Notas rápidas (homenagem a G. C. Lichtenberg)

sábado, 27 de outubro de 2018



Apontamentos sobre a condição antropocêntrica




A compreensão do homem está limitada à sua condição antropocêntrica. Não pode ter uma percepção além disso, já que é uma espécie viva entre outras. Suas ciências são baseadas em suas percepções; tanto as ciências humanas, quanto as exatas. Sua concepção do Universo é imprecisa e, em última instância, limitada porque humana. Conhecemos nossa limitação, mas desconhecemos o que não sabemos.  

As religiões e outras crenças humanas como a ética, a política e o direito são criações que, mesmo tendo alguma base evolutiva (porque os nossos antepassados mamíferos e símios já têm certas noções equivalentes), dizem apenas respeito a nós, humanos. Não valem para o universo não humano.

Nossos conceitos de Deus, por mais afastados do antropomorfismo que sejam, são conceitos humanos. Mesmo as noções mais abstratas, como as de Espinoza, Meister Eckhart, do hinduísmo e budismo, entre outros, permanecem ligados ao antropomorfismo.

Sendo assim, vale lembrar que apesar de tudo que pensamos saber, nunca teremos certeza de nada. Teremos aquelas certezas básicas - eu estou aqui, estou vivo e pensando, e em pouco tempo vou almoçar. Muitas outras coisas permanecem obscuras e sem fundamentação. Portanto, não há grandes verdades a descobrir ou a alcançar; não há grandes heroísmos ou virtuosismos (no aspecto da ética).

Permanecemos assim em nossa vida do dia a dia, sabendo que os ídolos (no sentido baconiano) da Verdade, do Bem, da Virtude, da Divindade, da Alma, das boas ações, da melhoria do mundo; tudo isso não tem fundamento absoluto. Lembremos aqui dos antigos céticos. Não há nada a procurar ou alcançar - esperando encontrar conhecimentos definitivos. Tentar apenas, como os céticos, conduzir a vida do dia a dia na sociedade e cultura em que se vive. O que resta é a vida do dia a dia, sem objetivos, valores e crenças supremos. Uma vida comum que vai se vivendo. E é isto a vida.

Resta ainda - mesmo com todas as construções humanas - o problema da morte e da dor. Aquilo que nos une a todos os outros organismos, mesmo os mais primitivos. Quanto a estes aspectos continuamos sendo totalmente animais, mesmo que teorizemos sobre o universo, um além, e que tenhamos meios de diminuir a dor através da medicina.   

A "vontade" de Schopenhauer e a "vontade de poder" de Nietzsche. Ambas têm fundamento em impulsos de vida e de domínio. Estes impulsos têm origem nos primórdios do mundo animado e podem ir além, desde a organização da matéria (matéria - vida - pensamento). Não deve haver nenhuma teleologia por trás deste processo; apenas uma "força", "lei", "estrutura", que está por trás das coisas. A partir disso, talvez, seja possível  explicar-se algo sobre o Universo e toda a vida - inclusive a humana. 

Todas as estruturas e criaturas seriam, em última instância, um resultado da ação deste princípio. Mas este princípio não seria consciente (Deus). Não se deve cair novamente em um antropomorfismo e em um infantilismo para explicar a estrutura de todo universo. Por outro lado, isto poderia ser mais uma simples tentativa de explicar a realidade, e assim voltaremos aos pontos acima.


(Imagem: gravura representando G. C. Lichtenberg)

Sal, açúcar e gordura

sábado, 20 de outubro de 2018
"Mas há um ponto crucial: para se ter vontade de consumir, é preciso estar em estado de insatisfação, situar-se dentro de uma lógica do desejo que prioritariamente se caracteriza pela carência."   -   Luc Ferry   -    Famílias, amo vocês - Política e vida privada na era da globalização


A alimentação representa o mais antigo e fundamental vínculo que o ser humano tem com a natureza. Apesar de todo avanço da tecnologia agrícola, são as condições ambientais - como a temperatura e o ritmo de chuvas e as características do solo e de seus micro-organismos - que continuam sendo determinantes na produção dos alimentos. Durante centenas de milhares de anos nos alimentamos principalmente de carnes, acompanhadas de algumas raízes e eventuais frutos. Foi apenas nos últimos 10 mil anos, quando passamos a praticar a agricultura, que a base da nossa dieta passou a ser de cereais e grãos - trigo, aveia, arroz, milho.

Os primeiros alimentos processados industrialmente surgiram no final do século XIX, tornando-se populares depois da 2ª Grande Guerra. Atualmente é quase impossível fazer uma refeição, sem ingerir algum alimento processado. Durante sua preparação, são adicionados aditivos químicos - corantes, aromatizantes, conservantes, antioxidantes, estabilizantes e acidulantes - que têm a função de dar sabor, cheiro, aspecto natural e durabilidade ao alimento. Outros componentes bastante importantes, dosados de modo a tornar os alimentos mais agradáveis ao paladar - mas nem por isso mais saudáveis -, são o sal, o açúcar e a gordura hidrogenada. São estas substâncias que aumentam o impulso de consumo de produtos como refrigerantes, batatas fritas, salgadinhos, biscoitos, sorvetes e bolos.    

Há mais de quarenta anos é conhecida a estreita relação entre o sal, o açúcar, a gordura trans (hidrogenada) e as doenças cardiovasculares, o diabetes, o excesso de peso e certos tipos de câncer. Na Europa e nos Estados Unidos, campanhas governamentais e iniciativas de ONGs procuram conscientizar os consumidores sobre o perigo do excesso de sal, açúcar e gordura, contidos em determinados alimentos. Recentes legislações nestes países limitam a adição destas substâncias às comidas e exigem que os fabricantes incluam informações mais claras nos rótulos dos produtos.

No Brasil o problema mal começou a ser discutido. O percentual de pessoas adultas com sobrepeso e obesas está em torno de 52% da população e o de crianças em 39%. O aumento de peso das crianças se dá principalmente entre a população mais pobre, que consome quantidades maiores de alimentos processados, por serem mais baratos que os outros. Esta população tem menos acesso à informação e a recursos como médicos e clínicas especializados, academias e remédios. O filme brasileiro "Muito além do peso" (https://www.youtube.com/watch?v=8UGe5GiHCT4) aborda este problema, em reportagens sobre a má educação alimentar infantil no país.   

No Brasil, o controle da qualidade dos alimentos é partilhado por diversos órgãos e entidades da administração pública, como o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), Sistema Único de Saúde (SUS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), entre outros. A falta de clareza na competência do controle gera problemas, além das legislação excessivamente detalhada e nem sempre revisada. Segundo o jornalista americano Michael Moss, autor do livro traduzido "Sal, açúcar e gordura - Como a indústria alimentícia nos fisgou", o setor está dominado por grandes empresas, que exercem forte pressão sobre o governo e a mídia. Assim, para ter melhor qualidade de vida, a sociedade civil precisa se organizar e reivindicar.

(Imagens: pinturas de Vladimir Baranov-Rossine)

Jorge de Lima

sábado, 13 de outubro de 2018

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

Jorge Lima (1893-1953), nascido em Alagoas, era médico, político, professor, escritor e poeta. Iniciou seus estudos e sua atividade literária em Salvador, mudando-se em 1911 para o Rio de Janeiro, onde se forma em medicina e amplia seus contatos com a intelectualidade local. Retorna a Alagoas onde atua durante certo período como professor e é eleito deputado estadual. Na década de 1930 volta para o Rio de Janeiro, dedicando-se então à medicina, à literatura e à política até sua morte.

Em 1935 Jorge Lima se converte ao catolicismo, lançando o livro de poesias "Tempo e eternidade" em parceria com o poeta também recém converso Murilo Mendes. Por essa época Jorge Lima também se dedica às artes plásticas, lançando o primeiro álbum brasileiro de fotomontagens, "A pintura em pânico", com fortes influências do surrealismo.

Jorge Lima também foi prosador, tendo escrito "O Anjo" (1934), "Calunga" (1935), "A mulher obscura" (1939) e "Guerra dentro do Beco" (1950). Todavia, ficou mais conhecido como poeta, autor de "Poemas" (1927), "Essa nega fulô" (1928), "Túnica inconsútil" (1938), "As ilhas" (1952) e "Invenção de Orfeu" (1952), sua obra mais conhecida. Neste Lima  combina elementos de sua fé católica, o elemento onírico e diversas referências que remetem ao surrealismo. O poema é, segundo o próprio autor, uma epopeia moderna. Apresenta diversas técnicas; sonetos, canções, baladas, poemas épicos e líricos, enfim, um variado leque de metros, ritmos e estrofações. Do longo e tematicamente complexo poema, destacamos dois versos do Canto Primeiro (Invenção de Orfeu, Rio de Janeiro, Ediouro, s/d):

"Vamos nos consolar nos coletivos,
sentar juntos, beber nossos orvalhos,
olhar mansas coxilhas, nos coçar,
gozar praias amenas, filas, bondes,
nomearmo-nos chefes-de-seções,
conseguir sinecuras, nossos índios.

Vossos índios ocultos, ranchos deles,
tecendo teias sobre vossos olhos,
e no pino do dia o calorão,
a tristeza do sol dormindo esperta,
tudo largado aí com os nossos índios,
com o pino do meidia, com as sezões."

(Imagem: fotografia de Jorge de Lima)

O surgimento de regimes autoritários: o nazi-fascismo

sábado, 6 de outubro de 2018
"Nunca mais esquecerei aquele fumo. Nunca mais esquecerei as pequeninas caras das crianças cujos corpos eu tinha visto transformarem-se em espirais sob um azul mudo. Nunca mais esquecerei estas chamas que consumiram para sempre a minha fé."   -   Elie Wiesel   -   Noite

(publicado originalmente no site Web Artigos)

Já no final do século XIX a Guerra Franco-Prussiana (1870) havia provocado uma grande rivalidade entre a França e a então Alemanha (unificada em 1870). A derrota que a Alemanha impôs à França fui extremamente humilhante, com as tropas prussianas bombardeando Paris. Depois desta guerra, as principais correntes políticas e a intelectualidade passaram a manifestar-se abertamente contra a Alemanha. No livro O séculos dos intelectuais, escreve Michel Winock:

Léon Bloy (intelectual católico), cujo "Journal" é entremeado das atrocidades – reais ou imaginárias – cometidas pelos alemães no território francês, escreve ao amigo Philippe Raoux, em 20 de dezembro de 1914; seu sentimento é o de muitos intelectuais, na época:
“A verdade, a evidência que salta aos olhos, é que a Alemanha, em todos os estágios, é uma abominável canalha odienta e invejosa, que nunca perdoará nossa superioridade milenar, e sabe muito bem, apesar de sua “Kultur” de pedantes e escravos, e percebe, com raiva, que não tem outra razão de existir, outro meio de subsistência real a não ser nossas migalhas, nem outra função a não ser a de lavar nossos urinóis” (Winock, 2000, p. 177-178).

O texto acima dá um quadro aproximado de como a França – seus formadores de opinião, a intelectualidade – se sentia em relação à Alemanha às vésperas da 1ª Guerra Mundial. Associado a outros fatores, era quase inevitável que ocorresse um embate entre as duas nações, mesmo que os motivos estivessem em outro lugar. O estopim foi o assassinato do arquiduque Francisco Fernando, futuro imperador austro-húngaro, em 28 de junho de 1914. A Áustria então declara guerra à Sérvia. A Rússia, grande aliada da Sérvia e da França declara guerra à Áustria, imediatamente seguida pela aliada da Áustria, a Prússia, que declara guerra à ambas, seguida pela entrada da Inglaterra, do lado russo e francês. Para resumir, o conflito causou um total de 11 milhões de mortos e destruição, representando o fim de um período de quase 100 anos de paz na Europa.

É exatamente nas negociações de paz que muitos especialistas localizam algumas das origens do movimento nazista. Pelas disposições do tratado de Versalhes (1919) a Alemanha perderia parte de seu território, teria que pagar reparações de guerra e sofreria uma série de sanções. Por força de disposições dos aliados, a Alemanha ficaria despojada de um sexto das suas terras aráveis, dois quintos do seu carvão, dois terços do seu ferro, e outros minerais. Perderia extensos territórios no Leste e ficaria obrigada de entregar à Inglaterra, França e Bélgica praticamente todos os seus navios mercantes ainda em operação, gado, materiais de construção e máquinas. A Alemanha foi considerada o único culpado pela 1ª Grande Guerra. O total de perdas e danos sofridos pelos governos da Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia) era de aproximadamente 10 bilhões de dólares à época; valor estabelecido pelo tratado de Versalhes. No entanto, a Comissão de Reparação estabeleceu em 1921 a soma de 33 bilhões. O então presidente Wilson, dos Estados Unidos, era contra o grande peso das sanções contra a Alemanha. No entanto, foi voz vencida, frente ao negociador francês (Clemenceau) e inglês (Lloyd George). Escreve o historiador Edward McNall Burns que
“os franceses, em particular, faziam questão de arruinar a Alemanha de modo tão completo que esta nunca mais pudesse recuperar o seu poderio econômico e militar.” (McNall Burns, 1971, p. 866).


Tanto na Alemanha, como na Itália o final da guerra trouxe períodos de penúria e humilhação para o povo. A Itália acabou não recebendo uma série de benefícios que lhe foram prometidos ainda no final da guerra pelos ingleses e franceses. Apesar de ter recebido a maior parte dos territórios austríacos que almejava, a Itália não foi chamada para a partilha dos territórios que pertenciam à Alemanha na África. Além disso, vigorava na Itália, desde antes da 1ª Guerra Mundial, uma forte oposição ao governo, tido como inepto, corrupto e covarde. O pós-guerra na Itália foi também um período de profunda crise econômica, gerada pela alta inflação e o desemprego. Por outro lado, ocorria uma organização cada vez maior dos operários e desempregados, apoiados pelos partidos de esquerda; estes fortemente influenciados pela Revolução Russa, ocorrida em 1917 e com sua ideologia em franca expansão por toda a Europa. 

Líder do movimento fascista – uma tendência radical de direita – desde 1917, Mussolini começou sua carreira como jornalista socialista ainda antes do conflito. Tomou o poder na Itália em 1922, através de um levante que comandou em Roma, e foi convidado a fazer parte do governo pelo rei Vitor Manuel II. Já a essa época, ainda segundo McNall Burns “[...] em muitas regiões da Itália os filhos de ricos industriais e proprietários rurais eram demasiado conhecidos como discípulos de Mussolini”.

Uma vez com maioria no parlamento, o primeiro-ministro Mussolini gradualmente introduziu uma série de medidas autoritárias, que aos poucos eliminaram todo tipo de oposição. Ao mesmo tempo, levado por um idealismo romântico (“o espírito fascista é vontade, não intelecto”, dizia o ditador) que transmitia às massas, Mussolini conseguiu aumentar cada vez mais o apoio ao seu regime. Por outro lado, é preciso reconhecer que o governo fascista conseguiu melhorar as condições econômicas do país, desenvolvendo a agricultura, modernizando a indústria, aumentando a geração de energia e reduzindo drasticamente a taxa de analfabetismo. O lado negro desta história é que a Itália precisou comprar esta estabilidade pagando com a liberdade individual, a liberdade política, a paz (a Itália começava a se envolver em conflitos na Etiópia, na Espanha e mais tarde como aliada da Alemanha), e com o dirigismo cultural, além de vários outros problemas relacionados a qualquer ditadura.

Na Alemanha a situação foi – coincidentemente – bastante semelhante. Após a derrota na 1ª Guerra Mundial, o país entra em um período de reestruturação política e econômica (a república de Weimar com seus planos econômicos). Fundam-se partidos de esquerda e o movimento operário tem forte influência da Revolução Russa – liderado pelos ativistas Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. O próprio Lênin, em uma de suas declarações logo após a Revolução, dizia que a Alemanha seria o estopim para uma revolução socialista em toda a Europa. Por outro lado, havia uma imensa população que não tinha qualquer interesse em política e queria apenas voltar a ter um trabalho regular e poder sustentar sua família. A inflação altíssima castigava a maior parte da população (os maiores sacrificados com a inflação são sempre os desempregados e assalariados). Acima destes grupos sociais pairava uma alta burguesia industrial, comercial e financeira, que queria voltar o mais rapidamente à normalidade dos negócios e temia que um governo socialista tomasse o poder.

Quando a situação social e econômica parecia melhorar, a crise de 1929 (a quebra da bolsa de Nova York) afundou a Alemanha em uma crise mais profunda ainda. Aliado a toda esta situação vigorava o grande ressentimento contra os antigos inimigos de guerra – principalmente a França – o que mantinha um clima de humilhação e revolta no país.


Foi nesse ambiente social que surge um ex-pintor fracassado, ex-cabo ferido na 1ª Guerra; um austríaco chamado Adolf Hitler. Apoiado por grupos conservadores da Baviera recebe a cidadania alemã e tenta um golpe em 1922 (ano em que Mussolini toma o poder), chamado de “O levante da cervejaria” (foi planejado em uma cervejaria). Todavia, sem apoio popular, Hitler acaba preso. Na prisão destila todo o seu ressentimento, como indivíduo e como alemão, contra a situação vivida pela Alemanha; em crise constante e humilhada. Em seu “Mein Kampf” (Minha luta) Hitler elege o principal alvo para todas as desgraças por que passava a Alemanha: os judeus.

Livre da prisão por seus aliados, Hitler funda o Partido Nacional Socialista Trabalhista Alemão (NSDAP – Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei). O partido é formado em sua base por operários com tradição anticomunista, pequeno-burgueses, membros da igreja protestante, alguns intelectuais e recebe apoio financeiro de grupos econômicos interessados em barrar o avanço dos grupos e partidos socialistas. Assim como Mussolini, através de eleições Hitler ascende ao posto de chanceler (primeiro-ministro), graças ao apoio de grupos conservadores. Uma vez no posto máximo, coloca a máquina partidária e grupos paramilitares (os SA) no encalço do pessoas e grupos de oposição. Fecha a imprensa de oposição e implanta as primeiras medidas contra todos os judeus alemães.

O fim desta história é mais do que conhecido. Depois de decorrido tanto tempo, no entanto, é possível tirar algumas conclusões – bastante gerais – da razão do desenvolvimento do nazi-fascismo. Aqui vamos elencar algumas razões, muitas delas já bastante conhecidas, outras nem tanto:

a) As causas econômicas
Tanto a Alemanha como a Itália, ambas lutando de lados opostos na 1ª Guerra Mundial, foram profundamente abaladas pelo conflito. A Itália não recebeu grandes benefícios, mesmo tendo lutado do lado vencedor, o que manteve a economia do país em estagnação, com grande número de desempregados e alta inflação.

A Alemanha enfrentou uma situação muito pior. Teve que ceder territórios, equipamentos e minérios, além de grande parte de seus superávits econômicos serem usados para as impagáveis dívidas de guerra. O grande economista inglês John Maynard Keynes era contrário a submeter a Alemanha a tal sacrifício, prevendo que no futuro seu povo se vingaria – o que efetivamente veio a acontecer. A inflação na Alemanha no início da década de 1920 alcançava a casa de dezenas de milhares porcentos ao ano (em 1923 a inflação alcançou 32.400%). Inflação, desemprego, fome, foram fatos que acompanharam a população alemã por grande parte da década de 1920. Quando parecia que aos poucos a situação iria melhorar, a quebra da bolsa de New York provocou também uma onda de falências nos bancos alemães, afetando toda a economia mais uma vez.

b) causas políticas
A Alemanha e a Itália foram países com uma forte tradição de organização operária. Grupos e partidos anarquistas e depois socialistas e comunistas eram bastante presentes na política das duas nações.

Enquanto antes da 2ª Guerra a Itália era um país agrário, dominado pelas oligarquias latifundiárias, a Alemanha já era uma país industrializado, onde existiam grande grupos que dominavam vários segmentos da economia (Siemens, Krupp, Porsche, Solingen, Deutsche Bank, BASF, entre outras). Tais grupos dominantes, tanto na Alemanha quanto na Itália, tinham grande influência política junto ao respectivo imperador (Alemanha) e rei (Itália) e não queriam perdê-la depois da primeira guerra. Por isso, se aliaram naturalmente aos grupos políticos que não colocariam em perigo seus interesses, ou seja, os nazistas e os fascistas. Foram este grupos que – apoiados nas massas doutrinadas – por trás dos bastidores apoiaram financeiramente e abriram o caminho dos dois ditadores rumo ao poder.

c) causas sociais
Na Itália vigorava um sentimento de oposição aos políticos em geral; ao parlamento e ao rei Vitor Manuel II. A situação econômica permanecia imutável e não se apresentavam novas perspectivas para o cidadão, pelo menos no médio e curto prazo. O desemprego e as constantes necessidades materiais poderiam fazer com que um líder carismático, dinâmico e empreendedor cativasse mentes e corações.

O mesmo ocorria na Alemanha, onde a situação ainda era pior. As próprias expectativas da população eram ainda maiores, já que o nível educacional e cultural do país era o mais alto da Europa à época. Vivia-se os extremos: uma elite intelectual produzia nas universidade e institutos de pesquisa o que de melhor se fazia no mundo em termos de física, química, história, sociologia, psicologia, filosofia, literatura e música; por outro lado havia milhões de trabalhadores desempregados, famílias desestruturadas, aumentava a criminalidade e todo tipo de atividade ilegal. Tal situação não agradava às elites econômicas, que com um líder forte e carismático pretendiam acertar a situação do país.

Outro aspecto social era o extremo anti-semitismo de Hitler, de todos os integrantes do partido e de parte reduzida da população. A eliminação gradual das liberdades dos judeus, a perseguição, o encarceramento e, finalmente, o assassinato de milhões de pessoas, também foi uma componente do nazismo, já presente nos escritos de seus idealizadores – Hitler, Rosemberg e outros. O anti-semitismo era um elemento que fazia parte da cultural de toda a Europa e  aflorava com violência de tempos em tempos, desde aproximadamente o século X. No entanto, Hitler transformou os judeus em bodes expiatórios e culpados por grande parte dos males que afetavam os alemães não-judeus (ironicamente, os mesmos males que também afetavam os alemães judeus).

Cabe ainda assinalar o forte sentimento de humilhação e opressão que a população sentia em relação ao “castigo de Versalhes”. A falta de terra arável e minérios deu origem ao movimento “Blut und Boden” (sangue e solo), que visava ampliar o espaço vital a ser ocupado pelo povo alemão.

Baseados em diversos fatos históricos interligados, somo capazes de tecer certas explicações sobre o nascimento do nazi-fascismo na Europa de antes da 2ª Guerra Mundial. Quanto mais soubermos e pesquisarmos, mais aspectos ajuntaremos – mais peças do mosaico – e nosso quadro deste período da história humana se tornará mais nítido. No entanto, precisamos ter em mente que são conhecimentos parciais e que mantêm ainda muitas perguntas sem resposta. Como foi possível este imenso morticínio, tanta crueldade, tanta dor e desespero, e tudo por nada? Pois, que grande proveito trouxe à humanidade esta guerra? Aprendizado? À custa de milhões de vidas de inocentes judeus e não-judeus?

Na avaliação de muitos historiadores e filósofos, foi todo o contexto do nazi-fascismo, da 2ª Grande Guerra e suas consequência posteriores (Guerra Fria, globalização, etc.), que definitivamente contribuíram para unificar o relato da história da humanidade. O evento teve influência em todas as regiões do globo. A partir daquele ponto da história não era mais possível ficar à parte da cadeia de acontecimentos que ocorriam concomitantemente em todo o planeta.

A diferença entre esta interpretação da história e aquela vigente desde a Antiguidade, é que dados os fatos que ocorreram, dada a amplidão da tragédia, percebeu-se que a história humana não poderia ter qualquer sentido fora dela, ou seja, a história é feita pelos homens em suas ações, não sendo dirigida por qualquer entidade sobre-humana ou princípio, para um determinado objetivo. A história é humana e só isso. 

Bibliografia:

BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental – Vol II. Porto Alegre. Editora Globo: 1971, 1052 p.
LUKACS, John. O fim de uma era. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor: 2005, 216 p.
WINOCK, Michel. O século dos intelectuais. Rio de Janeiro. BCD União de Editores: 2000, 900 p.

(Imagens: pinturas de A. Y. Jackson)

Escritores da Academia Peruibense de Letras lançam blog sobre filosofia

quarta-feira, 3 de outubro de 2018


LANÇAMENTO DO BLOG "FILÓSOFOS NA PRAIA"

“Filósofos na praia” (www.filosofosnapraia.blogspot.com) é o nome do blog lançado em setembro pelos acadêmicos Edwaldo Camargo Rodrigues e Ricardo Ernesto Rose, ambos graduados em Filosofia. A publicação, segundo os coordenadores, também contará com a participação de outros filósofos que vivem no litoral, “pensando, discutindo e escrevendo, observando as constantes mudanças do oceano, mutável como a vida humana”, como diz a apresentação do blog.

A publicação, como frisaram os autores, será bastante variada. Não pretende publicar longos, vetustos e obscuros textos acadêmicos, mas trazer material bastante acessível ao grande público, que possibilite ao leitor formar uma nova e mais aprofundada opinião sobre determinado assunto. Além disso, haverá espaço para debates, resenhas e indicações de livros, excertos de artigos e livros de importância, comentários sobre autores; mostrando a conexão da filosofia com a literatura, as artes, a ciência, a religião, a política, etc.

Pessoas formadas em filosofia e com interesse em expor suas ideias, estão convidadas a contatarem os organizadores pelo e-mail:

filosofianapraia@outlook.com.br