Você sabia (meio ambiente)?

sábado, 30 de março de 2019
"As paixões são os únicos oradores que sempre convencem."   -   La Rochefoucauld   -   Máximas, reflexões morais

Microplástico

Que certos tecidos à base de poliéster desprendem minúsculas partículas, invisíveis a olho nu?

Através da lavagem estas partículas vão para na água, passam pelo sistema de coleta e vão para as estações de tratamento de esgoto. A água, limpa, é devolvida aos cursos de água e dali vai novamente cair nos oceanos.

No mar, as partículas microscópicas de plástico são ingeridas misturadas com seus alimentos pelos peixes, crustáceos e outros animais pescados pelo homem.

Ainda não se conhecem ainda os efeitos destas diminutas partículas de plástico ao organismo humano. Já se sabe, no entanto, que retardam o desenvolvimento de fungos que atuam na decomposição de material orgânico. 





Energia eólica

Que a energia eólica, a energia elétrica gerada pela força dos ventos, é uma das mais limpas fontes de energia? Que o Brasil é um dos maiores exploradores deste tipo sustentável de energia?

A boa notícia é que 9% da eletricidade que consumimos no Brasil é obtida através do vento. Os investimentos continuam bastante elevados e a tendência de crescimento parece que não vai diminuir.

Bom para o meio ambiente, já que a energia eólica tem pequeno impacto ambiental. A continuar no atual ritmo de exploração, ainda podermos crescer por pelo menos 45 anos. Isto sem contar com os geradores que podem ser instalados no mar, a poucos quilômetros da costa.

(Imagens: pinturas de Heizo Kanayama)



O conhecimento e a questão ambiental

sábado, 23 de março de 2019
"A felicidade é uma palavra abstrata, composta de algumas ideias de prazer."   -   Voltaire   -   Aforismos, sentenças e julgamentos salomônicos

O conhecimento, dizia meu avô Edward, é algo que ninguém pode te tirar. E ele sabia do que estava falando. Imigrante vindo da Alemanha, que então atravessava forte crise econômica, chegou ao Brasil com a esposa e a filha pequena, minha mãe, em meados dos anos 1920. Trabalhou como empregado em fazendas, foi vendedor, dono de restaurante, mecânico de automóveis. Em sua terra natal era técnico em mecânica e fazia manutenção em máquinas. Aqui no Brasil, naquela época, sua profissão tinha pouca procura, devido ao baixo desenvolvimento da indústria.

Meu avô, no entanto, era persistente – característica de quase todo imigrante, em qualquer parte do mundo. Acompanhou o desenvolvimento da tecnologia no Brasil e, sempre adquirindo novos conhecimentos, tornou-se um especialista em sua área. Comprava e às vezes mandava importar livros, que estudava à noite, depois de um cansativo dia de trabalho. Dormia tarde e acordava cedo.

Passados os anos, a economia e o parque industrial brasileiro se sofisticaram. Meu avô, depois de ter conseguido suficientes conhecimentos sobre o país e suas oportunidades, decidiu fundar uma fábrica de bombas industriais; uma das primeiras no Brasil. Ainda criança, lembro-me dele sentado no amplo terraço de sua casa, sempre me dizendo: “O que você tem na cabeça, ninguém pode te tirar. Estude!”

Mas, por quê falar de meu avô, de conhecimento e esforço em adquiri-lo, numa coluna que, por tradição, sempre discute algum tema relacionado com o meio ambiente ou a ecologia? Exatamente por isso!

Nosso planeta atravessa uma fase muito crítica. Somos hoje mais de sete bilhões de pessoas vivendo na Terra. Esta massa humana só pode sobreviver porque ao longo das últimas seis ou sete décadas, a humanidade desenvolveu tecnologias que possibilitaram a produção e a distribuição de um maior número de bens, alimentos, medicamentos e de variados serviços. A miséria e a fome endêmicas foram praticamente eliminadas em todos os países, e parte da humanidade tem um padrão de vida superior ao de seus avós, com a ajuda da tecnologia.

Mas, o avanço tecnológico trouxe consigo seus problemas. Desde o início da industrialização, no século XVIII, assistimos à gradual destruição dos recursos naturais. A água, as florestas, a atmosfera, a biodiversidade, os solos; estão sendo destruídos ou contaminados em um ritmo tão rápido, que não podem ser repostos por processos naturais. A população cresceu e se deslocou dos campos para as cidades, onde encontra melhores condições de emprego, moradia, educação e saúde. Atualmente, cerca de 54% da população mundial é urbana e até 2050 este percentual deve subir para 66% segundo estudos da ONU. São vários os problemas ambientais advindos deste aumento da população mundial e do crescimento das atividades econômicas.

As novas gerações precisam ser educadas neste novo contexto. Os estudantes que serão profissionais em cinco, oito ou dez anos, precisam ser preparados para conhecerem todos os aspectos ambientais de suas futuras atividades. Isto para que os recursos naturais, como dizem os especialistas, possam ser utilizados de maneira cada vez mais eficiente, reduzindo o impacto das atividades econômicas ao meio ambiente.

Para colocar em prática esta estratégia o mundo, e o nosso país especialmente, precisam do conhecimento, já que “o que você tem na cabeça, ninguém pode te tirar”! 

(Imagens: pinturas de Norman Rockwell)

Leia aqui (e faça download) do meu mais recente e-book "Notas de Sociologia"

domingo, 17 de março de 2019


https://drive.google.com/file/d/1vUvvxFJNK7r-Eu13j-eFNY73z9JyL9LN/view?usp=sharing

A importância das ciências humanas para a educação

sábado, 16 de março de 2019
"Necessário é o dizer e pensar que (o) ente é; pois é ser, e nada não é; isto eu te mando considerar."   -   Parmênides de Eléia   -   Fragmentos, em Os Pré-Socráticos


O termo "ciências humanas" tem sua origem na expressão alemã "Geisteswissenschaften", ou seja, "ciências do espírito". O termo foi criado quando da reforma do ensino secundário e superior na Alemanha, no final do século XVIII e início do século XIX, feita por intelectuais como Alexander von Humboldt e outros. Enquanto a Alemanha criou as "Geisteswissenschaften" em oposição às "Naturwissenschaften" (as ciências naturais), a França - que também realizou uma reforma em seu ensino superior no período entre o final da Revolução Francesa e o império napoleônico - criou a expressão "Sciences humaines" (em oposição às "Sciences naturelles").

Quanto à oposição entre "ciências do espírito" (ou ciências humanas) e "ciências naturais", escreve Wolfgang Welsch:

"No ambiente lingüístico anglo-saxão, a expressão padrão para Geisteswissenschaften é “Humanities”. Isso, naturalmente, não é a expressão de uma primazia do Humanismo ou da Antropologia, mas uma simples tentativa de representar a profunda oposição entre Geisteswissenschaften e ciências naturais. As últimas são, no âmbito anglosaxônico, as “Sciences”. Em torno do final do século XIX, havia se tornado comum na Europa separar esses tipos de ciências e compreender sua diferença em termos de ciências compreensivas em oposição às ciências explicativas – e, mais tarde, como ciências “brandas” em oposição às “duras” e pseudociências em oposição às de verdade. Desde então, passou a ser visto como um anacronismo a não-separação entre Geisteswissenschaften e ciências naturais."  (Welsch, 1989)

As reformas universitárias realizadas na Alemanha e na França influenciaram sobremodo todo o sistema educacional posterior, alcançando inclusive o Japão (final do século XIX) e a China (século XX). O Brasil sempre foi fortemente influenciado pela cultura francesa, desde o final do período colonial até praticamente depois da 2ª Guerra Mundial, quando então a cultura americana passou a ser preponderante. A oposição entre as "ciências humanas" e as "ciências naturais e exatas" sempre permaneceu na cultura e no ensino superior brasileiro. 

Outro fato que contribuiu para criar uma divisão entre as ciências humanas e as naturais foi o aparecimento da Enciclopédia (Enciclopédie), publicada pela primeira vez em 1772 por Jean Le Rond d´Alembert e Denis Diderot, reunindo e sistematizando todo o conhecimento disponível à época. Autores como Rousseau, Voltaire, Montesquieu e La Méttrie, entre outros, redigiram artigos sobre matemática, história, agricultura, biologia e filosofia. Seguindo a ideia da Enciclopédie, o pensador alemão Georg Wilhelm Hegel publicou no início do século XIX sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas, através da qual sintetiza a ideia da apresentação sistemática de uma ciência ou de um conjunto delas, criando assim a divisão entre elas.

A partir do século XIX o termo "ciências da natureza" passa a incorporar também a biologia, ciência que começava a se destacar a partir da publicação do livro "A origem das espécies" de Charles Darwin (1859) e dos trabalhos de Herbert Spencer (1820-1903) e Ernest Haeckel (1834-1919); este último criador de expressões como "antropogenia" e "ecologia". Surgiu assim a divisão do conhecimento humano em ciências humanas, exatas e biológicas. A incorporação da ciência genética à biologia na primeira década do século XX faz com que a abrangência da biologia se tornasse cada vez maior, fundamentando melhor a teoria da evolução (neodarwinismo).

No início do século XX, novas teorias da física (teoria da relatividade, física quântica e a teoria da Indeterminação de Heisenberg) baseadas em descobertas feitas ao longo do século XIX, dão uma guinada no desenvolvimento da física, demonstrando que muitos dos pressupostos desta ciência eram baseados na posição, velocidade e instrumentos utilizados pelo observador (cientista). Neste caso já era difícil definir a física como uma ciência estritamente exata ou natural, já que a percepção humana desempenhava um papel cada vez mais importante em seu estudo.

Fato é que a partir dos anos 1930 ficava cada vez mais difícil estabelecer uma rígida divisão entre as ciências e manter a classificação de humanas, exatas ou da natureza. Nestes anos, muitos cientistas europeus tiveram que deixar seus países (em vista da expansão da Alemanha nazista) e se concentraram nos Estados Unidos. Nomes como John von Neumann (matemático e físico), Heinz von Forster (biofísico), Paul Lazarsfeld (sociólogo), Kurt Lewin (psicólogo), Kurt Gödel (matemático), Norbert Wiener (matemático) e Gregory Bateson (antropólogo), entre outros, uniram conhecimentos em suas respectivas áreas de especialização para participar de grandes projetos pluridisciplinares – como a construção da bomba atômica americana (projeto Manhattan) e o ENIAC, o primeiro computador digital eletrônico. Este mesmo grupo de cientistas e muitos outros participaram das "Macy Conferences" (1946-1953), conferências proferidas por cientistas de renome financiadas pelo milionário Josiah Macy, com o intuito discutir diferentes aspectos dos sistemas biológicos e sociais. As experiências e as teorias elaboradas por estes cientistas vieram a se tornar tecnologia a partir da década de 1950, quando começaram a ser desenvolvidas as maquinas de processamento de dados e a comunicação eletrônica.

Outro aspecto é que todas as ciências - humanas, exatas e da natureza - têm uma dinâmica de evolução muito parecida com outros fenômenos socioculturais na história humana. O físico e pensador Thomas S. Kuhn em sua obra "A estrutura das revoluções científicas" (1962) argumenta que a mudança de paradigmas científicos ocorre junto com outras alterações sociais, econômicas e tecnológicas de uma determinada sociedade. Escreve Kuhn:

"La transición de un paradigma en crisis a otro nuevo del que pueda surgir una nueva tradición de ciencia normal, está lejos de ser un proceso de acumulación, al que se llegue por medio de una articulación o una ampliación del antiguo paradigma. Es más bien una reconstrucción del campo, a partir de nuevos fundamentos, reconstrucción que cambia algunas de las generalizaciones teóricas más elementales del campo, así como también muchos de los métodos y aplicaciones del paradigma. (Kuhn, 2006).

Em 1959 o cientista e escritor inglês C.P. Snow lançou o livro "The two cultures". Nesta obra o autor critica o ensino britânco, excessivamente orientado para as ciências humanas desde o período vitoriano (final do século XIX), o que acabou incapacitando as elites administrativas da Inglaterra a tomarem decisões em assuntos científicos. Snow enfatiza a importância das “duas culturas" - a humanista e a técnica. Em 1995 o editor John Brockman lançou um livro denominado "The third culture", reunindo artigos de biólogos, matemáticos, físicos, filósofos, paleontólogos, geólogos, entre outros, demonstrando a importância das “três culturas" – ciências humanas, exatas e naturais – no conhecimento humano.

Finalizando, consideramos que a diferença entre as duas culturas – ciências humanas e ciências exatas – ou entre as três – humanas, exatas e da natureza – é aparente. Todas as três áreas do conhecimento humano, em última instância, tratam do "fenômeno humano" (Teillard de Chardin). Todas as ciências, abstraídas da perspectiva humana, são impossíveis; não existe ciência não humana. O estudo de qualquer fenômeno humano ou natural só pode ocorrer sob a perspectiva de uma epistemologia (humana) e por isso todas são importantes para a educação.

Referências:
Bildungsreform (reforma do ensino na Alemanha). Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/Bildungsreform> . Acesso em 4/10/2013
The Macy Conferences. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Macy_Conferences>. Acesso em 7/10/2013
Enciclopédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Enciclop%C3%A9dia> Acesso em 7?10/2013
 Histoire de l´éducation en France (história da educação na França). Disponível em: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Histoire_de_l'%C3%A9ducation_en_France> . Acesso em 4/10/2013
Kuhn, Thomas S. La estrutura de las revoluciones cientificas. Buenos Aires. Fondo de Cultura Economica: 2006, 319 p.
The Third Culture. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Third_Culture>. Acesso em 7/10/2013
The Two Cultures. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Two_Cultures> . Acesso em 7/10/2013
Welsch, Wolfgang. Mudança estrutural nas ciências humanas : diagnóstico e sugestões. Disponível em:  <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/556/386>. Acesso em 2/10/2013

(Imagens: pinturas de Eliseu Visconti)




O modelo político de Aristóteles e de Hobbes

sábado, 9 de março de 2019
"O trabalho afasta três grandes males de nós: o tédio, o vício e a necessidade."   -   Voltaire   -   Cândido


Há uma grande diferença entre o modelo político aristotélico e o modelo jusnaturalista ou hobbesiano. A diferença entre ambos os modelos políticos é baseada em divergentes maneiras de ver o homem e sua relação com seus semelhantes, intermediada pela cultura e pelo Estado.


O modelo político aristotélico

Aristóteles considera que o homem é, a exemplo de outros animais, levado a viver em comunidade por sua própria natureza. Escreve no primeiro capítulo de A Política: “Sabemos que toda a cidade é uma espécie de associação, e que toda a associação se forma almejando um bem, pois o homem trabalha somente pelo que ele considera um bem.” (Aristóteles: 2007, p.13). A vida em sociedade, “almejando um bem”, é característica do homem; aqueles que não vivem em uma cidade, que não mantêm relações sociais com seus semelhantes, estão acima ou abaixo dos humanos (ou seja, dos gregos da época). Ensina o filósofo:
“Assim é evidente que a cidade faz parte das coisas da natureza e que o homem é naturalmente um animal político destinado a viver em sociedade. Aquele que por instinto – e não porque qualquer circunstância o inibe – deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser desprezível ou superior ao homem.” (Ibidem p. 16)   

Definido a propensão natural do homem a viver em sociedade, o Estagirita passa a estabelecer os diversos tipos de agrupamentos humanos, começando pela família, que considera a base do Estado. Escreve o filósofo:
Assim, naturalmente, a primeira sociedade constituída para prover as necessidades cotidianas é a família, formada por aqueles que Carondas chama de “parceiros de pão” e que Epimêmides de Creta denomina “parceiros de comer” (ibidem, p.14).


O ajuntamento de várias famílias forma o burgo, uma sociedade humana maior, e que já possui um governo – geralmente uma monarquia, segundo Aristóteles.

Neste processo de formação do Estado Aristóteles também já identifica uma divisão entre governantes e dos governados “[...] por obra da natureza e para conservação das espécies, um ser que ordena e outro que obedece.” (ibidem, p.14). Há, segundo o filósofo, aquele que é mais inteligente e possui capacidade de previsão, naturalmente talhado para assumir uma posição de chefia. Por outro lado, existem aqueles (a grande maioria) que tem apenas a força física e a capacidade de executar e de servir, consequentemente, os governados.

Todo este processo tem por fim a sobrevivência da sociedade e dos indivíduos, visando o que Aristóteles chama de “uma vida feliz”. Escreve o pensador: “Esta é a razão por que toda sociedade se integra na natureza, uma vez que a própria natureza foi a formadora das primeiras sociedades, e a natureza é o verdadeiro fim de todas as coisas.” (ibidem p.15 – negrito nosso).

O centro da reflexão de Aristóteles não é, todavia, o indivíduo, mas sim a sociedade ou o Estado. Recorremos mais uma vez ao texto do pensador: “Na ordem da natureza, o Estado se coloca antes da família e de cada indivíduo, pois o todo deve ser colocado, obrigatoriamente, antes da parte.” (Ibidem, p.16). E mais a frente completa: “Evidentemente o Estado está na ordem da natureza antes do indivíduo, pois cada indivíduo isolado não se basta em si mesmo, assim também se dará com as partes em relação ao todo” (Ibidem, p. 16). Isto significa que somente sob a organização do Estado – independente de força bruta, interesses passageiros ou ordenamentos dos deuses – é que o homem pode realizar a justiça.

Ao que parece Aristóteles forma uma categoria de “homem” que está acima do homem concreto de “carne, ossos e sangue”, como diria o filósofo espanhol Miguel de Unamuno. A somatória das ações dos homens concretos forma o Estado, cuja função é promover a “vida feliz” deste ser humano abstrato.

Ao final do primeiro capítulo de A Política Aristóteles deixa claro o quanto a vida em sociedade é a situação ideal para o homem. Na realidade, o estado natural da espécie humana é a associação. Fora da sociedade, o homem deixa de ser humano para se tornar uma fera. Conforme Aristóteles: “Assim, a natureza compele todos os homens a se associarem. Aquele que primeiro estabeleceu isso fez o maior bem, pois o homem perfeito é o mais excelente de todos os animais, é também o pior quando vive isolado, sem leis.” (Ibidem, p.16). Aristóteles conclui que o homem só pode praticar a prudência e a justiça se vive em sociedade. Fora da associação com seus semelhantes ele vive sem leis “sendo o mais cruel e o mais feroz de todos os seres vivos, e não sabe, por vergonha, além de amar e comer.” (Ibidem p. 17).

Aristóteles sabia que a paidéia, a cultura, em seu mais alto grau, só era possível na pólis, na cidade. Toda a cultura desenvolvida pelos gregos, aliás, é bastante relacionada com a atividade política nas cidades gregas. Escreve Werner Jaeger: “Todo o futuro humanismo deve estar essencialmente orientado para o fato fundamental de toda a educação grega, a saber: que a humanidade, o “ser do Homem” se encontrava essencialmente vinculado às características do Homem como ser político.” (Jaeger: 2003, p. 17).

Este o principal ponto do pensamento político de Aristóteles: o homem é essencialmente político porque só em associação é que pode realizar seu ideal de virtude, arethé, que é segundo Sócrates “fazer aquilo a que cada um se destina”. Uma das componentes da arethé é a paidéia. Esta a razão porque todos aqueles que estavam fora da sociedade – segundo Aristóteles – ou eram comparáveis aos animais selvagens ou aos deuses.


O modelo político hobbesiano ou jusnaturalista

Os pressupostos dos quais Thomas Hobbes parte para analisar o homem já são bastante diferentes daqueles utilizados por Aristóteles. Neste caso, não podemos esquecer que o pensador grego vivia em um ambiente cultural onde não havia um pensamento filosófico-religioso hegemônico, como a cultura cristã.

Já Hobbes viveu quase dois mil anos depois, em um ambiente cultural impregnado pela filosofia e pela religião cristã, apesar do século XVII ser um período no qual se apresentaram as primeiras críticas estruturadas ao cristianismo, seja em bases filosóficas ou em bases científicas. E é exatamente destes conceitos que parte Hobbes: para ele o homem é um corpo sujeito às forças mecânicas de ação e reação, que se exteriorizam no âmbito humano em apetites como atração e repulsão. Estas forças geram no homem um desejo cada vez maior de poder e de domínio. Escreve o filósofo: “Assim, considero como principal inclinação de toda a humanidade um perpétuo e incessante afã de poder que cessa apenas com a morte”. (Hobbes: 2011, p. 78).  

Neste contexto, é completamente sobre outros pressupostos que Hobbes constrói sua visão do homem e do Estado. Em seu estado natural, antes da formação de um Estado, o homem, segundo Hobbes, está em constante conflito com seus semelhantes. Escreve Hobbes no Leviatã:
“Assim, existem na natureza humana três causas principais de disputa: competição, desconfiança e glória. A competição impulsiona os homens a se atacarem para lograr algum benefício, a desconfiança garante-lhes a segurança e a glória, a reputação. A primeira causa leva os homens a utilizarem a violência para se apossar do pessoal, da esposa, dos filhos e do gado de outros homens; a segunda os leva a usar a violência para defender esses bens; a terceira os faz recorrer à força por motivos insignificantes, como uma palavra, um sorriso, um escárnio, uma opinião diferente da sua ou qualquer outro sinal de subestima direta de sua pessoa, ou que se reflita em seus amigos, sua nação, sua profissão ou o nome de sua família.” (Ibidem, p. 95).
 
Assim, é exatamente em seu estado natural que o homem se torna mais perigoso ao seu semelhante – o homem é o lobo do homem, segundo Hobbes. É neste aspecto que o pensamento de Hobbes se aproxima do de Aristóteles. Ambos são categóricos ao dizer – por motivos bastante parecidos – que o homem natural, fora da organização social, vive da agressividade e a da rapina de seu semelhante. Hobbes diz que a condição natural do homem é um obstáculo para que ele atinja os objetivos que mais almeja: a segurança e a prosperidade. Escreve sobre este ponto o filósofo Quentin Skinner:
Para Hobbes, ao contrário, é a nossa liberdade natural que constitui o principal e imediato obstáculo à nossa obtenção de qualquer uma das coisas que queremos da vida. Ele não apenas insiste que nossa liberdade é “de pouco uso e benefício” para nós (Hobbes, 1969ª, 14, 10, p.72); prossegue argumentando, na mais forte oposição possível em relação à ortodoxia prevalente, que quem quer que “deseje viver em tal um estado tal, como sendo o estado de liberdade e de direito de todos com todos, se contradiz a si mesmo” (Hobbes, 1969ª, 14.12, p.73)”. (Skinner: 2008, p. 55).

Segundo Hobbes, o Estado não é um mal necessário, mas efetivamente a única possibilidade de os homens poderem viver de uma maneira relativamente aceitável sobre a Terra. No estado natural, utilizando seu direito natural a tudo que quiser, os homens necessariamente viveriam em constante guerra entre si. Decididos a abrirem mão de parte de seus direitos naturais em benefício de outras vantagens, os homens fundam o Estado para garantir-lhes a paz e assim a possibilidade de alcançar os seus objetivos – que, no entanto, são muito mais concretos do que a “virtude” almejada para os homens por Aristóteles.

Como conseqüência, Hobbes afirma que ao restringirmos nossa liberdade natural, estamos nos submetendo a um poder soberano, formado por um indivíduo (monarquia), um grupo (aristocracia) ou todo um povo (democracia). Vários autores concordam que Hobbes não é necessariamente defensor de uma monarquia absolutista, mas de um estado, seja de que tipo for, com força para manter a coesão social.   


Conclusão

Apesar do pensamento de Aristóteles e de Hobbes coincidir na visão que ambos têm do homem em seu estado pré-civilizacional, sendo Hobbes até mais incisivo quanto à agressividade inata do homo sapiens, as semelhanças, no entanto, param por aí.

Para Hobbes, de modo que possa viver em comunhão com seus semelhantes, o homem é forçado a abrir mão de seus desejos ilimitados do estado natural – nisso lembrando alguns aspectos do pensamento de Freud, em O mal-estar da civilização – para que todos possam viver com certa segurança e prosperidade. Para gozar da relativa estabilidade na vida em sociedade, o homem precisa abdicar de parte de seus instintos naturais, geradores de conflitos e morte. 

Para Aristóteles, o homem, assim que se associa aos seus semelhantes para viver em sociedade, passa a pavimentar seu caminho para a arethé, a virtude; o mais nobre objetivo da vida do homem, segundo o pensador grego. Além disso, em todo este processo civilizacional por que passa o “homem aristotélico”, este adquirirá também uma formação cultural e política cada vez mais elaborada; a paidéia no sentido grego.

Fica claro que, se por um lado, para Aristóteles o processo de formação da sociedade e do Estado é algo que agrega qualidades ao homem natural, para Hobbes é um processo de supressão de impulsos naturais. É como se na análise do homem feita por Aristóteles, este fosse necessariamente predestinado a viver em sociedade, sendo este seu estado natural. Já para Hobbes, o homem vive uma eterna contradição: premido por impulsos naturais (competição, desconfiança e glória), precisa suprimir estes apetites para obter alguma paz e prosperidade na vida em sociedade.  

Daí a pergunta de Aristóteles ser: “Como surgiu o Estado?”, ao passo que a de Hobbes é “Por que surgiu o Estado?”
     

Bibliografia:

Aristóteles. A Política. São Paulo. Ícone Editora: 2007, 272 p.
Châtelet, François et al. História das idéias políticas. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor: 1985, 399 p.
Hobbes, Thomas. Leviatã – 5ª. Reimpressão. São Paulo. Editora Martin Claret: 2011, 489 p.
Jaeger, Werner. Paidéia. São Paulo. Martins Fontes: 2003, 1413 p.
Skinner, Quantin. Hobbes e a liberdade republicana. São Paulo. Editora Unesp: 213 p.

(Imagens: pinturas de José Pancetti)

Você sabia (meio ambiente)?

sábado, 2 de março de 2019
"Aquele que na vida prefere o belo ao útil acabará - como a criança que prefere guloseimas ao pão - estragando o estômago e encarando o mundo com muito azedume."   -   Friedrich Nietzsche   -   Humano, demasiado humano



Sapos que ficam até dois anos inertes na terra

Você sabia que vários tipos de anfíbios (sapos) vivem um processo biológico chamado de estivação? Trata-se de um estado de letargia, semelhante à hibernação dos ursos, provocado pela seca no meio ambiente onde vivem estes tipos de sapos.
Para se defender da desidratação, os sapos se enterram até cerca de 1,8 metros no solo, procurando solos mais frios e úmidos.  
Os animais podem ficar inertes por até dois anos, esperando a chuva, quando então cavam um caminho para o ar livre e a chuva.


 Trilhões de microrganismos abaixo dos nossos pés

Você sabia que cientistas descobriram um universo, quase com o dobro do tamanho de todos os oceanos, vivendo sob os nossos pés, nas profundezas da Terra? Sob intenso calor, ausência de luz, e mínimas opções de alimentação, vivem de 15 a 23 bilhões de toneladas de microrganismos praticamente desconhecidos pela ciência. Este peso é centenas de vezes a soma do peso combinado de todos os seres do planeta.
Mitch Sogin, especialista do Laboratório Biológico Marinho Woods Hole, diz: “Há vida em toda parte, e em todos os lugares há uma imensa abundância de organismos inesperados e incomuns.”


(Imagem: fotografia de Ricardo Ernesto Rose)