Leituras diárias

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

 


“É por isso que a teoria da evolução não pode aceitar o conceito de alma, se por ‘alma’ entendemos algo tão indivisível, imutável e potencialmente eterno. Tal entidade não poderia resultar de uma evolução passo a passo. A seleção natural pode produzir um olho humano porque os olhos têm partes. Mas a alma não. Se a alma do Sapiens evoluísse passo a passo a partir da alma do Erectus, quais exatamente seriam esses passos? Há alguma parte da alma que é mais desenvolvida no Sapiens do que no Erectus? Mas a alma não tem partes.” (Harari, pág. 112)

 

Yuval Noah Harari, Homo Deus – Uma breve história do amanhã


Leituras diárias

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

 


“Em décadas recentes, cientistas das biociências demonstraram que emoções não são algum fenômeno espiritual misterioso que é útil somente para quem escreve poesias e compõe sinfonias. Sim, emoções são algoritmos bioquímicos vitais para a sobrevivência e a reprodução de todos os mamíferos. O que se quer dizer com isso? Bem, comecemos por explicar o que é o algoritmo. Esse conceito é de grande importância não apenas porque vai reaparecer em muitos dos capítulos seguintes, mas também porque o século XXI será dominado por algoritmos.” (Harari, pág. 91)

“Um algoritmo é um conjunto metódico de passos que pode ser usado na realização de cálculos, na resolução de problemas e na tomada de decisões.” (Harari, pág. 91)

 

Yuval Noah Harari, Homo Deus – Uma breve história do amanhã


RECICLAGEM

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

 


Na perspectiva do paradoxo (V) - Rumos da cultura

sábado, 26 de dezembro de 2020

"Paradoxos - Por que é que ministros tão surdos aos interesses dos cidadãos concedem tantas audiências?"   -   Millôr Fernandes   -   A Bíblia do caos 


Os perfis dos administradores públicos envolvidos com a cultura, revelam os rumos que o setor deverá tomar nos próximos períodos – pelo menos durante o atual governo.

 

Artigo 215 da Constituição do Brasil:

“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

 

Ao meu lado aqui o Roberto Alvim, o nosso Secretário de Cultura. Depois décadas, agora temos, sim, um secretário de cultura de verdade, que atende o interesse da maioria da população brasileira, uma população conservadora e cristã.”

Presidente Jair Bolsonaro em 16/01/2020 em live no Facebook

(Em 17/01/2020 o então secretário nacional da Cultura, Roberto Rego Pinheiro, conhecido como Roberto Alvim, foi exonerado do cargo, por ter feito um discurso no qual sou frases semelhantes às usadas por Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Aldolf Hitler)

 

A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada.”

Pronunciamento do então secretário Roberto Alvim, em 16/01/2020

 

Gente, vamos embora, né, vamos embora pra frente, ‘prá frente Brasil, salve a Seleção; de repente é aquela corrente pra frente.’ Não era bom quando a gente cantava isso?”

Bom, mas sempre houve tortura. Meu Deus do céu... Stálin, quantas mortes? Hitler, quantas mortes? Se a gente for ficar arrastando estas mortes, trazendo este cemitério... Não quero arrastar um cemitério de mortes nas minhas costas e não desejo isso pra ninguém. Eu sou leve, sabe, eu tô viva, estamos vivos, vamos ficar vivos. Por que olhar pra trás? Não vive quem fica arrastando cordéis e caixões.”

Regina Duarte, então Secretária da Cultura, em entrevista à CNN em 7/05/2020

 

Cultura é aquele pum produzido com talco espirrado do traseiro do palhaço

Regina Duarte, então Secretária da Cultura, em 14/03/2020

 



Sobre os clássicos da MPB: “Aberrações sonoras que eu não tenho nem coragem de chamar de música.

Sobre a Terra plana: “Prove que a Terra é uma bola de água giratória. Aposto que vai adiar essa prova ad eternum e citar como fonte inquestionável o estudo fotográfico da NASA, que tem sim ótimos desenhistas, alguns inclusive que já revelaram as fraudes praticadas por lá.”

Sobre agentes soviéticos: “A União Soviética levou agentes infiltrados para os Estados Unidos para realizar experimentos com certos discos realizados inclusive para crianças.”

Sobre o aborto e John Lennon: “A indústria do aborto por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo. O próprio John Lennon disse abertamente, mais de uma vez, que ele fez um pacto com o diabo, com o satanás para ter fama, sucesso.”

Dante Mantovani ex-presidente (por duas vezes) da Funarte – Fundação Nacional de Artes, em declarações diversas

(A Funarte já teve cinco presidentes em menos de dois anos de governo. Luciano da Silva Querido foi sucedido – duas vezes – por Dante Mantovani, que foi sucedido por Miguel Proença e por Lamartine Barbosa Holanda, presidente atual)

 

No Brasil de hoje Zumbi seria um bandido ou defensor de bandido, integrante do MST.”

“A escravidão era um negócio lucrativo tanto para os africanos que escravizavam, quanto para os europeus que traficavam escravos. A diferença é que os europeus não escravizam mais. Já os africanos...”

“A escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes.”

“Não há salvação para o movimento negro. Precisa ser extinto! Fortalecê-lo é fortalecer a esquerda!”

Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, em declarações diversas

 


Nunca houve nesse país um homem como Jair Messias Bolsonaro. A partir dele teremos orgulho de chamar de Pátria Amada Brasil. Não uma ‘republiqueta de bananas’.”

“Pro Jair, cara, o que ele precisar eu tô aqui.”

Muita gente acha que 'Malhação' só revela atores, mas ali tem formação de diretores, equipe de áudio [...] Tenho 13 anos de TV Globo, é uma escola, é um padrão. Basta para que você olhe uma imagem e aquilo te constranja: 'pô, tá errado'. É um senso crítico que te desenvolve."

“Tudo que eu faço pode ter certeza que estou em comunhão com meu presidente."

Mario Frias, secretário especial de Cultura


(Imagens: Jean-Michel Basquiat)

FELIZ NATAL

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

 


Leituras diárias

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

 



“Quantos homens, outrora célebres, foram devorados pelo esquecimento! E quantos já desapareceram, dos que os celebravam!

 

Marco Aurélio, Meditações


Leituras diárias

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 


“Veja a oração dos atenienses: ‘Faze chover, faze chover, bom Júpiter, nos campos e prados dos atenienses!’ Ou não se reze, ou dessa forma se reze, com nobreza e simplicidade.”

 

Marco Aurélio, Meditações


Livro, o melhor presente!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

 


Vacina obrigatória?

sábado, 19 de dezembro de 2020

 
"Todo o nosso progresso tecnológico, que tanto se louva, o próprio cerne de nossa civilização, é como um machado na mão de um criminoso."   -   Albert Einstein   -   Correspondência


O Brasil já passou por poucas e boas, como diriam nossos avós, com relação à sindemia da Covid-19. O termo “sindemia”, criado pelo antropólogo Merril Singer nos anos 1990, foi retomado recentemente pela prestigiosa revista científica The Lancet, com o argumento de que a pandemia, além dos impactos na saúde das pessoas, também tem efeitos sobre a economia, o meio ambiente, as relações sociais e muitas outras áreas. Nós, por aqui, já escutamos muitos relatos, em sua maioria falsos, sobre a sindemia da Covid-19. Foi dito que se tratava apenas de uma gripezinha; que afetaria poucas pessoas; que existiriam drogas baratas e de fácil acesso (hidroxicloroquina e ivermectina) para combater a doença; que o vírus fora criado na China, com objetivo de destruir a civilização cristã ocidental; que era preciso que deixássemos de ser maricas em relação à doença; que um plano de vacinação estava em gestação, e assim ad nauseam. Além dessas informações, vários outros boatos, por vezes maldosos, tiraram a serenidade da população. Muitos, ante o desencontro das notícias, ficaram completamente confusos, sem saber como agir, esperando uma orientação firme, clara e convincente – que não veio. Se o povo tivesse sido melhor esclarecido, talvez não chegássemos às mais de 180 mil mortes.

O segundo capítulo desta história está se desenrolado agora: a questão da vacina. Quais imunizações estão sendo aprovadas; quais foram compradas pelo ministério da Saúde; quando o plano de vacinação estará definitivamente elaborado; quando começará a vacinação? Na população, em grande parte como resultado das campanhas de fake news disseminadas nas bolhas das redes sociais, e da falta de informação e clareza por parte do governo, aparece outra (falsa) discussão: a vacina deve ou não ser obrigatória?

Para indivíduos de bom senso, a resposta seria clara: “Sendo ou não obrigatória, a vacina será tomada por todos, a fim de desacelerar a pandemia de covid 19, reduzindo as mortes e internações, para que a sociedade brasileira possa gradualmente retomar suas atividades normais.” Esta deveria ser a reação de pessoas sensatas e racionais, que reconhecem a gravidade da sindemia.

O número de pessoas que são contra a obrigatoriedade da vacina sob pretexto da defesa da “liberdade individual”, está, ao que parece, diminuindo. Apesar disso, ainda é grande o número daqueles que – seja por que motivo for – dizem que não pretendem tomar a vacina. Não farei aqui, como outros já fizeram, comentários sobre a idade mental desses indivíduos; deixemos isto de lado.



É evidente que a liberdade individual não é absoluta para quem vive em sociedade. A questão da liberdade só não se coloca para alguém que, como Robinson Crusoé, viva completamente isolado. Neste caso, não faz o menor sentido falar em liberdade; não há necessidade. Liberdade em relação a quem ou o a quê? No famoso romance homônimo de Daniel Defoe, até a chegada do nativo batizado de “Sexta-Feira”, Robinson vivia sozinho; agia absolutamente de acordo com sua vontade, que era sua lei.

Assim, só faz sentido falar em liberdade quando se vive junto com outras pessoas, sujeito a regras e leis – o que é o caso de 99,9% da humanidade. A exceção talvez sejam Rômulo e Remo, os irmãos da obra Eneida do poeta romano Virgílio, dos quais o primeiro foi o fundador de Roma, que foram criados por uma loba. Também poderíamos incluir nesta curta lista o jovem Kaspar Hauser (1812-1833), que dizia ter crescido em uma masmorra, sem contato com humanos. Afora estes personagens míticos e misteriosos e alguns outros relatos de outras partes do globo, parece que a maioria de nós nasceu, cresceu e vive em sociedade.  

Os contratualistas como filósofos Hobbes e Locke, situam o origem do Estado num acordo feito entre os homens de um passado remoto. Para assegurar sua segurança, contando com a proteção do chefe, do rei ou de um governante do Estado, os homens abriram mão de parte da liberdade da qual gozavam, quando estavam sem governo (em estado selvagem, de liberdade total). Assim, em troca de proteção contra inimigos externos, contra ataques de vizinhos, os homens dispuseram-se a seguir certos regulamentos, certas leis – o que significava abrir mão de parte de sua liberdade. Não se sabe se a história humana transcorreu exatamente desta forma, mas fica evidente que, a partir do momento em que os homens decidem viver em grupos cada vez maiores, precisam abrir mão de parte de sua autonomia. A independência da qual desfrutavam grupos nômades de caçadores do Paleolítico e do Mesolítico, sem dúvida era muito maior daquela dos primeiros agricultores sumérios do Neolítico. Todavia, gradualmente, ao se formarem as aldeias com sua infraestrutura, seus grupos de defesa e seus estoques comunitários de alimentos, a renúncia à parte da liberdade terá valido a pena para a sobrevivência destas primeiras sociedades, sujeitas a rudimentos de leis ou acordos de convivência.


Voltemos agora ao século XXI, para nossa complexa sociedade, que existe baseada em leis já acordadas e ainda aprovadas por todos. Por um lado, pertencemos a uma coletividade onde todos têm o direito a receber os benefícios estabelecidos na Constituição brasileira; direito à vida digna, sob todos os aspectos. Por outro lado, alguns membros desta sociedade dizem que não se sentem compelidos a cumprirem sua parte do acordo social, o que hoje significa não querer tomar a vacina contra o vírus da Covid-19.

Receber os benefícios, mas não fazer os sacrifícios? Em sociedade teocráticas – muitos grupos antivacina têm forte orientação religiosa – a desobediência às normas do Estado significa uma desobediência às leis da religião. Paradoxalmente, tal tipo de revolta contra a vacina só é possível em um Estado laico e não “terrivelmente cristão”.

O impasse está colocado. A questão será, sem dúvida, resolvida de forma democrática. Mas é possível que em diversos lugares as próprias instituições cuidem do caso à sua forma, colocando barreiras aos não vacinados. Países instituirão barreiras sanitárias, empresas podem exigir que seus funcionários sejam todos vacinados; o mesmo valendo para cinemas, teatros, clubes, academias de ginástica, eventos, museus e outros locais de grande frequência de público. De uma forma ou de outra, a solução virá, já que quanto mais demorar para que se alcance um número ideal de imunizados – a imunidade de rebanho – mais tempo se estenderá a sindemia, com todas as suas implicações.

Mais uma pergunta que me ocorre agora, ao final do texto. Não sendo obrigatória a vacina, ocorrerá que muitas pessoas não a tomarão, alegando motivos diversos, frutos da ignorância e falta de informação e outros baseados em ideologias extremistas. O jornal Folha de São Paulo informa que cerca de 20% dos brasileiros afirmam que não querem ser imunizados. Neste caso, o que ocorrerá se alguém que ainda não pôde tomar a vacina, for comprovadamente infectado por alguém que se negou a tomá-la? Quem será responsabilizado? O Estado, que facultou a cada um a escolha de tomar a vacina ou não, colocando assim parte da população em risco? Ou, como geralmente acontece, o ônus recairá sobre o cidadão? 


(Imagens: pinturas de Phillip Bauknecht)

Leituras diárias

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

 


“Repara este autor ser bastante conhecida a opinião emitida em carta pelo Padre Manoel da Nóbrega, em janeiro de 1550, quando, ao referir-se à catequese, afirmava a respeito dos selvagens: talvez por medo se converterão mais depressa do que o não farão por amor.” (Barros, pág. 131)

 

Gilberto Leite de Barros, A cidade e o planalto – processo de dominância da cidade de São Paulo, vol. 1


Leituras diárias

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

 


“Em decorrência conclui-se, que em nenhuma parte do Brasil colonial a ação dos religiosos foi tão tenaz como no planalto, máxime junto à vila de São Paulo de Piratininga. É suficiente lerem-se documentos coevos para se verificar que o jesuíta esteve sempre intrometido com aldeamentos nos perímetros urbanos ou suburbanos dos municípios principais de São Vicente." (Barros, pág. 125)

 

Gilberto Leite de Barros, A cidade e o planalto – processo de dominância da cidade de São Paulo, vol. 1


Leituras diárias

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 


“O espírito do povo no Brasil colonial, resumia-se na conformação e na falta de curiosidade. Não se encontrava, de nenhuma maneira, no Brasil de então, o pequeno burguês semi independente de ideias, inteligentinho, cheio de iniciativas, tipo comum na América Inglesa da época. Os calvinistas e os ‘quakers’ eram homens habituados a duvidar, a discutir, a expender ideias próprias, ainda que errôneas. (Barros, pág. 64)

 

Gilberto Leite de Barros, A cidade e o planalto – processo de dominância da cidade de São Paulo, vol. 1


NÃO ÀS ARMAS!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

 


Notas rápidas (homenagem a C. G. Lichtenberg)

sábado, 12 de dezembro de 2020

 

"Quase todos os mestre da fé defendem  suas teorias não porque estejam convencidos de sua verdade,  mas porque alguma vez o estiveram."   -    C. G. Lichtenberg, Aforismos  


A pandemia nas letras e na realidade

 

Todo acontecimento digno de nota em uma sociedade é tema para os historiadores. A partir de um fato como um crime político, uma guerra, uma reforma econômica, uma epidemia ou um acidente de grandes proporções, o estudioso procura-lhe as causas e consequências. Analisa suas implicações em outros fatos, os envolvidos, descobrindo e esclarecendo intenções e interesses de pessoas e grupos, por trás do ocorrido. O fato é apresentado dentro de um ambiente social, político e econômico, específico de um determinado momento da história, o que permite entendermos sua origem e desenvolvimento. 

Foi assim que os historiadores, sociólogos e escritores estudaram as epidemias e as pandemias ocorridas ao longo da história da humanidade, principalmente no Ocidente a partir da Idade Média, dada a dificuldade de se obter informações sobre tais acontecimentos em outras partes do globo. Baseados nas informações obtidas de diversas fontes sobre estes surtos de doenças, suas origens e consequências econômicas, sociais, políticas e culturais, os autores construíram relatos, verdadeiros ou fictícios, descrevendo como sociedades e pessoas reagiram a estas ameaças.

Assim, são numerosos as publicações tratando do tema, nas listas dos livros mais lidos e nos novos lançamentos. Textos abordando o surto de sarampo entre os índios americanos e sobre a peste bubônica em uma aldeia da Toscana, ambos ambientados no século XVII; outra obra estudando a origem da malária na África; os quase 100 milhões de mortos com a Gripe Espanhola entre 1918/1919; e a disseminação da febre amarela nos Estados Unidos em meados do séculos XIX. Todos livros em inglês, ainda não disponíveis no Brasil. Em todos os mais importantes sites de literatura americanos, encontra-se uma lista dos sete ou dez mais importantes livros sobre epidemias a ler durante a quarentena – apesar da crise econômica também afetar os Estados Unidos, o americano médio ainda tem condições de manter um relativo isolamento e ainda sobra dinheiro e tempo para os livros.

Aqui no Brasil os sites especializados em literatura indicam, por exemplo, O Diário do Ano da Peste de Daniel Defoe (1660-1731), novela que retrata a peste bubônica que assolou a cidade de Londres de 1665 a 1666, matando um quarto da população, e o romance A Peste do escritor e filósofo Albert Camus. Gabriel García Márquez, com seu O Amor nos Tempos de Cólera e o Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago também são lembrados. Com uma pesquisa na internet é possível encontrar diversos livros que tratam das epidemias sob aspectos históricos, científicos e literários. A rede também dispõe de uma série de textos informativos – de nível jornalístico e científico –, com informações e conhecimento detalhados a respeitos da pandemia que afeta o mundo e o Brasil.

Informação e conhecimento são importantes em momentos históricos como o que vivemos. Capacitam a população a entender o fato; suas origens e as consequências que terão para a vida individual e da sociedade. Permitem compreender como chegamos às condições históricas nas quais nos encontramos – o aqui e o agora – e o que é necessário fazer para que possamos avançar.   


(Imagem: gravura retratando C. G. Lichtenberg)


Leituras diárias

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

 


inteligentes o bastante para entender a existência das questões, mas não o suficiente para chegar a resolvê-las o orgulho dos filósofos, ou pelo menos da maioria, leva-os a sustentar que a razão é suficiente para tudo, para conduzir o pensamento ao verdadeiro ou governar a vida, acabar com os percursos sem rumo, apagar os incêndios de todos os desregramentos, o que, no fim das contas, não passa de uma loucura a mais, pois a verdade também gera paixões que cegam mais que esclarecem” (Droit, pág. 54)

 

Roger-Paul Droit, Se só me restasse uma hora de vida


Leituras diárias

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

 


“e cada um, tendo aceitado que a vida não é busca da verdade, que não existe ou nos será sempre inacessível, optará por passear de uma doutrina a outra, interminavelmente, como quem visita paragens distantes saboreia receitas exóticas, mergulha em águas novas, deixando para trás o pathos da ignorância seus malefícios suas trevas ameaçadoras,” (Droit, pág. 53)

 

Roger-Paul Droit, Se só me restasse uma hora de vida

 


Leituras diárias

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

 



“quando o conhecimento é inacessível, quando está fora de alcance, tratamos de tapar os buracos com crenças, sempre que possível substituímos o que não sabemos por narrativas, fragmentos de desejos transformados em realidades

Assim é que eu não sei o que acontece depois da morte, como ninguém no mundo sabe, nenhum ser humano sabe com certeza, com conhecimento solidamente estabelecido, e desse modo nós acreditamos, no caso de alguns, com toda convicção, que existe uma imortalidade das pessoas e que ela nos permitirá reencontrar os entes queridos num outro mundo,” (Droit, pág. 33-34)

 

Roger-Paul Droit, Se só me restasse uma hora de vida


FLORESTA AMAZÔNICA

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

 


Industrialização, educação e mídias

sábado, 5 de dezembro de 2020

 

"Duvide de tudo, encontre sua própria luz"   -   Buddha   -    Quotes of Buddha

A industrialização do Brasil teve início no final do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro. A disponibilidade de capitais gerados pela agricultura cafeeira, no entanto, fez com que a partir dos primeiros anos do século XX o processo de industrialização se acelerasse em São Paulo, atraindo imigrantes e migrantes, tornando a cidade a maior metrópole do país. Ao longo do século XX, o país vai gradualmente aumentando seu parque industrial, notadamente a partir dos anos 1940, quando se estabelece uma indústria de base. Depois da 2ª Grande Guerra, a industrialização toma força nos anos 1950 e início dos anos 1960, com a ampliação da infraestrutura rodoviária e da geração de energia. A pujança do crescimento da indústria, está demonstrado pela participação do setor no PIB nacional ao longo dos anos:

                     Participação da indústria no PIB brasileiro

Anos                                         Percentual de participação

1940-1950                                       Entre 19% e 20%

1960-1970                                       Entre 25% e 30%

1985                                                         35%

2000                                                         15,3%

2005                                                         17,4%

2010                                                         15%

2015                                                         12,2%

2019                                                         11%

 

A industrialização de um pais sempre foi relacionada com a redução da taxa de analfabetismo. Não que a relação seja direta, mas para que uma região ou país se industrialize ou aumente sua estrutura industrial, é preciso que haja disponibilidade de uma mão de obra capacitada que, à medida que o processo produtivo se torna mais sofisticado, precisa ser melhor preparada. Com a expansão da atividade industrial, geralmente nas cidades, aumenta a demanda por mão de obra mais ou menos especializada. Com isso, cresce a migração de populações de outras regiões para estes centros urbanos. Paralelamente, seja pelos requisitos da profissão, quanto pelas exigências do Estado (obrigatoriedade do ensino básico), aumenta a matrícula de alunos em instituições de ensino, fazendo com que diminua o analfabetismo.


Este processo é observado como tendo ocorrido com bastante ênfase na Europa, mais acentuadamente na segunda metade do século XIX, quando o capitalismo industrial se torna mais complexo em seus processos industriais e administrativos, passando a exigindo operários e profissionais com alfabetização básica ou formação específica. No Brasil a lenta diminuição da taxa de analfabetos corre em paralelo com a industrialização e a crescente mudança de parcelas consideráveis da população do campo para as cidades, onde a oferta de educação é maior. Entre as décadas de 1940 e 1980, cerca de 40 milhões de brasileiros tomaram o caminho da roça para a metrópole. Outro aspecto importante deste processo de urbanização da população, do acesso à educação e, consequentemente, de obtenção de melhores postos de trabalho, foi formação de uma classe média.

Assim, a exemplo de outros países, o crescimento da atividade industrial no Brasil acabou contribuindo para a redução da taxa de analfabetismo, já que as indústrias requeriam trabalhadores com uma certa formação educacional básica. Esta relação entre capital e mão de obra contribuiu para diminuir a taxa de analfabetismo e a expansão do sistema educacional:

 

          Redução da taxa de analfabeto no Brasil 1900-2015

            Ano                    Percentual de analfabetos/população

            1900                                              65,3%

            1940                                              56,1%

            1960                                              39,7%

            1980                                              25,9%

            2010                                                9,6%

            2015                                                8%

 

O maior indutor de políticas públicas educacionais é o Estado, que tem a tarefa de possibilitar o acesso à educação e erradicar o analfabetismo no país. Mesmo assim, ainda são cerca de 11 milhões de pessoas no Brasil, que não sabem ler e escrever, sem acesso à plena cidadania. Os índices variam de região para região no país, sendo mais altos nas regiões Norte e Nordeste e mais acentuados entre a população acima de 60 anos. No contexto latino-americano, o Brasil é um dos países com as maiores taxas de analfabetismo, só sendo ultrapassado por El Salvador, Honduras e Guatemala. Em outras nações latino-americanas, como a Argentina, o Chile, o Uruguai e a Bolívia, o analfabetismo foi quase eliminado.

Além do analfabetismo absoluto, o país também enfrenta a questão do analfabetismo funcional, um problema talvez mais amplo, por afetar um número bem maior de pessoas. Não existem números exatos sobre a quantidade de analfabetos funcionais no Brasil, mas seu percentual que era de 39% da população em 2001, atualmente é estimado em cerca de 30% (cerca de 63 milhões de pessoas). Dados indicam que este índice atinge 53% entre as pessoas acima de 50 anos. A denominação vem do fato de que os analfabetos funcionais são capazes de reconhecer letras e números, mas não têm capacidade de compreender textos simples e realizar operações matemáticas mais elaboradas. Mesmo em queda, este tipo de analfabetismo chega a afetar estudantes dos cursos superiores, prejudicando a capacidade de aprendizado do aluno. Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, 50% dos entrevistados declararam não ter o hábito da leitura de livros, por não terem capacidade de entender seu conteúdo, apesar de tecnicamente serem considerados alfabetizados.


Segundo o educador João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, apenas 16% dos brasileiros atingem o nível 3 do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), considerado o minimamente necessário para se poder fazer qualquer tipo de reflexão a partir de um texto. No PISA, o nível 3 é definido da seguinte forma: “
No Nível 3, os estudantes são capazes de manipular itens de leitura de complexidade moderada, tais como situar fragmentos múltiplos de informação, vincular partes distintas de um texto e relacioná-lo com conhecimentos cotidianos familiares.”

Ainda segundo Oliveira no mesmo artigo, publicado na revista Veja Online em 12/11/2018, 25% da força de trabalho no Brasil é formada por analfabetos funcionais e outros 25% possuem o nível elementar, “são apenas capazes de selecionar uma ou mais unidades de informação, observando certas condições, em textos diversos de extensão média realizando pequenas inferências.” Não têm capacidade de ler e entender um manual de instruções.

Estas condições educacionais têm, por sua vez, grande influência em uma série de aspectos da cultura do país, do nível de informação da população, da prática política e da própria convivência entre os cidadãos. Na área da cultura, por exemplo, mais especificamente em relação aos livros, constata-se que a compra deste item de consumo vem caindo ao longo dos últimos anos. Em pesquisa realizada no primeiro semestre de 2020 pela empresa Nielsen Book, sob contrato da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) constatou-se que o subsetor de Obras Gerais teve crescimento de 28% nas vendas totais (mercado e governo) em 2019. O aumento, todavia, não conseguiu compensar queda nas vendas nos anos anteriores, que acumulou uma redução de 34% nas vendas totais entre 2006 e 2019. O subsetor de livros científicos, técnicos e profissionais registrou uma queda de 41% no mesmo período.

O brasileiro lê em média 2,5 livros inteiros por ano, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro e Instituto Itaú Cultural, entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. Entre 2013 e 2019 o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores; a percentagem caiu de 56% para 52% da população que regularmente lia. A maior queda no número de leitores foi identificada no grupo das pessoas com ensino superior, que passou de 82% de leitores em 2015 para 68% em 2019. Na classe A, o consumo de livros passou de 76% para 67% das pessoas. Falta de tempo e envolvimento com internet e as redes sociais, foram dados como motivos para a diminuição da leitura de livros.

O estudo também registrou que os não leitores, pessoas com mais de 5 anos que não leram livro algum, mesmo parcialmente, nos últimos três meses anteriores à pesquisa, perfazem 48% da população, ou cerca de 100 milhões de brasileiros. Entre estes, os principais motivos alegados por não terem o hábito da leitura, foi a falta de tempo (34%) e por não gostarem de ler (28%).

Para explicar os problemas de tiragem enfrentados pelo setor livreiro e pela mídia impressa, é preciso considerar os aspectos educacionais e sociais acima relatados, e levar em conta a crise econômica pela qual passa o país desde 2014. Houve uma gradual queda nas vendas de mídia impressa, enquanto que a mídia eletrônica, formada por jornais e revistas online, blogs de informação e sites especializados, se tornou ágil e econômica.  A própria diminuição da atividade econômica no país também causou uma significativa redução na impressão de jornais e revistas.



Outro aspecto a ser assinalado, é que a pouca leitura e a busca de informações através das redes sociais – Whatsapp, Facebook, Tweeter e Instagram, entre outros – em lugar das mídias especializadas, impressas ou eletrônicas, dá espaço para a circulação de muita informação inverídica, ideias cientificamente incorretas, ideologias extremistas, além de muito conhecimento inútil. A partir do momento em que as pessoas começam a formar sua visão de mundo e suas opiniões baseadas neste tipo de material, tornam-se vítimas de grupos políticos ou religiosos, muitas vezes extremistas, que passam a influenciar ou até a condicionar seus comportamentos.  

Em suma, o que pode estar acontecendo é que o número de potencias leitores não está aumentando por três principais fatores. Primeiro, o próprio interesse pela leitura parece estar diminuindo ou pelo menos não está aumentando. Isto devido a fatores educacionais, como exemplificado pela persistência do analfabetismo funcional, fruto de falhas no processo de ensino. Não havendo compreensão do conteúdo, diminui o interesse pela leitura. Segundo, pela concorrência das mídias eletrônicas e redes sociais, de fácil acesso e veiculando o que os usuários consideram interessante ou, pelo menos, fácil de compreender. Terceiro, pela crise econômica que assola há anos o país, provocando diminuição da renda da população e impossibilitando a compra de livros; nestas circunstâncias considerados artigos de luxo.

  

Referências:

Indústria no Brasil. Disponível em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ind%C3%BAstria_no_Brasil#:~:text=As%20origens%20industriais%20no%20Brasil,em%20Pernambuco%20e%20na%20Bahia Acesso em 18/11/2020

 Alfabetização e desenvolvimento. Disponível em:

<https://www.scielo.br/pdf/rbedu/v19n58/02.pdf> Acesso em 18/11/2020

Mola de emprego e do PIB, indústria brasileira não reage e emperra avanço do PIB. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/economia/2020-03-04/mola-de-emprego-e-do-pib-industria-brasileira-nao-reage-e-emperra-avanco-da-economia.html> Acesso em 18/11/2020

Desindustrialização no Brasil: um resumo da evidência. Disponível em:

<https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11689/Desindustrializa%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil.pdf> Acesso em 18/11/2020

3 em cada 10 brasileiros não conseguem entender este texto. Disponível em:

<https://todospelaeducacao.org.br/noticias/inaf-3-em-cada-10-brasileiros-nao-conseguiriam-entender-este-texto/> Acesso em 18/11/2020

Analfabetismo funcional: novos dados, velhas realidades. Disponível em:

<https://veja.abril.com.br/blog/educacao-em-evidencia/analfabetismo-funcional-novos-dados-velhas-realidades/>. Acesso em 18/11/2020

Analfabetismo funcional. Disponível em:

<https://brasilescola.uol.com.br/gramatica/analfabetismo-funcional.htm> Acesso em 18/11/2020

A evolução da indústria do livro nos últimos 14 anos. Disponível em:

<https://www.publishnews.com.br/materias/2020/07/08/a-evolucao-da-industria-do-livro-nos-ultimos-14-anos> Acesso em 19/11/2020

 

(Imagens: pinturas/posters de Wes Wilson)

Leituras diárias

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

 


“Durante o estágio de agregação matéria-energia que, denominamos vida, adquirimos informação, construímos e registramos conhecimentos e, muito importante, vivemos sensações. Tudo isso se perpetua, através de nossa produção, trabalho, prole e, quiçá na eternização das sensações e história através de algum estágio energético nascido a partir de nossa morte física.

Pouco importa se teremos consciência ou não de nossa eternidade, pois a perpetuação é efetiva em atos e na matéria constitutiva, essa sim perene em sua associação matéria-energia. Por isso, talvez possamos dizer que a razão da vida seja a própria vida.” (Bruschi, pág. 51)

 

Luiz Carlos Bruschi, A origem da vida e o destino da matéria


Leitura diárias

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 


“Foram as leis físico-químicas que determinaram a evolução da matéria ou antes foi a evolução que, ao caminhar, foi estabelecendo estas leis? Como poderiam ser previstas forças de interação complexas entre moléculas quando só existiam o hidrogênio e o hélio? Parece-nos mais lógico, parafraseando o poeta, que os caminhos foram feitos para caminhar. Na medida que os átomos forma sendo criados e os elementos constituídos, foram ensaiadas forças de interação que, por eficiência, tornaram-se invariantes.” (Bruschi, pág. 24)

 

Luiz Carlos Bruschi, A origem da vida e o destino da matéria


Leituras diárias

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020


 

“A história do Universo é nossa própria história. A formação das estrelas, onde se forjam nossos átomos; a constituição dos planetas e suas atmosferas; as associações da matéria até a organização da vida são etapas dessa história, cuja evolução resultou no brilhante cérebro do homem, que hoje nos permite tentar entender nossa origem e destino.” (Bruschi, pág. 15)

 

Luiz Carlos Bruschi, A origem da vida e o destino da matéria

DEMOCRACIA

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

 


A eleição de Biden e a questão ambiental

sábado, 28 de novembro de 2020

 

"A acumulação de conhecimento na ciência não tem paralelos na ética, na política, na filosofia e nas artes. O conhecimento aumenta em velocidade acelerada, mas os seres humanos não são mais razoáveis do que sempre foram."   -   John Gray   -   Sete tipos de ateísmo


Há quatro anos, em novembro de 2016, escrevemos um artigo sobre a eleição de Trump e suas consequências para o meio ambiente (A eleição de Trump e o meio ambiente - https://ricardorose.blogspot.com/2016/11/a-eleicao-de-trump-e-o-meio-ambiente.html). Como esperado, a atuação do 45º presidente eleito dos Estados Unidos exerceu forte influência na maneira como seu país e parte do mundo passou a tratar o meio ambiente. Além de eliminar diversas providências encaminhadas por seu antecessor, Barak Obama, Trump retirou poder da agência de controle ambiental americana, a EPA (United States Environmental Protection Agency), diminuiu o tamanho de áreas de proteção ambiental e de parques naturais, reduziu o número de medidas de avaliação de impacto ambiental em obras de infraestrutura, e concedeu licenças para diversos projetos de alto risco ao meio ambiente, como o gigantesco oleoduto Keystone XL que se estende do Canadá aos Estados Unidos.

No setor de transportes, gerador de grandes volumes de emissões, a administração Trump reduziu os padrões de eficiência energética em veículos e dificultou o desenvolvimento de meios de transporte mais limpos. Sua mais polêmica ação, de grandes consequências para o clima do planeta, foi a retirada de seu país do acordo climático de Paris, através do qual 195 nações ratificaram sua intenção de reduzirem as emissões de gases de efeito estufa (GEE), a partir de 2020. Os Estados Unidos, lembremos, é o segundo maior emissor de GEE depois da China.

Neste ano os Estados Unidos organizaram uma nova eleição presidencial e Joe Biden foi eleito como 46º presidente na nação. Trump alega que houve fraude no pleito, está recorrendo na justiça, mas já deu início à transferência de governo ao sucessor, que deverá tomar posse em 20 de janeiro de 2021. Em declarações à imprensa, Biden já confirmou que com relação às questões ambientais recolocará os Estados Unidos no acordo climático de Paris e que reverterá uma série de decretos assinados por seu antecessor. O novo presidente planeja retomar o Plano de Energia Limpa, que prevê a redução das emissões de CO² das usinas de geração de energia em 30%, até 2030. Este plano energético, elaborado durante o governo Obama, nunca havia entrado em vigor, por ter sido contestado na justiça por uma coalizão de empresas e governos estaduais republicanos. 

O foco principal da administração Biden em relação ao meio ambiente será a redução das emissões de carbono do país para zero, até 2050. Para isso, sua administração planeja investir cerca de 2 trilhões de dólares, em um ambicioso programa baseado principalmente em eficiência energética e nas energias renováveis, gerando milhões de empregos verdes (postos de trabalho em empresas ambientalmente sustentáveis). Na área da energia eólica, por exemplo, Biden pretende impulsionar a geração de energia eólica offshore, através de turbinas eólicas instaladas ao longo do litoral dos estados da costa Leste e da Califórnia. A cadeia da indústria automobilística, criadora de grande número de empregos diretos e indiretos, também receberá fortes incentivos para aumentar a produção de carros com motores elétricos. O setor da construção civil terá como principal meta o uso eficiente de materiais e energia, através da modernização e renovação (retrofitting) de prédios públicos e privados. Todas estas metas e outras ainda a serem acrescentadas ao programa, farão parte de um projeto já conhecido como Green New Deal (pacto ecológico), com vistas a modernizar a economia americana, gerando empregos verdes e baixas emissões de carbono (https://www.heritage.org/renewable-energy/heritage-explains/the-green-new-deal).  As estratégias e metas desta iniciativa do governo americano são bastante semelhantes ao Pacto Ecológico Europeu (https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt).


Biden e o Partido Democrata estão encarando a questão ambiental de maneira bastante séria. Assim como a União Europeia fez há alguns meses, os Estados Unidos pretendem dar um novo direcionamento à sua política econômica na era pós-covid19. Convencida da inexorável realidade da mudança do clima acelerada pelo impacto da economia americana e do gradual aumento da temperatura do planeta se nada for feito para abrandar as emissões, a nova administração americana pretende dar um novo rumo ao desenvolvimento de sua economia, baseado nos parâmetros da sustentabilidade.

Esta intenção Biden pretende também deixar clara aos outros países. Tanto que indicou o ex-secretário de Estado do governo Barak Obama, John Kerry, para o cargo de enviado especial do Meio Ambiente (special presidential envoy for climate). Segundo reportagem apresentada recentemente na CNN online, quando o senador Bernie Sanders em 2016 classificou a questão das mudanças climáticas como “a mais importante questão de segurança nacional”, não foi levado a sério. Cinco anos depois, a própria Casa Branca criou o cargo de enviado especial do Meio Ambiente, com cadeira permanente nas reuniões do Conselho Nacional de Segurança. Kerry tem longa experiência nas questões climáticas, tendo desempenhado importante papel nas negociações para o Acordo Climático de Paris.

Este é o recado que os Estados Unidos agora transmite às outras nações do planeta: a questão do clima é séria e estamos empenhados em agir em relação a ela. Retomando seu papel de pioneiros na discussão e na criação de leis ambientais desde a década de 1960, a nação americana pretende, depois de quatro anos de ausência, voltar ao protagonismo e à liderança no tema. Com isso, exercerão uma grande influência sobre outros países. Se o exemplo da administração Trump foi negativo, fazendo com que os temas ambientais fossem relegados a um plano secundário, permitindo que muitas nações usassem implícita ou explicitamente o exemplo americano para também não agirem em relação ao clima, a partir de agora o quadro muda. A proteção aos recursos naturais, sejam quais forem, novamente é o assunto do dia na nova ordem econômica mundial pós-covid19 e pós-administração Trump – palavra da União Europeia e dos Estados Unidos.

O Brasil será uma peça importante nesta estratégia climática da administração Biden, como o próprio presidente já adiantou durante os debates eleitorais. A campanha presidencial de Biden recebeu forte apoio de grupos, de dentro e de fora do partido, ligados às questões ambientais. Assim, a questão da Amazônia com certeza será uma das primeiras pautas das reuniões entre os dois governos. Até o momento foram dizimados 20% da área original da floresta, mas se chegarmos aos 25% da área, poderemos alcançar “o ponto de não retorno”, como os cientistas classificam esta situação. Nestas condições não há mais certeza se e em quanto tempo o ecossistema poderá se recuperar.



Não se recuperando, a Amazônia poderá em parte se transformar em uma região de savana, de vegetação rala, com menor volume de recursos hídricos e com consequências para a biodiversidade; o clima e a agricultura no Brasil – além de outras implicações econômicas – e o clima mundial. Sabe-se hoje que a floresta amazônica não tem forte influência na remoção dos GEE da atmosfera, mas que exerce grande interferência na umidade e na temperatura do ar da macrorregião amazônica e também no planeta.

As características da Amazônia têm uma influência tão grande na Terra, que sua manutenção é motivo de preocupação de todos. Ninguém questiona a posse da região pelo Brasil, mas espera-se que o país faça a gestão da região de tal maneira, que o tênue equilíbrio que ainda existe entre todos os aspectos naturais possa ser mantido – pelo bem de todos. É evidente que a manutenção do ecossistema exigirá aportes de tecnologia, recursos humanos e financeiros, para que os moradores da região tenham um padrão de vida digno, de modo a não serem forçados a práticas de sobrevivência não sustentáveis, como vem ocorrendo em alguns casos. Deve-se pensar numa série de compensações para os estados e municípios da região, proporcionando-lhes o mesmo padrão de vida de outras regiões do país. 

Biden já falou em uma ajuda de 20 bilhões de dólares para desenvolver a região de uma maneira sustentável. O países europeus, com certeza, também terão interesse em cooperar em projetos de desenvolvimento social e econômico na região. Mas isto seria apenas o começo. O reverso da moeda é o papel que o governo brasileiro precisa desempenhar, voltando a controlar e gerenciar o território, coibindo todo tipo de desmantelamento dos recursos através de desmatamento e garimpo ilegal, grilagem, invasão de áreas indígenas e de unidades de conservação.

Neste aspecto cabe ressaltar que o atual governo não tem bons antecedentes. Bolsonaro sempre teve uma maneira, digamos assim, peculiar de enxergar a questão ambiental. Como ministro do Meio Ambiente indicou Ricardo Salles, que já havia atuado como Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, tendo sido processado por irregularidades em sua administração. No cargo, Salles desmontou parte da estrutura técnica dos principais órgãos ambientais federais e limitou as ações de controle do órgão ambiental.



O governo cortou grande parte das verbas do Ministério do Meio Ambiente e reduziu drasticamente os recursos em outras iniciativas na área do meio ambiente. O posicionamento do governo em relação ao assunto deu abertura para que diversos agentes – grileiros, fazendeiros, posseiros, madeireiros e garimpeiros – aumentassem a derrubada e queima da floresta ao longo do biênio 2019/2020. O fato, amplamente coberto pela imprensa local e internacional, causou protestos em diversos países e organizações internacionais, colocando o Brasil no papel de vilão ambiental do planeta. Com isso, é bastante provável que o país seja alvo de pressão por parte do governo americano, e que seja cobrado para que tenha uma atuação mais forte na questão da floresta amazônica.

Para mudar sua imagem o país precisará mostrar que efetivamente está mudando sua atitude; o que até o momento não ocorreu. Um discurso pseudo nacionalista, baseado na premissa de que potências estrangeiras querem invadir ou extrair as riquezas da área, só trará mais problemas políticos para o nosso país e não ajudará a melhorar as condições sociais e ambientais da região.

O Brasil deveria se valer deste novo ambiente político mundial, que se formou com a eleição de Biden e a importância dada novamente à questão do clima, para tirar vantagem do fato de possuir um bioma como a Amazônia – e outros, como a Mata Atlântica e a região do Pantanal. No passado, nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, o Brasil já teve um papel de protagonista na questão climática e na do meio ambiente, e poderia retomar esta posição. Assim, o governo poderia condicionar a preservação destas áreas à assinatura de acordos de cooperação técnico-científica para o desenvolvimento sustentável da região, à elaboração de projetos de geração de renda, aos acordos comerciais e acesso a novos mercados, entre outros. O pior a fazer, tanto para o Brasil como para o mundo é manter as coisas como estão – se é que isso será possível neste novo contexto político-econômico mundial.   


(Imagens: gravuras de Erich Heckel)