Notas rápidas (Homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 30 de maio de 2018


O que acaba antes?


Em qualquer lugar da Terra aumenta a destruição do meio ambiente, principalmente nos países mais pobres e com grandes populações. Em certas regiões a água, antes abundante, já se torna escassa por causa da superexploração. O mesmo acontece com os solos férteis o ar puro e outros recursos naturais.

O Brasil não foge à regra. A falta de educação ambiental, de cidadania e até de conceitos básicos de higiene por parte da população, ajudam a acabar com o meio ambiente. Isso sem contar a exploração econômica, que privatizando os benefícios e socializando os prejuízos, também dá a sua contribuição.

Assim, fico me perguntando: o que vai durar por mais tempo; a ignorância e a ganância humanas ou os recursos naturais? O que acaba antes?

(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)

Dualismo e sentido da história (Parte I)

sábado, 26 de maio de 2018
"Existe uma lógica na História? Haverá, além dos feitos avulsos, que são casuais e imprevisíveis, uma estrutura, por assim dizer, metafísica, da Humanidade histórica, e que permaneça independente das conhecidas manifestas formações político-espirituais, que se veem na superfície?"   -   Oswald Spengler   -   A Decadência do Ocidente


O filósofo Heráclito de Éfeso (535-475 AEC) dizia que tudo muda, uma coisa se transforma em outra e que nunca conseguimos entrar no mesmo rio; as águas não são as mesmas e nós também não. Seu colega quase contemporâneo da cidade de Eléia, no sul da Itália, Parmênides (530-460 AEC) dizia que só existia o Uno, que a mudança era aparente. Mais tarde, Platão (428- 348 AEC) influenciado por ambos criou o mundo dos Ideais. Este é eterno e nunca muda, contraposto ao mundo onde vivemos, que Platão considerava uma cópia sempre efêmera e mutável do mundo eterno e imutável dos Ideais.

O mundo ideal de Platão tinha influência dos cultos órficos e foi incorporado conceptualmente pelo nascente cristianismo. Esta nascente religião já continha uma carga considerável de dualismo, que herdou em sua maior parte dos conceitos dualistas da religião judaica. O judaísmo trazia em sei bojo conceitos religiosos dualistas diversos: de que haveria dois princípios, um bom e outro mau, tentando dominar o mundo; a ideia de que ocorreria um Final dos Tempos, quando o princípio Bom e o Mal travariam uma batalha definitiva pelo domínio do universo; a crença de que os mortos ressuscitariam para serem julgados e separados em salvos e condenados. Todas são ideias que o judaísmo incorporou da religião persa, o Zoroastrismo. 

No judaísmo as ideias religiosas originadas no zoroastrismo e assimiladas depois do exílio babilônico (século VI AEC) concretizaram-se em concepções como a implantação do um Reino de Deus, em contraposição ao mundo real da época, no qual os judeus eram dominados por uma cultura grega e por uma política romana. A instituição do Reino de Javé significaria a destruição do império romano e o domínio de um reino judeu comandado por Javé. O judaísmo já havia sido bastante influenciado por correntes apocalípticas - que inclusive influenciaram o nascente cristianismo, como mostra o livro cristão do Apocalipse. Essas ideias eram correntes entre grupos judeus do século II AEC até o século I EC, como os fariseus, os essênios e os zelotes.

O cristianismo em sua fase de estruturação, entre os séculos II e V, absorveu conceitos platônicos através da filosofia de Plotino (204-270 EC), corrente nas principais cidades do império romano no início da era cristã. Líderes dos primeiros séculos da religião, como Orígenes e Agostinho ajudaram a construir conceitos e dogmas do cristianismo fortemente influenciados pela filosofia de Plotino. Assim, o dualismo herdado pelo cristianismo do zoroastrismo através do judaísmo, passou a permear a doutrina cristã, com apoio da doutrina de Platão, transmitida por Plotino.

Foi, provavelmente, sob influência do zoroastrismo persa que o judaísmo passou a enxergar a história - mais especificamente a história do povo judeu - como tendo um objetivo; como um processo em direção à implantação do Reino de Deus na terra, junto com a vinda de um Messias. Interessante notar, que o nascente cristianismo interpretou este fato de maneira diferente. Isto porque ainda na segunda metade do século I EC, passou a firmar-se a ideia de que Jesus de Nazaré era o Messias prometido. Assim, de certo modo, para a primeira e segunda geração de cristãos restava apenas esperar pelo "Fim do Mundo", pela Parúsia; quando todos os mortos ressuscitariam para um julgamento e seria implantado o reino de Deus, com a vitória de Jesus Cristo sobre o Demônio (este também com uma longa gênese no judaísmo/cristianismo). Muitos cristãos de primeira hora, como Paulo, estavam certos de que ainda em vida veriam a chegada do Fim do Mundo.

Mas, a vinda do Reino demorava em chegar, apesar do que diziam os escritos apocalípticos - e havia vários Apocalipses circulando na região do Mediterrâneo no início da era cristã entre as comunidades de crentes. Assim, aos poucos, as igrejas locais se agruparam em torno de uma igreja única, com crenças (quase) comuns, com seus ritos e sua doutrina.

Desta forma, a nascente igreja cristã incorporou do judaísmo as noções escatológicas e dos fins últimos do homem e da filosofia grega o platonismo dualista. A ideia grega de uma história universal e humana cíclica não foi incorporada pelos pensadores cristãos, já que esta não coadunava com a visão herdada do judaísmo. 

Desde o início do cristianismo a história humana tinha um sentido que girava em torno da mensagem de Jesus - ou daquilo que as comunidades cristãs primitivas acreditavam que fosse sua pregação. O sentido da história da humanidade dizia respeito especificamente a Cristo e seu reino e a atitude que cada ser humano teria em relação a sua mensagem. A ideia filosófica de que a história tivesse um sentido, uma direção, um desenvolvimento, foi defendida principalmente por Santo Agostinho em sua obra A Cidade de Deus. Neste trabalho o patriarca da Igreja interpreta a história como sendo basicamente uma luta do Bem contra o Mal. Em suas ações, cidadãos, reis e estados se perfilam de um lado ou de outro nesta titânica luta. No final Deus, que é o Bem Supremo, vencerá o Demônio, quando então se dará fim à história como a conhecemos.
(CONTINUA)

(Imagens: pinturas de Paul Nash)

Notas rápidas (Homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Noticiário

O fato de que a maior parte - quase a totalidade - das notícias nos nossos telejornais mostra ações de traficantes e outros criminosos, políticos corruptos e investigações da Polícia Federal, ações de advogados e declarações de políticos presos, tem um grande significado.

Mostra o quanto o Brasil está praticamente paralisado por tais acontecimentos. Uma grande nação, populosa e com muita coisa a ser desenvolvida, sendo dominada por criminosos de todo o tipo.

O teor das notícias mostra o que realmente importa no país. Não a educação e cultura, o progresso da pesquisa e da indústria, o avanço dos projetos de infraestrutura que beneficiem a população. Não! Permanecemos enredados, atolados numa lama pestilenta, criada por estes indivíduos. Que desperdício, Brasil!

(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)

Gestão dos recursos hídricos

sábado, 19 de maio de 2018
"Vinte e cinco anos de intenso trabalho tiveram por resultado que os objetivos imediatos da psicanálise sejam hoje inteiramente diferentes do que eram no começo."   Sigmund Freud   -   Além do Princípio de Prazer

A água é um elemento relativamente abundante no universo. Análises da luz de todos os quadrantes do espaço feitas por espectroscópios, mostram que no espaço interestelar e nas diversas galáxias a água está presente, principalmente na forma de gelo. Na Terra, o líquido já é identificado no início da formação do planeta, mas sua origem ainda é tema de discussões entre os cientistas. A teoria mais aceita até o momento diz que a maciça precipitação de cometas, formados basicamente por gelo e poeira, incorporou grande quantidade de água à Terra. Esta água, trazida do espaço, juntou-se àquela já existente desde a formação, e nas condições climáticas e geológicas do jovem planeta deu início ao ciclo hidrológico.

O volume de água existente na Terra não sofreu nenhuma variação ao longo dos últimos 4,5 bilhões anos. A água não se perde. A maior ou menor disponibilidade do líquido varia de um lugar para o outro, dependendo de fatores geológicos e climáticos. A movimentação das placas tectônicas provoca a formação de novos continentes, a abertura de mares, o soerguimento de cadeia de montanhas, o surgimento de rios e outros acidentes geográficos. Estes acidentes geográficos podem mudar o clima e, consequentemente, a disponibilidade de água em certas regiões. O interior do Brasil, quando a América do Sul ainda não era separada da África há cerca de 250 milhões de anos, era um grande deserto, que se estendia por centenas de quilômetros. A região do Saara foi coberta de lagos e estepes há cerca de 10 mil anos; uma paisagem bem diferente da aridez atual. Em ambos os casos, as condições geológicas e climáticas fizeram com que a água se tornasse mais disponível (a chuva que começou a vir do oceano Atlântico quando este se abriu há cerca de 170 milhões de anos) ou mais escassa (a mudança no eixo da Terra há cerca de 10 mil anos fez com que a região do Saara recebesse uma insolação maior). Portanto, a água que existe no planeta não se perde; ela apenas muda de concentração nas diversas regiões.

Os primeiros assentamentos humanos do Neolítico (10.000-3.000 AEC) foram à beira de lagos e rios, locais onde a água, a pesca e a caça eram abundantes. Mais tarde, com a invenção da agricultura, as aldeias se estabeleceram ao longo de rios caudalosos, onde a água para a irrigação era abundante. As primeiras cidades-estados do Oriente Médio, sempre foram altamente dependentes das cheias dos rios Tigris e Eufrates, assim como o império egípcio também dependia do regime das águas no Nilo. O mesmo vale para as cidades do vale do rio Indo e as primeiras cidades da China, no vale dos rios Yangtze e Huang He (Amarelo).

De uma maneira geral, as condições de potabilidade da água, desde a Antiguidade até meados do século XIX sempre foram insuficientes, considerando os padrões estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde nos anos 1950. Mas, algumas civilizações perceberam o nexo existente entre a água poluída e o aparecimento de doenças. Assim na China, ainda no período Neolítico, há sete mil anos, se empregavam técnicas de escavação de poços profundos, a fim de acessar água (visualmente) mais limpa. Sistemas de canalização de água já eram utilizados regularmente nas principais cidades chinesas durante a dinastia Han, em 250 AEC. Ainda na Ásia, as cidades de Harappa, Mohenjo Daro e Rakhigarhi, florescendo no vale do rio Indo no século XXV AEC (ainda na Idade do Bronze), já dispunham de sistemas de suprimento de água e coleta de efluentes, formados por canaletas.

Na Babilônia, algumas cidades-estados como Nippur e Eshnunna, dispunham de sistemas de tubulações de cerâmica, para fornecimento de água e coleta dos esgotos. Os mais antigos exemplos destas estruturas foram encontrados nos templos de Baal, locais de grande acúmulo de fiéis durante as festas religiosas.

No Ocidente a civilização minoica, que floresceu na ilha de Creta entre 2.600 e 1.100 AEC, detinha avançados sistemas de saneamento. A capital do império, a cidade de Cnossos, foi a primeira a dispor de um sistema de tubulações subterrâneas para suprir água limpa e carregar os dejetos para fora da cidade. As casas dos bairros mais ricos da cidade, já no século XVIII AEC, dispunham de toaletes com sistemas de água corrente e aquecida, para os banhos. Os gregos de Atenas, assim como as colônias jônicas da Ásia Menor (atual Turquia) igualmente dispunham de redes de tubulações, que coletavam os efluentes das residências e os carregavam para fora das cidades. 

  
O sistema mais avançado de suprimento de água e coleta de esgotos foi o da cidade de Roma, estrutura que os próprios romanos batizaram de "Cloaca Maxima". Através desta estrutura os esgotos da cidade eram carreados e descarregados nas águas do rio Tibre. Os sistemas de distribuição de água eram bastante sofisticados, trazendo o líquido através de aquedutos de locais distantes até 150 quilômetros. Na cidade, a água era distribuída através de tubulações de barro e chumbo, que abasteciam residências, termas, fontes e poços públicos.

Quase todas as civilizações mais avançadas da Antiguidade, de uma maneira ou outra, começaram a se preocupar com a qualidade da água que consumiam. Se, por um lado, não existia o conhecimento de que o líquido era povoado por microrganismos patogênicos, por outro havia a experiência de que a água suja e com odor causava doenças, principalmente em crianças. Métodos de melhoria do gosto e do odor da água, destinada ao consumo humano, datam de antes de 4.000 AEC. Os escritos mais antigos tratando deste assunto foram achados em tumbas egípcias e em escritos da antiga Índia. Lá, um texto médico denominado Sus´ruta Samita, datado de 2.000 AEC, fornece instruções sobre como preparar a água para consumo. As técnicas incluem a fervura, o aquecimento da água pela luz solar, a imersão de ferro quente no líquido, processos de filtragem com gravetos e areia, e adição de certas sementes ou pedras à água. Nas paredes dos túmulos de Amenophis II e Ramses II, faraós do 15º e 13º séculos AEC, respectivamente, encontram-se desenhos de equipamentos para limpeza da água.

Vale lembrar que as diversas civilizações - chinesa, indiana, babilônica, egípcia, grega e romana - utilizavam os resíduos sanitários como adubo, depois de um processo de compostagem, no qual eram acrescentados restos de vegetação e materiais orgânicos à mistura. Ainda hoje, no interior da China e na Índia, agricultores utilizam estes resíduos na agricultura. 

Durante a Idade Média não houve grande avanços na distribuição de água e coleta dos efluentes. A maior parte das cidades buscava sua água em nascentes próximas, que então era distribuída através de fontes e poços públicos. O contato com os efluentes, que muitas vezes eram depositados nas imediações da cidade, poluindo rios e o lençol freático, podia provocar o surgimento de epidemias, relativamente comuns nos maiores aglomerados urbanos durante toda a Baixa Idade Média até o Renascimento quando, de uma maneira geral, a população urbana da Europa começou a crescer.

Os primeiros tubos de ferro fundido para escoamento de água e efluentes foram utilizados na França em 1664. Sua primeira instalação ocorreu no palácio de Versailles, durante o reinado de Luís XIV. Com relação à melhoria da qualidade da água, o processo de filtragem tornou-se relativamente comum a partir do século XVIII, principalmente na França, propiciando assim o aparecimento das primeiras empresas de fornecimento de água a domicílio. Ao longo dos anos, a prática foi estendida ao resto das grandes cidades da Europa.

A captação, preparação e distribuição de água nos moldes parecidos aos atuais tornou-se mais comum no século XIX, aliando as novas descobertas na área da medicina – entre outras a descoberta do vibrião da cólera por Koch e os conceitos da microbiologia desenvolvidos por Pasteur –, disseminando-se pelos mais importantes centros europeus e norte-americanos. Em 1829 a França passou a criar diversas leis relacionadas à qualidade da água, que previam multas e prisão para aqueles que poluíssem as águas, provocando a morte de peixes - era este o principal indicador. A Inglaterra, às voltas com a industrialização e o inchaço das cidades, aprovou diversos marcos legais que proibiam as fábricas de lançarem seus efluentes nos cursos de água. À mesma época, os cientistas ingleses John Snow e Edwin Chadwick descobriram o nexo entre as água poluídas e as diversas doenças que assolavam as populações urbanas - entre elas a cólera que ceifou mais de 180 mil vidas na Europa. Ao longo da segunda metade do século XIX as maiores cidade da Europa passaram a construir sistemas de tratamento de água e esgoto, o que gradualmente ajudou a reduzir a incidência de doenças infecciosas transmitidas pela água poluída. Mas, foi somente no início do século XX que os serviços de tratamento de água se popularizaram – pelo menos entre os países mais desenvolvidos à época.

No mundo, atualmente, a situação da disponibilidade de água potável tornou-se pior do que no passado. Apesar de existirem tecnologias capazes de suprir com água de qualidade todas as regiões do planeta, os problemas agora são mais amplos. O aumento da população mundial, o uso maciço da água pela agricultura, os processos industriais e o consumo doméstico, fizeram com que líquido se tornasse escasso em diversas regiões do planeta. Segundo dados recentemente publicados pelo jornal Valor, vivem hoje cerca de 1,7 bilhão de pessoas em regiões onde a necessidade de água ultrapassa sua disponibilidade. Até o ano de 2050 este número de pessoas deverá subir para 2,3 bilhões, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ainda segundo a reportagem do jornal, o volume de água retirado da natureza é atualmente três vezes maior do que há 50 anos, e deverá aumentar em mais 55% nas próximas três décadas. Assim, para garantir a segurança hídrica, o mundo precisará investir US$ 650 bilhões por ano até 2030, segundo o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga. Todavia, as nações que precisarão fazer os maiores investimentos nesta área, são exatamente aquelas que menos recursos dispõem.

Dentre as ações necessárias para economizar os recursos hídricos incluem-se a reutilização de efluentes industriais e domésticos, a redução das perdas de água através de vazamentos na tubulação, a diminuição do desperdício, a introdução de processos industriais e tecnologias que utilizam menos água, a substituição de produtos que façam uso intensivo de água, o reflorestamento e a recomposição de matas ciliares, a proteção dos mananciais possibilitando mais geração de água, entre outras providências. Mais importante ainda, segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento (CEBDS), é conferir valor econômico à água, ou seja, fazer com que todos os que consomem o recurso - agricultura, indústria, administrações públicas, companhias de saneamento e consumidores finais - paguem pelo real custo da obtenção, preparação e distribuição do líquido. A água não pode mais ser um recurso gratuito, já que está se tornando cada vez mais caro e escasso.   

Em relação à disponibilidade de água, o Brasil encontra-se em uma situação privilegiada, já que dispõe de cerca de 12% dos recursos aquíferos mundiais. Internamente, porém, a disponibilidade do líquido é diferenciada. Cerca de 81% da água encontra-se na Região Norte, onde vivem apenas 5% da população do país. A Região Sudeste, por exemplo, que gera quase metade da PIB brasileiro e acomoda 45% da população, dispõe de apenas 3% dos recursos hídricos. Outras regiões brasileiras também sofrem com estiagens sazonais, afetando atividades econômicas e a geração de eletricidade. A região mais afetada pela seca é o Nordeste, onde nos últimos anos a estiagem foi mais acentuada. Por outro lado os atrasos nas obras públicas, a falta de planejamento nos projetos, a malversação de recursos, são alguns dos fatores que tornam a situação desta região ainda mais grave.

No Brasil, até o início do século XIX, as ações de gestão dos recursos hídricos limitaram-se à construção de pequenas redes de captação de água e à abertura de poços e instalação de fontes de uso comum. Grande parte das populações urbanas, ainda pouco numerosas, abastecia-se da água dos rios - na época ainda pouco poluída - e dos poços particulares. As primeiras estações de captação e tratamento de água surgiram no final do século XIX e início do século XX, nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Por volta de 1930 todas as capitais brasileiras possuíam sistemas de tratamento de água - mesmo que nem sempre atendendo a toda a população, forneciam água tratada para as regiões centrais e bairros mais antigos. A partir da década de 1940, com o aumento do êxodo rural e o crescimento da demanda por saneamento, surgem as primeiras empresas públicas e autarquias de serviços de tratamento da água.

O setor de saneamento – especificamente o tratamento de água – teve um grande impulso a partir do início da década de 1970, com a implantação do Plano Nacional de Saneamento – Planasa. O projeto criou as companhias estaduais de saneamento, obrigou os estados a investirem no setor e estabeleceu linhas de crédito com base em recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Apesar deste impulso inicial, a década de 1980 foi de relativa estagnação, dado o alto endividamento do Estado e as elevadas taxas de inflação. A retomada dos investimentos e a ampliação da infraestrutura do setor só ocorreram a partir da estabilização da economia em 1994 e o aumento das verbas para o setor, com a criação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007. Em 2012 o Ministério das Cidades cria o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que previa à época investimentos de R$ 270 bilhões até 2030. No entanto, depois do início da crise que afeta a economia brasileira desde 2013, os investimentos em obras de infraestrutura diminuíram e as perspectivas para o setor são incertas para os próximos anos.

A água se tornará recurso natural estratégico nos próximos cinquenta anos. Sua escassez limita as atividades em outras áreas; como a geração de energia, a agricultura, o abastecimento da população, as atividades industriais e outros setores dependentes do uso do recurso. Para países com pouca extensão territorial e pouca disponibilidade de água, sua escassez poderá significar um grande obstáculo para o progresso material e social destas nações. Com isso, a falta da água deverá provocar conflitos de menor ou maior gravidade no interior dos países e entre nações. Em muitas regiões do globo isto já começa a acontecer, provocando guerras civis e acirrando conflitos fronteiriços.

A crise hídrica, se ocorrer, afetará principalmente as nações pobres, muitas delas com grandes populações e dependendo fortemente de suas agriculturas. Alguns destes países, já atualmente, não conseguem mais produzir alimentos suficientes para abastecer sua população, como o caso do Egito, do Afeganistão e da Somália. Assim, acumularão mais outro problema; o da falta de água. Neste quadro, é preciso lembrar que a história nos mostra que grandes civilizações do passado entraram em decadência por falta de água. Dependendo das condições tais fatos poderão se repetir; mas atualmente terão consequências globais.
(Imagens: pinturas de Marcel Duchamp)

Notas rápidas (Homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Força da vida 

Um mamoeiro é difícil de ser transplantado; geralmente morre. Mas vi uma árvore destas que foi transplantada para um terreno seco, foi aguado e conseguiu sobreviver. Caíram secas as folhas maiores e um miolo de brotos novos se desenvolveu.

Que força é esta, a que fez e faz com que vegetais e animais - incluindo humanos - consigam recuperar a força vital e sobrevivam? Já analisamos com atenção este fato aparentemente corriqueiro? 

O que está por trás deste impulso em continuar, em lutar contra a entropia? Uma vontade de persistir, de não se desfazer, deixar de existir, no âmago de todo ser vivo. De onde vem este impulso?

(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)

William Shakespeare

sábado, 12 de maio de 2018

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

William Shakespeare (1564-1616) é considerado por muitos o maior escritor da humanidade. Por sua capacidade de mergulhar no interior do ser humano através de suas peças, o crítico americano Harold Bloom chamou Shakespeare de "o inventor do humano".

Em sua última peça, A Tempestade, no Ato IV, o grande escritor dá a seguinte fala ao personagem principal da peça, Próspero. Uma reflexão sobre o vida humana:

"Anime-se, senhor. Nossa diversão chegou ao fim. Esses nossos atores, como lhe antecipei, eram todos espíritos e dissolveram-se no ar, em pleno ar, e, tal qual a construção infundada dessa visão, as torres, cujos topos deixam-se cobrir de nuvens, e os palácios, maravilhosos, e os templos, solenes, e o próprio Globo, grandioso, e também todos os que nele aqui estão e todos os que o receberam por herança se desvanecerão e, assim como se foi terminando e desaparecendo essa apresentação insubstancial, nada deixará para trás um sinal, um vestígio. Nós somos esta matéria de que se fabricam os sonhos e nossa vidas pequenas têm por acabamento o sono." 

(imagem: gravura representando William Shakespeare)

Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 9 de maio de 2018
                                                    Tiro o chapéu


O que quer dizer esta expressão? Simbolicamente, quem usa um chapéu pressupõe, nesta situação de "tirar o chapéu para...", ser alguém importante, acima dos outros; de seu meio social. 

Tirando o chapéu, eu saio da minha situação de poder, olho para alguém ou algo e dou a esta/este ou a isto uma importância. Mostro uma consideração tal, que até tiro meu chapéu, como sinal de respeito ou de homenagem. 

Mas fica implícito que minha posição é superior e eu me digno a atentar para alguém ou algo, conferindo-lhe minha consideração - pelo menos naquele instante.

Em outra situação dá-se exatamente o contrário. Tiro o chapéu para me desfazer de qualquer proteção, mostrando minha humildade e total sujeição a um poder. Tira-se assim o chapéu em respeito a uma autoridade (um rei, um bispo) ou em lugares onde esteja ocorrendo algo de importância; uma celebração ou cerimônia (numa igreja ou num palácio). 

No passado tirava-se o chapéu em lugares cobertos de qualquer tipo e, principalmente à mesa, durante as refeições. Este costume quase não é mais praticado. 

(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)

Darcy Ribeiro

sábado, 5 de maio de 2018

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)


Darcy Ribeiro (1922-1997) foi sociólogo, antropólogo, educador e político. Exilou-se do país em 1964. Retornando, torna-se vice-governador do Rio de Janeiro (administração Brizola) e em paralelo cria diversos projetos culturais (CIEPs, Sambódromo, Memorial da América Latina).

Em 1991 é eleito senador e em 1992 entra para a Academia Brasileira de Letras. Autor de obras de antropologia, etnologia, educação, e romances, Darcy foi um dos grandes intelectuais brasileiros do século XX. 

De sua obra "O povo brasileiro", destacamos: 

"Aquela uniformidade cultural e esta unidade nacional - que são, sem dúvida, a grande resultante do processo de formação do povo brasileiro - não devem cegar-nos, entretanto, para disparidades, contradições e antagonismos que subsistem debaixo delas como fatores dinâmicos da maior importância. A unidade nacional, viabilizada pela integração econômica sucessiva dos diversos implantes coloniais, foi consolidada, de fato, depois da independência, como um objetivo expresso, alcançado através de lutas cruentas e da sabedoria política de muitas gerações. Esse é, sem dúvida, o único mérito indiscutível das velhas classes dirigentes brasileiras. Comparando o bloco unitário resultante da América portuguesa com o mosaico de quadros nacionais diversos a que deu lugar a América hispânica, pode se avaliar a extraordinária importância desse feito." (Ribeiro, 2014, p. 20) 

"Os outros povos latino-americanos são, como nós mesmos, povos novos, em fazimento. Tarefa infinitamente mais complexa, porque uma coisa é reproduzir no além-mar o mundo insosso europeu, outra é o drama de refundir altas civilizações, um terceiro desafio, muito diferente, é o nosso, de reinventar o humano, criando um novo gênero de gentes, diferentes de quantas haja." (Ribeiro, 2014, p. 409). 

(Imagem: fotografia de Darcy Ribeiro)

Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Obrigado


Agradecer por isso, agradecer por aquilo. As pessoas, quando estão em boa disposição e boa situação, são pródigas em agradecer. "Agradeço sempre a Deus", "Agradeço a Vida", "Obrigado isso", "Obrigado aquilo"...

Um bom pai ou uma boa mãe não espera que seus filhos fiquem agradecendo a toda hora, por qualquer ninharia. O coração da mãe e do pai se alegra quando os filhos estão bem e felizes com o que lhes deram. A alegria dos filhos já é o agradecimento. Afinal, é este o objetivo dos pais; a alegria dos filhos.

(Imagem: gravura representando C.G. Lichtenberg)