Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 29 de agosto de 2018



          Perante o ente    


A “atenção” perante todas as coisas, perante o funcionamento do universo, das leis do universo, de tudo.

Já que não se pode, necessariamente, trilhar o caminho do “fé” do cristianismo, o caminho do “conhecimento” do budismo, sem falar nas outras religiões e nas filosofias humanistas.

A consequência do criticismo é uma conclusão “não conclusiva”. Não há pontos fixos.

Será que a “não-ação” é a “aceitação” da realidade? Já que não podemos alterar de modo institucional, é preciso ter uma atitude de atenção perante o ente.

Pensando sobre a ordem do universo, a sua grandiosidade e a praticamente “não possibilidade de interferência” na realidade. Mesmo que não possamos entender o ente, e, exatamente por isso, devemos manter uma atitude de “atenção” perante o ente.

Não será preciso, talvez, abdicar da intenção de querer “dominar”, “catalogar” e “compreender” o ente, e, simplesmente, permanecer em uma atitude de “espera” da manifestação do “ente” - ou de sua absoluta falta de manifestação?

Por que deve haver sempre uma diretriz, uma “intenção em relação a..”? Por que não se pode encarar o “ente” com nenhum “interesse”? Sem “objetivos finais” e sem apegos ou muletas na realidade intelectual-material? Em outras palavras, por que é preciso sempre encontrar um “sentido”, um “objetivo” no ente, no universo?

Sem necessidade de um “Deus” no sentido judaico-cristão. “Atenção". Não julgar ou se apegar ou rejeitar. Apenas observar humildemente, e com respeito, todo o processo do ente. Não há necessariamente uma “razão”, um “por que” a procurar. Simplesmente observar o fluxo. 

É mais ou menos como abrir mão de todas as pretensões, de todos os esforços e preocupações, que no final das contas em nada mudarão o desenrolar dos fatos e dos fluxos. 

Não se trata de um fatalismo, mas de um “não nadar contra a correnteza desnecessariamente”. Devem ir-se as preocupações. Afinal, somos pequenas peças, pequenos lampejos de consciência, em um imenso fluxo, muito maior do que nós. 

As imensidões do espaço sideral, a complexidade da matéria/energia, a multiplicidade de opiniões, a incomensurabilidade do tempo, a fragilidade da vida humana, a pequenez individual perante a um imenso processo inexorável. Para que a fútil pretensão humana em “dirigir” os acontecimentos?

Porém sem mágoa e ressentimento. Mas, a observação de um processo, no qual apenas podemos “ir junto” sem esperar que este processo nos conduza a algo ou condição.

(imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)  

O fenômeno das fake news

sábado, 25 de agosto de 2018
"A razão não é um elemento comum a Deus, ao mundo e ao homem, mas sim, uma propriedade antropológica."   -   Nicola Panichi   -   Montaigne, A consciência do Renascimento

O debate sobre as fake news, notícias falsas, tomou conta dos principais órgãos de comunicação no Brasil. O fenômeno, pelo menos em sua versão mais recente, teve início nos Estado Unidos, há cerca de dois anos, por ocasião das eleições presidenciais daquele país. 

A agressiva disputa pelo voto dos eleitores na reta final das eleições, trouxe à discussão o uso das novas mídias sociais. As assessorias do republicano Donald Trump e da democrata Hillary Clinton travaram um forte batalha através das mídias sociais; correio eletrônico, Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp, entre as principais. As acusações de lado a lado foram várias, mas as que tiveram mais divulgação e impacto foram duas. Por seu lado, os republicanos acusaram a candidata Hillary Clinton de ter usado sua conta particular no e-mail, para tratar de assuntos de governo enquanto era Secretária de Estado do governo Barak Obama – o que é considerado um crime, por colocar em risco segredos de Estado. Os democratas, entre outras reclamações, incriminam Trump e sua equipe de terem obtido ajuda do governo russo, que através de contas falsas no Facebook operadas por hackers supostamente influenciou o voto de centenas de milhares de cidadãos americanos. 

O cerne da discussão sobre as fake news é que as redes sociais, que começaram como instrumento de mobilização durante a campanha que culminou na reeleição de Barak Obama em 2012, passaram a ser utilizadas como instrumento de propaganda e de fake news nas campanhas das eleições presidenciais de 2016. A página da Wikipedia que trata sobre fake news informa que as notícias falsas não exerceram influência sobre eleições anteriores a 2016. Todavia, admite que notícias falsas foram usadas como armas na batalha eleitoral entre Trump e Hillary Clinton, e que o fenômeno passou a exercer influência ainda maior sobre o processo político americano no período posterior à eleição.

A atuação das redes sociais – e das falsas notícias – não terminou ao findarem as eleições. Logo no início do mandato, o novo presidente eleito acusou a imprensa de estar publicando notícias falsas sobre seu governo. Segundo o jornal The Thelegraph, “fake news” foi o termo favorito do presidente Donald Trump em 2017 e “fake” foi eleita a “palavra do ano”, ainda segundo o diário britânico. Fato é que por algumas vezes parte da mídia americana efetivamente noticiou acontecimentos que não foram devidamente investigados e que depois foram constatados como inverídicos. 

O pior, porém, é a enxurrada de notícias falsas e claramente fantasiosas que passaram a ser divulgadas pelas mídias sociais. Independentemente dos partidos políticos, grupos interessados em fazer humor, divulgar boatos e semear a confusão, continuaram a divulgar todo tipo de notícia enganosa. O site Information is Beautiful (https://informationisbeautiful.net/visualizations/biggest-fake-news-of-2017/), por exemplo, fornece uma extensa lista de fake news que circularam na mídia social de todo o mundo, especialmente na americana, em 2017. Nesta lista aparecem manchetes como: “Papa Francisco: Deus me instruiu a mudar os dez mandamentos!”; “Islândia paga a mulheres 5 mil dólares por mês para casarem com imigrantes”; “Palestinos reconhecem Texas como parte do México”; “Obama e Michele estão se divorciando”; “Imigrantes ilegais começaram incêndios na Califórnia”, entre outros.

Querendo chamar a atenção para importantes notícias posteriormente comprovadas como falsas, o presidente Donald Trump lançou em janeiro de 2018 o seu próprio “Prêmio de Fake News”. Entre os primeiros quatro colocados estavam mídias do porte do jornal The New York Times (noticiou erroneamente que com Trump a economia não se recuperaria); ABC News (informou incorretamente que Trump havia feito contato com os russos antes das eleições); e CNN (que falsamente informou que Trump e seu filho haviam recebido cópias de documentos da WikiLeaks). Outros veículos como o Washington Post, Newsweek, Vanity Fair e Time também foram “premiados” pelo presidente. 

A situação das notícias falsas já avançou de tal maneira, que a Wikipedia colocou no ar uma página contendo uma extensa (mas não definitiva, como informa o site) lista de sites de informações falsas, com a seguinte observação: “Esta é uma lista de sites de fake news. Estes sítios publicam intencionalmente, mas não unicamente, farsas e desinformação, com outros objetivos que não a sátira”. Em 8 de dezembro de 2016, após as eleições, a senadora Hillary Clinton fez uma palestra, na qual mencionou “a epidemia de notícias falsas maliciosas e propaganda falsa que inundaram a mídia social durante o último ano”.

O fenômeno das notícias falsas não é recente; a história está cheia de exemplos. Otávio (posteriormente chamado Augusto), que junto com Marco Antônio e Lépido formou o Segundo Triunvirato de Roma, depois do assassinato de Júlio César, fez uso de uma campanha de desinformação para vencer Marco Antônio na batalha de Áccio, a última da República romana. O historiador Robert Darnton, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 2017, relatou diversos casos de notícias falsas ao longo da história. “Procópio foi um historiador do século VI, famoso por escrever a história do império de Justiniano. Mas ele também escreveu um texto secreto, chamado ‘Anekdota’, e ali ele espalhou fake news, arruinando completamente a reputação do imperador Justiniano e de outros.”, relata Darnton. Em Londres no século XVII, ainda segundo o historiador, existiam os chamados “homens-parágrafo”, que recolhiam fofocas redigidas resumidamente em um parágrafo sobre pequenos papeis, depois vendidos às editoras. Estas os imprimiam na forma de reportagens, muitas vezes difamatórias. 

Em junho de 2018 o jornal El País publicou interessante matéria intitulada “A longa história das notícias falsas”, na qual o jornalista Guillermo Altares descreve como as notícias falsas desempenharam importante papel em diversas fases da história. Altares cita como exemplo três guerras nas quais os Estados Unidos se envolveram com base em notícias falsas: a Guerra de Cuba (1898), com a manipulação da imprensa; a guerra do Vietnã (1955-1975), com o incidente do Golfo de Tonkin; e a invasão do Iraque em 2003, baseada nas inexistentes armas atômicas de Saddam Hussein. 

As notícias falsas não surgem do nada e sem motivos; sempre são criadas por interesses de pessoas, grupos sociais e econômicos, com intuito de tirar vantagens de situações. Expulsar judeus e se apoderar das riquezas dos templários na Idade Média, tomar as terras dos fazendeiros na União Soviética sob regime stalinista, ocupar as áreas indígenas e explorar as riquezas minerais em nome do progresso do país... Sobre o uso de notícias falsas para justificar certas atitudes, escreve o historiador Marc Bloch (1886-1944): “Um erro só se propaga e amplifica, só ganha vida com uma condição: encontrar um caldo de cultivo favorável à sociedade onde se expande. Nele, de forma inconsciente, os homens expressam seus preconceitos, seus ódios, seus temores, todas as suas emoções.”

O movimento de denúncia das notícias falsas é oportuno, dado o início do período das campanhas eleitorais no Brasil. Assim como ocorreu nos Estados Unidos, é certo que partidários dos diversos postulantes utilizem as mídias sociais para fazer propaganda das qualidades de seus candidatos. Alguns provavelmente chegarão ao ponto de exagerar os atributos de seu político e difamar os demais concorrentes. Outro aspecto a considerar é que nossa imprensa não está isenta de cometer, premeditadamente ou não, os mesmos erros de certos segmentos da mídia dos Estados Unidos, divulgando informações que não são verdadeiras. Os tempos mudam, mas a maneira de conquistar o poder continua o mesmo, com outros instrumentos. Em tempos de mídias sociais e imprensa em tempo real, continuam válidas as palavras do matemático e teólogo francês Bernard Lamy (1640-1715): “Para convencer o povo de que se diz a verdade, basta falar com mais ousadia do que seu adversário; basta gritar mais alto e dizer-lhe mais injúrias do que ele diz, queixar-se dele com mais aspereza, afirmar tudo o que se adianta como oráculos, zombar de suas razões como se fossem ridículas, chorar, se for preciso, como se a verdade que se estivesse defendendo provocasse uma verdadeira dor quando atacada e obscurecida. Aí estão as aparências da verdade. O povo só vê essas aparências, e são elas que convencem.” (“A retórica ou a arte de falar”).

O jornalista americano Walter Lippmann (1889-1974) e o relações públicas austro-americano Edward Bernays (1891-1995) estudaram profundamente as relações entre as notícias, a propaganda e as reações do público. Lippmann, depois de analisar a grande imprensa americana e mundial, chegou à conclusão que as pessoas, inclusive os jornalistas, são mais propensas a acreditar em suas opiniões do que em julgamentos baseados no pensamento crítico. O grande público, segundo Lippmann, não está interessado em investigações aprofundadas e precisas. O cidadão médio está por demais ocupado com seus próprios assuntos, para se preocupar com políticas públicas ou temas parecidos. 

Bernays foi relações públicas, mas teve forte atuação na propaganda, trabalhando para que a indústria americana aumentasse o número de consumidores na primeira metade do século XX. A maneira de Bernays conciliar a manipulação através da propaganda com o liberalismo, estava baseada na convicção de que as massas inevitavelmente sucumbiriam à manipulação. Por isso, o bom propagandista, aquele com objetivos honestos, atua sem qualquer drama de consciência. Bernays estava convencido de que “a minoria que utiliza esta força (a propaganda) é crescentemente inteligente, e trabalha mais e mais a serviço de ideias que são socialmente construtivas.”

O fenômeno das fake news tem a ver com poder e manipulação das massas. A grande diferença em relação aos períodos históricos anteriores e, principalmente em relação ao século XX, é que atualmente a influência sobre as mentes e corações do grande público pode ser exercida por grupos de blogueiros, hackers e demais operadores de mídias sociais, a um custo relativamente baixo. Não é mais necessária a estrutura de um grande jornal, estação de rádio ou canal de televisão. Esta talvez seja uma das razões da preocupação da grande imprensa com o tema. A informação, verdadeira ou falsa, e sua divulgação, para o bem ou para o mal, não são mais monopólios de uns poucos. 
(Imagens: pinturas de Bridget Riley)

Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 22 de agosto de 2018



Educação, urgente!

Assustam os números recentemente publicados pelo IBGE sobre analfabetismo, evasão escolar, analfabetismo funcional e outros aspectos do ensino no Brasil. O pior é que os dados não diferem muito daqueles publicados em 2015 e anos anteriores.

Onde está o problema? Investimentos em educação não são poucos - se bem que não sejam os ideais para um país com as nossas característica e na situação ruim em que nos encontramos. Organização, estabelecimento de metas e indicadores, controle e gestão, talvez sejam fatores importantes que ainda faltem no nosso sistema educacional.

Uma coisa, no entanto, é clara. Ao longo da história do Brasil houve um grande descaso com a educação e a cultura. A impressão que se tem é que mesmo as elites – econômicas e políticas – eram (e não são mais?) toscas, ignorantes, em comparação com seus pares de outros países. É impossível alguém, com um nível médio de educação e cultura, conviver com tanta ignorância, e, podendo minorá-la, não fazer nada.

Existe também a possibilidade de que a tese, sempre defendida por Darcy Ribeiro, esteja certa: “A crise na educação brasileira não é uma crise, é um projeto”.

Será que os supostos autores tinham (ou têm) capacidade para articular este "não projeto", este projeto pernicioso para nossa educação – se é que são capacitados para implantar qualquer tipo de projeto?

(Imagem: gravura representando G, C. Lichtenberg)

Substantivos abstratos, superficialidades e panos quentes

sábado, 18 de agosto de 2018
"Os homens não poderiam viver muito tempo em sociedade se não se deixassem enganar uns pelos outros."   -   La Rochefoucauld

Há diversos fenômenos que nos chamam a atenção na cultura brasileira. Este que descreveremos a seguir, particularmente dadas as circunstâncias em que ocorre, é provavelmente de surgimento bastante recente. Na falta de outro tipo de informação, supomos que tenha aparecido junto com a popularização dos meio de comunicação de massa, principalmente o rádio e a televisão.

O caso que aqui nos chama a atenção é a maneira peculiar com que usualmente repórteres, apresentadores de noticiários e mesmo pessoas comuns envolvidas, fazem uso de substantivos, que parecem – ou premeditadamente são usados para – esconder as causas e os responsáveis por certos acontecimentos. Inicialmente procuraremos dar exemplos fictícios de situações nas quais isso ocorre, para em seguida fazermos nossas considerações.

Fato 1: O apresentador descreve um atropelamento ocorrido durante a madrugada. Duas pessoas morreram e o motorista, bêbado, tenta fugir do local, mas é preso. O repórter, já na manhã do dia seguinte, entrevista parentes das vítimas durante o enterro. A imagem volta para o apresentador que descreve o ocorrido como uma “fatalidade” e que agora se espera uma ação da “justiça”. Uma parente da vítima também fala em justiça, mas na “justiça de Deus”.

Fato 2: Em importante cidade brasileira, mais uma vez, ocorre a morte de uma criança, causada por bala perdida. “A tragédia desta família que comove a todos”, diz o repórter presente ao hospital. A apresentadora do telejornal usa os substantivos “tragédia”, “perda”, “drama” e “justiça” com bastante ênfase.

Fato 3: Incêndio destrói parte de uma favela. “Acidente”, “irresponsabilidade”, “autoridades”, são palavras que integram grande parte das manchetes e comentários dos telejornais.

Fato 4: Uma barragem se rompe e inunda uma pequena cidade, matando doze pessoas e destruindo dezenas de quilômetros quadrados de área agrícola e florestal, além de soterrar parte da cidade com resíduos. “Tragédia”, “Fatalidade”.


O uso dos substantivos (precedidos ou seguidos de adjetivos) é o mesmo quando se trata de descrever outros acidentes, que causaram danos a pessoas ou ao patrimônio, envolvendo grandes empresas, órgãos do governo, personalidades, etc. A impressão que se tem ao assistir a tais coberturas jornalísticas – geralmente televisivas – é que o ocorrido foi um “acidente” ou “uma tragédia”, ou pior, “uma fatalidade”, que não puderam ser evitados. As reais causas não são analisadas e informações são (premeditadamente) omitidas e aqueles que poderiam – ou deveriam – evitar o acontecido, muitas vezes não são sequer mencionados.

Provavelmente a ideia que se quer transmitir ao público é que tudo foi uma “fatalidade”, um grande “acidente”, o que causou a “tragédia”. Os causadores ou culpados ficam cobertos por uma cortina de fumaça. A informação superficial, não analisa o fato em profundidade e não aponta os responsáveis que poderiam ter evitado o ocorrido – a polícia, o departamento de trânsito, serviços sociais, empresas envolvidas, órgãos fiscalizadores, técnicos responsáveis, a justiça, altos executivos de empresas, juízes, etc.

As origens de tal procedimento provavelmente encontram-se no período ditatorial, quando notícias “negativas”, que pudessem causar comoção social, não eram tratadas em detalhes, quando muito veiculadas. Esta forma de cobrir jornalisticamente os fatos, sem apontar-lhes as causas, os prováveis causadores, seja por ação ou omissão, propicia um clima de impunidade e não permite que a sociedade possa aprender com tais acidentes e implantar práticas que possam evita-los no futuro.

Diferente de outras culturas que procuram tratar tais fatos de maneira científica, identificando causas, fatores relevantes e culpados a fim de prevenir novas ocorrências, tais acontecimentos ainda são abordados quase como se fossem acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais – o que muito interessa e beneficia os reais responsáveis por tais ocorrências.


Ainda é grande a diferença entre o jornalismo televisivo praticado por muitos veículos no Brasil e o que ocorre em outros lugares, principalmente a Europa. Lembro-me de ter visto a ação de um repórter do jornal Guardian, preparando uma matéria para inserção televisiva. Sua entrevista seria com um dos grandes executivos da Shell. A maneira como o jornalista colocava suas perguntas, fazia lembrar uma luta de box, na qual o executivo estava encurralado no canto do ringue. Enquanto isso, aqui no Brasil, entrevistas semelhantes são conduzidas com todo cuidado, de maneira a não colocar o entrevistado em má situação.   
(Imagens: famosos palhaços brasileiros)     

Considerações sobre o filme "Alphaville"

sábado, 11 de agosto de 2018
"Para o cinema tudo se torna uma imensa natureza-morta, até os sentimentos dos outros são qualquer coisa de que se pode dispor."   -   Federico Fellini

ALPHAVILLE (1965)
Filme dirigido por Jean-Luc Godard

O ambiente do filme é o futuro. Ivan Johnson chega à cidade chamada Alphaville. A cidade é bastante automatizada. Ao chegar ao hotel, Johnson é procurado por Natasha von Braun, que fica incumbida de servi-lo como guia em um passeio pela cidade. Johnson se apresenta como jornalista. É a época “das grandes festas” e muitos estrangeiros visitam a cidade.
Natasha leva Johnson para encontrar um amigo dele. Durante o caminho, levados por um motorista, Johnson tenta averiguar se Natasha é filha do Dr. Von Braun, a quem parece ter sido incumbido de encontrar. Não obtendo nenhuma informação de Natasha, passam por um centro de “telecomunicação”, de onde ele pretende fazer um telefonema. Ali, Johnson é atacado, mas se livra de seu agressor.
Johnson chega sozinho ao local onde mora seu amigo, Henry Dickson. Ele não está, mas Johnson espera por ele, até que finalmente chegue. Dickson já mora há muitos anos em Alphaville, mas no passado parece ter vindo da mesma cidade que Johnson, “Nueva York”. Ele mora em condições deploráveis, em um pequeno apartamento. Durante o diálogo entre os dois, Dickson informa que muitos não aguentam a cidade e seu clima opressivo, e acabam por se suicidar. Diz que Alphaville é uma sociedade técnica onde todos vivem como formigas; de onde a arte foi eliminada. Toda a sociedade é controlada por um “cérebro eletrônico”, construído pelo Dr. Braun (aquele mesmo que Johnson parece estar tentando encontrar). Logo depois, Dickson recebe a visita de uma prostituta e acaba morrendo, não sem antes deixar uma mensagem para Johnson, na forma de um livro, com uma série de frases assinaladas, de significado estranho.
Johnson, munido desta mensagem procura Natasha. Vai a um prédio público onde escuta uma mensagem nos alto-falantes dizendo que “ninguém vive no passado nem no futuro, vivemos no eterno presente”. É a voz de Alpha 60, o computador que controla toda a “cidade-Estado” de Alphaville.

O eterno presente é atemporal. Sem perspectiva de passado ou futuro não teríamos condições de fazer comparação alguma entre diversos períodos históricos e assim construir uma utopia futura. O atemporal é o tempo ideal das ditaduras.

Natasha chega e ambos se dirigem para um outro prédio, em outro local da cidade. No caminho, ao percorrer de carro a cidade com Natasha e um motorista, Johnson tem a nítida impressão de que se trata de uma sociedade planificada, automatizada e sem liberdade.
Chegam a um local onde, segundo Natasha, “há muitas pessoas importantes”. Está havendo uma execução em massa, ao redor de uma piscina, no interior do prédio. A acusação, segundo dizem os juizes é terem agido de forma ilógica.


Fica claro na cena que o “agir de forma ilógica” é criticar o sistema, ou seja, agir contra a lógica elaborada para justificar o sistema político de Alphaville.

No local onde ocorrem as execuções, Johnson vê o prof. Von Braun e tenta aproximar-se dele, mas é preso por agentes de segurança. Natasha observa a cena e tem que reprimir suas lágrimas, já que nesta sociedade é proibido chorar ou mostrar sentimentos.
Johnson é levado para um interrogatório, no qual ocorre um diálogo “non-sense ou surrealista” entre ele e o computador Alpha 60.

O próprio filme tem influências do surrealismo de Breton.

É um diálogo interessante, na forma de um oráculo, onde o filme parece querer indicar que a máquina não consegue entender o uso de metáforas, diferentemente de nós, humanos. Por falta de acusações, Johnson é liberado. O “cérebro eletrônico” diz-lhe, antes de liberá-lo, que havia algo em suas respostas que não fazia sentido, e que iria investigar.
Johnson percorre o prédio onde está e fica sabendo que é a administração central de Alphaville. A sociedade era completamente controlada pelos computadores, que planejavam e coordenavam, ficando aos humanos simplesmente a tarefa de executar. Aqueles que, por qualquer motivo, não se adaptassem ao sistema, eram simplesmente eliminados. Falando com um funcionário, este diz a Johnson que ele não deve dizer “por que” (pergunta), somente “porque” (afirmação). Trata-se de um jogo de palavras em francês (onde “porquoi” quer dizer por quê em tom interrogativo, e “parce que” quer dizer porque na forma de afirmação causal).
Johnson vai para um outro prédio onde reencontra Natasha e, em um apartamento, trava outro diálogo surrealista-filosófico. Pergunta sobre o significado das palavras assinaladas no livro que havia recebido de seu amigo Dickson. “Consciência”, Natasha não sabia o que queria dizer a palavra.

Nesta parte do filme ele se torna mais filosófico. Natasha diz que “as palavras desaparecem do dicionário, outras são proibidas e outras ainda passam a adquirir um novo significado”. Uma sociedade que tivesse efetivamente este poder, poderia dominar completamente as pessoas, já que é através das palavras e de seu significado que pensamos e construímos as relações sociais e a cultura.  

Ambos falam de outros lugares e países, ficando claro que o filme desenrola-se em uma época em que não existe mais a União Soviética ou os Estados Unidos. Parecem existir cidades-Estado e Alphaville, uma delas, está em guerra contra as outras, as quais pretende destruir com uma tecnologia inventada pelo Prof. Von Braun.

O apartamento onde conversam é invadido por agentes, Johnson é capturado e interrogado novamente por Alpha 60. Este descobre que ele é o agente Leny Caution e o condena à morte. Caution foge do prédio (durante quase todo o filme, as ações se desenrolam no interior de edifícios) e vai para o laboratório onde se encontra o Prof. Von Braun. Ali discutem e Caution acaba matando von Braun e destruindo o computador.
Todos os habitantes de Alphaville, sob o efeito do computador, começam a ficar tontos e desmaiam, não oferecendo resistência a Caution. Este busca Natasha e juntos fogem de Alphaville.

A filme, é uma ficção científica distópica “noir” que possui várias referências culturais. Foi premiado com o Urso de Ouro, no 15º Festival internacional do Filme de Berlim. Rodado em preto e branco, o filme teve relativo sucesso em sua época, por criticar o uso da tecnologia por regimes autoritários. Hoje sabemos que não é necessário que um regime seja abertamente autoritário para dominar as massas. Basta a tecnologia.
(Imagens: cenas do filme Alphaville)

Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 8 de agosto de 2018


Tempo de aprendizado dos povos


Como é que países atingem a prosperidade e uma relativa organização?

O tempo faz com que sociedades amadureçam a atinjam determinado nível de organização econômica, política e social. Mas quanto tempo é necessário? Isso não é relativo?

Alguns países, como a Austrália e Nova Zelândia, em pouco mais de 200 anos, alcançaram níveis de prosperidade bastante altos para seus cidadãos. Outras regiões, como a Ásia Menor e certas partes da África, apesar de virem uma sucessão de reinos e impérios, e, mais recentemente, repúblicas, não conseguiram oferecer uma boa vida à maior parte de seus cidadãos.

Outras vezes ocorre o desenvolvimento de culturas sofisticadas, que depois de alguns séculos desaparecem, deixando poucos vestígios de suas realizações e estruturas culturais e sociais.

A que se deve esta situação? Por que muitos povos não conseguem desenvolver práticas culturais que levem a uma acumulação de conhecimentos nas áreas da convivência social, política, economia, etc.?

O tempo de aprendizado de cada sociedade/cultura parece ser diferente. Quais são os fatores que contribuem para que este processo ocorra de modo diferente?

(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)

E a energia nuclear?

sábado, 4 de agosto de 2018
"Assim como a culpa ilumina com as lágrimas os olhos de quem se sabe culpado, a esperança no coração de quem sabe que não há nenhuma esperança pode ser a maior de todas as virtudes."   -   Luiz Felipe Pondé   -   Espiritualidade para corajosos

A energia nuclear é uma das mais eficientes maneiras de geração de energia. Sem ocupar muito espaço (como as hidrelétricas), sem causar poluição atmosférica (como as termelétricas), a geração nuclear tem uma série de vantagens. Por outro lado, porém, tem talvez a pior forma de poluição de uma fonte energética: a radiação nuclear. Esta radiação é provocada pela destruição dos átomos de urânio e gera um tipo de radiação (onda eletromagnética), prejudicial à saúde: os raios gama. O efeito destes raios é a destruição do tecido celular e a danificação dos genes, provocando crescimento descontrolado de células (câncer) e desestruturação em parte do código genético (mutações genéticas).

A usina nuclear tem como insumo principal o urânio processado, que funciona como combustível, aquecendo água em ciclo fechado e gerando vapor. Este vapor, por sua vez, aciona uma turbina, que pela energia cinética gera energia elétrica (como o dínamo). Depois de usado por certo tempo, o urânio 314 vai perdendo sua energia (sua capacidade de gerar calor) e precisa ser substituído por novas quantidades de combustível. O problema começa com o local da destinação deste combustível que não tem mais uso, já que este continua radiativo e pode matar pessoas e provocar danos na fauna e na flora. Até hoje não foram encontrados lugares ideais para armazenagem do urânio. Fundos de minas, locais lacrados, etc., têm sido usados como depósitos destes resíduos. Ainda não foi desenvolvida tecnologia para tornar inertes estes resíduos.

Outro problema é a ocorrência de um acidente com um reator nuclear, como sucedeu em 1986 em Chernobyl, na Ucrânia, matando 31 pessoas e forçando a evacuação de mais de 160 mil pessoas. O acidente contaminou uma imensa região (provocando efeitos em toda a Europa), contaminando campos, produtos alimentícios e a criação de animais. O acidente destruiu a economia de uma região e ainda hoje mata indiretamente centenas de pessoas, através de diversos tipos de câncer. O solo continua contaminado na região e assim deverá permanecer por dezenas de milhares de anos, já que ainda não existe tecnologia para eliminar esta radiação.

Apesar de ser defendida por muitos como alternativa limpa em tempos de mudanças climáticas, a energia nuclear, no caso de um acidente, representa um imenso perigo para as comunidades do entorno – vide o caso mais recente de Fukushima, no Japão, ocorrido em 2011.
(Imagens: gravuras de Ernst Barlach)

Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

quarta-feira, 1 de agosto de 2018



Élan vital


Todo o universo, das galáxias às estrelas, dos planetas às mínimas partículas; tudo está em constante mudança. Menor ainda que o mundo das partículas e subpartículas, menor que o quark e o bóson, é o mundo quântico. 

Este, segundo os cientistas, está em constante mudança. Velocidades altíssimas, períodos de tempo reduzidíssimos. Quase inimaginável para nós humanos.

O que é esta força que faz a energia e a matéria dinâmicas? É esta mesma dinâmica que forma as moléculas, células, corpos vivos e ecossistemas e faz com que se transformem? O que é este “élan vital”, como o chamava o filósofo Henry Bergson? É esta energia cega que impulsiona tudo?

(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)