inglês no site do PNUMA em (http://www.unep.org/newscentre/Default.aspx?DocumentID=27074&ArticleID=36180&l=en). As perspectivas, como sempre, não são nada otimistas. Ou seja, continuamos usando os recursos naturais no mesmo ritmo descontrolado de antes e as perspectivas de uma recuperação da natureza são cada vez mais difíceis.
O estudo destaca que o crescimento populacional associado à rápida urbanização e aos altos índices de consumo, está provocando a degradação e a desertificação dos solos de várias regiões. Com isso, o crescimento desordenado compromete os recursos hídricos e, consequentemente, a prática da agricultura, trazendo de volta o espectro da fome, que a revolução verde na agricultura havia afastado há décadas. Na Índia, no Paquistão e na China, já são comuns os fenômenos de rebaixamento do lençol freático, forçando os camponeses a bombearem sua água de profundidades cada vez maiores, às vezes não encontrando mais nada e forçando a família abandonar suas terras e emigrar para as periferias das cidades.   
O relatório também faz observações com relação a problemas ambientais específicos às diversas regiões do globo. Na América Latina, fato importante é o aumento da emissão de gases de efeito estufa, causa principal do aquecimento da atmosfera e das mudanças climáticas. Nesta região, segundo o relatório, este fenômeno é acelerado pela criação de gado. O gado bovino, em seu processo de digestão, rumina seu alimento liberando gás carbônico (CO²) para a atmosfera. O Brasil, país que possui um dos maiores rebanhos do mundo, começa lentamente a estudar o assunto, mas ainda está muito longe de uma solução simples e economicamente acessível. Este é um dos motivos pelo qual muitos grupos da sociedade civil incentivam a redução do consumo de carne - além das vantagens para a saúde.

O aquecimento global, de acordo com o relatório, também está causando a redução dos glaciares na cordilheira dos Andes. O aumento médio da temperatura faz com que a cada ano se forme uma quantidade menor de gelo nos altos picos da cadeia de montanhas. A redução da extensão das geleiras diminui o volume de água que a cada primavera, quando o gelo derrete, desce para os vales. Com isso, cai o volume de água disponível tanto do lado ocidental dos Andes, na seca região à beira do oceano Pacífico, quanto do lado oriental, nos vales dos rios que correm para o rio Amazonas. O processo é relativamente lento, mas pode diminuir o volume de água do rio Amazonas e assim comprometer parte da biodiversidade da grande floresta.
Apresentando o relatório, o diretor executivo do PNUMA, o brasileiro Achim Steiner, disse que "se as tendências atuais continuarem e se o mundo deixar de implantar soluções que melhorem os padrões atuais de produção e consumo, se falharmos ao utilizar os recursos naturais de uma maneira sustentável, então o estado do meio ambiente em todo o mundo continuará a declinar." O relatório do PNUMA é mais um alerta como muitos outros. A mudança a empreender é muito grande e demorada. Mas precisamos começar logo, antes que seja tarde.
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)

Plano Diretor e agenda ambiental

sábado, 4 de junho de 2016
"Não se deve confundir liberalismo com conservadorismo. Na realidade, liberais e conservadores só têm em comum a sua oposição ao socialismo. Como prevalece de uma maneira geral a ilusão de que o espectro político seja linear, os liberais ora são colocados à direita dos conservadores, ora mais ao centro. Nada mais equivocado."  -  Donald Stewart Jr.  -  O que é o liberalismo?

Até os anos 1950 o Brasil era um país essencialmente rural, com somente 35% de sua população vivendo em áreas urbanas. Atualmente, mais de 85% dos brasileiros vivem em cidades, a maioria delas com até 100 mil habitantes. São as cidades, concentrando a maior parte dos habitantes, que têm um forte impacto nas atividades econômicas e na gestão dos recursos do país. Esta a razão pela qual é importante que os municípios criem planos que ordenem seu crescimento, possibilitando um desenvolvimento harmônico e voltado ao bem estar de sua população.
Um dos principais instrumentos para ordenar o crescimento de uma cidade é o Plano Diretor. Este é um plano que servirá como diretriz à expansão territorial, populacional e econômica de uma cidade. Na definição da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), um Plano Diretor é o "instrumento básico de um processo de planejamento municipal para a implantação da política de desenvolvimento urbano, norteando a ação dos agentes públicos e privados (ABNT, 1991)". Parece óbvio, mas o Plano Diretor tem como função principal proporcionar um crescimento planejado dos municípios - coisa que a maior parte deles não coloca em prática.
Recentemente o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic), contendo diversos dados sobre os 5.570 municípios brasileiros. Lançado pela primeira vez em 1999, o estudo investiga o funcionamento das instituições públicas municipais em seus diversos aspectos. Chama a atenção na atual edição (2015) de que metade das cidades do Brasil não dispõe de um Plano Diretor. Segundo matéria sobre o assunto publicada no jornal O Estado de São Paulo, a ausência de um Pano Diretor em tão grande número de cidades pequenas e médias revela a ausência de peritos, preparados para realizarem este tipo de trabalho junto às prefeituras. Mesmo assim o avanço nesta área foi considerável, já que há dez anos somente 14,5% dos municípios tinham o plano.
Com relação ao planejamento urbano levando em consideração os aspectos ambientais - tema da Agenda 21 lançada durante a Eco 92 no Rio de Janeiro -, somente 22% das cidades brasileiras estão em fase de implantação deste programa. Emílio La Rovere, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente do programa de pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma em declaração ao jornal O Estado de São Paulo: "É preciso mudar a cultura dos prefeitos e capacitar o corpo técnico dos municípios. Em geral, eles incham a folha de pagamentos, empregam parentes, prestam favores políticos, não têm funcionários de carreira".

Para a maior parte dos municípios a agenda ambiental ainda é um plano para um futuro longínquo. Sem recursos financeiros e pessoal capacitado, as cidades mal conseguem atender suas prioridades imediatas, como a gestão dos resíduos urbanos, o tratamento dos efluentes domésticos e a varrição e limpeza das ruas. Até a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi postergada pelo Congresso para 2018, por não ter a maioria dos prefeitos condições de implantá-la. Dadas as condições atuais do país, já faremos muito se conseguirmos universalizar o Plano Diretor e fazer com que seja efetivamente seguido por todas as administrações.
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)