Faça download do meu ensaio "A epistemologia evolutiva"

terça-feira, 30 de junho de 2020
https://drive.google.com/file/d/1rJLpc8ty3q44I_P2PkEGx0DB6sneHm25/view?usp=sharing

Governo, economia e meio ambiente

sábado, 27 de junho de 2020
"Se a pobreza é a mãe dos crimes, a falta de espírito é o pai."   -   La Bruyère   -   Caracteres


Em 1988, durante o governo de José Sarney, o país passava por uma grande crise ambiental. Recordes de desmatamento na Amazônia, colocavam o Brasil nas manchetes dos principais jornais do mundo. A crise se tornou tão séria, que bancos oficiais internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Eximbank e a Comunidade Econômica Europeia, haviam suspendido o financiamento de qualquer projeto econômico. Entre outras medidas tomadas à época, Sarney convocou uma equipe multidisciplinar de alto nível, formada por acadêmicos e cientistas, com o objetivo de estudar a região e propor soluções para conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos da região. O resultado deste estudo foi o lançamento do Programa Nossa Natureza, um detalhado diagnóstico ambiental do país, coordenado pelo general Bayma Dennys, chefe da Casa Militar da Presidência da República. Outras iniciativas à época foram a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a inclusão dos levantamentos sobre desmatamentos feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nos dados oficiais do governo. 
  
Pouco mais de trinta anos depois, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, repete-se a situação. Crescem exponencialmente a derrubada da floresta e as queimadas – dados do Inpe apontam um aumento de 34%, a maior área desmatada do século. Ao mesmo tempo, um grupo de 30 fundos de investimento, com ativos chegando a U$ 4,1 trilhões (cerca de R$ 21,7 trilhões), representando investidores da Ásia, Europa e Estados Unidos, dirige-se a diversas embaixadas brasileiras na Europa, solicitando reuniões com os embaixadores brasileiros, a fim de discutir as políticas ambientais do governo.

Segundo representantes destes fundos, a atual política ambiental brasileira, sintetizada na frase do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como “passar a boiada”, está colocando em risco o valor dos títulos públicos e privados brasileiros. A perda do interesse de investidores internacionais nos títulos brasileiros, significa menos investimentos nas empresas locais e, consequentemente, menos empregos e menos riquezas para o Brasil. Em recente entrevista para o jornal Valor, o embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, comentou que “muitos fundos internacionais e também empresas têm interesse em explicar aos investidores e seus acionistas o que fazem fora da Alemanha, se seus passos estão alinhados na luta contra a crise climática”.

Apesar desta situação, no entanto, o governo Bolsonaro continua a tratar a questão ambiental como secundária. Preso a uma visão ultrapassada da ocupação da Amazônia, não se preocupou em elaborar um plano de atividades para a área, que aliasse a economia com a ecologia. Assim, depois de afirmar que não criaria novas áreas de proteção ambiental, o presidente passou a discutir o fomento da pecuária e da mineração em áreas indígenas. Paralelamente, através do Ministro do Meio Ambiente, reduziu o número de cargos e funções no Ibama, substituindo experientes funcionários de carreira por policiais militares, e diminuiu o número de cargos de coordenação das unidades de conservação (UCs) – 334 unidades em todo o país, representando em área quase 10% do território nacional. Com relação às informações sobre o desmatamento, Bolsonaro colocou em dúvida os dados elaborados pelo Inpe e demitiu seu presidente, Ricardo Galvão.  

Uma das medidas propositivas implantadas pelo governo, foi a transferência da coordenação do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) para a vice-presidência. Hamilton Mourão assumiu o comando do órgão que tem o objetivo de “coordenar e acompanhar a implementação das políticas públicas relacionadas à Amazônia Legal” e “coordenar ações de prevenção, fiscalização e repressão a ilícitos”. Da estrutura do Conselho fazem parte 15 militares, mas foram excluídos os governadores dos estados da região, o Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

A ideia de uma política de desenvolvimento sustentável para a região amazônica parece não fazer parte da estratégia do governo. Com isso, grileiros, garimpeiros e madeireiros já perceberam de que lado o governo está, e perderam o medo de uma repressão sistemática por parte dos órgãos do Estado. Por outro lado, os investidores internacionais e os países que financiavam projetos sócio ambientais e científicos na região – exatamente os atores que o governo deveria querer atrair – também já se deram conta para qual lado o governo caminha.

Enquanto isso, o restante do mundo avança. Recentemente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), espécie de Banco Central dos bancos centrais dos países, publicou um extenso estudo, pelo qual chama atenção para o fato de que as mudanças climáticas poderão ser a origem de uma nova crise financeira global, ainda mais severa do que a do corona vírus. A União Europeia preparou o European Green Deal, o Pacto Ecológico Europeu (https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt); um ambicioso plano de incentivos à economia da região, cuja componente principal é a redução das emissões de carbono na era pós corona vírus.

Mas, enquanto o presidente Bolsonaro comenta que a imagem do Brasil não está muito boa aos olhos do mundo na questão ambiental devido à “desinformação” dos outros países, outros já veem a questão sob outra ótica. No Ministério da Economia, por exemplo, teme-se que a fuga de capitais possa ser agravada por causa da questão ambiental. Membros da equipe do ministro Paulo Guedes, segundo a imprensa, defendem posições mais claras do governo sobre seus compromissos ambientais. Editorial recente do jornal O Globo (junho 2020) informa que “o segmento de gestão de grandes negócios com alimentos e matérias primas em geral, cada vez mais pressionado por seus acionistas a ter comportamento responsável, do ponto de vista ambiental e de Direitos Humanos”.

A preocupação com a questão ambiental aumenta em todo o mundo e deverá se tornar ainda mais premente nos próximos anos. Lembremos que antes da epidemia, as nações industrializadas já passavam por um processo de gradual redução das emissões de carbono, materializado no Acordo de Paris, em 2015. Se o Brasil quiser evitar o distanciamento, seja econômico ou tecnológico, em relação às economias mais avançadas, precisará retomar as inciativas e projetos ambientais delineados ao longo dos últimos anos. Caso contrário, passará a ser caracterizado como antagonista dos avanços ambientais e poderá sofrer sanções que retardarão ainda mais a recuperação da economia brasileira.  

(Imagens: pinturas de Raoul Dufy) 
     

Leituras diárias

sexta-feira, 26 de junho de 2020

“Freud não estava interessado em se submeter a uma ordem extra-humana, natural ou divina. Recusava as consolações dos estoicos, assim como as oferecidas pelos cristãos e seus discípulos, os humanistas que acreditam no progresso. Freud aceitava o caos como algo final, e nesse sentido era moderno. Ao mesmo tempo, é evidente sua distância em relação aos ideais modernos. Considera-se em geral que a psicanálise promove a autonomia pessoal, quando o contrário está mais próximo da verdade. Fazendo eco à crença cristã no livre-arbítrio, os humanistas sustentam que os seres humanos são – ou podem vir a tornar-se um dia – livres para escolher sua vida. Esquecem que o eu que faz a escolha não foi ele próprio escolhido.” (Gray, pág 63)


John Gray, O silêncios dos animais

Leituras diárias

quinta-feira, 25 de junho de 2020


“Pode parecer que a ciência e a ideia de progresso convergem, quando na verdade se opõem. Entre os ateus contemporâneos, não acreditar no progresso é como uma blasfêmia. Apontar as falhas do animal humano tornou-se um ato sacrílego. O declínio da religião serviu apenas para fortalecer a ascendência da fé sobre a mente. A descrença, hoje, não devia começar questionando a religião, mas a fé secular. Uma forma de ateísmo que se recusasse a reverenciar a humanidade seria um autêntico avanço. O pensamento de Freud exemplifica esse tipo de ateísmo; mas Freud tem sido rejeitado justamente porque se recusou a lisonjear o animal humano. Não surpreende que o ateísmo continue sendo um culto humanista. Supor que o mito do progresso possa ser descartado seria atribuir à humanidade moderna uma capacidade de aperfeiçoamento ainda maior que aquela que ela mesma se atribui.” (Gray, pág 59)


John Gray, O silêncios dos animais

Leituras diárias

quarta-feira, 24 de junho de 2020


“Quando se manifestou a crise financeira em 2007, a renda da maior parte dos americanos estava estagnada havia mais de trinta anos. A maioria ficava mais pobre, o que era ocultado pelo boom do crédito. Surgiu uma nova economia política americana: nela, é maior que em qualquer outro pais a proporção encarcerada da população, muitos estão permanentemente desempregados, boa parte da força de trabalho é informal e um grande número subsiste na economia clandestina do tráfico de drogas, da oferta de sexo e das vendas improvisadas...uma economia colonial pós-moderna em que a servidão se manifesta a cada esquina.” (Gray, pág 50)


John Gray, O silêncios dos animais


Ainda o anti-intelectualismo

sábado, 20 de junho de 2020
"Amarra-se o burro à vontade do dono."   -   R. Magalhães Júnior   -   Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos


Anti-intelectualismo é um fenômeno sócio-cultural, que se caracteriza pela suspeição, hostilidade e, em muitas casos, violência contra a cultura – as ciências, as artes, a educação e a pesquisa – bem como em relação a seus cultores: os cientistas, artistas de todos os tipos, professores e os intelectuais em geral.

O anti-intelectualismo tem causas diversas, dependendo das sociedades onde se manifesta. Geralmente é exteriorizado por manifestações de sentimentos de ressentimento contra indivíduos ou grupos, que se sobressaem devido ao seu grau de instrução, sua produção cultural/científica ou profissão vinculada ao conhecimento (professores, reitores, pesquisadores, jornalistas, etc.).

Este sentimento é elaborado com base em uma ideologia, cujos defensores e estimuladores têm objetivos definidos. A intenção dos que incentivam tal tipo de comportamento anti-intelectualista – eles mesmos, por vezes, intelectuais – é desvalorizar o conhecimento acadêmico, científico e artístico. A cultura, transformada em um “não-valor”, passa a ser desacreditada, sendo intencionalmente depreciada. Uma das maneiras de fazer isso, é nivelar todos os saberes e atividades, tendo por base sua contribuição imediata à economia do país. Nesta avaliação econômica obtusa e limitada, não há porque investir recursos da sociedade em atividades artísticas e científicas, já que não trazem benefícios econômicos imediatos.  

Outro objetivo do anti-intelectualismo – e este muito mais político do que econômico – é dissimular situações de injustiça social, denunciadas exatamente pela produção intelectual daqueles que se acusa de parasitas sociais, por exercerem atividades ou funções que se quer fazer parecer como não produtivas. Além disso, existe o fato de não se querer subsidiar atividades culturais que possam despertar a “intranquilidade social e promover a desordem” (leia-se fazer pensar).   
  
A estratégia anti-intelectualista de uma forma geral, é a de invalidar, falsear e desautorizar o discurso daqueles que criticam a conjuntura, quando apontam situações de injustiça, opressão ou ignorância. A tentativa de anular a crítica ocorre então através do ataque às denúncias em si, procurando apontar sua imprecisão, ou desprestigiando os críticos das mais diversas formas, chegando até a ataques ad hominem.

Tal situação ocorre, por exemplo, quando um membro de um governo ridiculariza um estudo elaborado por especialistas, apontando a necessidade de providências diferentes às que vinham sendo adotadas por este governo. Critica-se a “linguagem obscura”, os “elaborados raciocínios”, “as soluções impraticáveis”. Procura-se mostrar para o público em geral, que as medidas sugeridas são por demais “acadêmicas”, longe da “realidade prática”.

O mesmo tipo de argumentação também é empregado por aqueles que querem contrapor àquilo que chamam a “visão dos intelectuais” à “nossa visão pragmática”. Esta atitude é extensiva a todos os que promovem e mantêm um posicionamento hostil em relação a toda as atividades relacionadas ao conhecimento, à cultura. Para tais grupos, o conhecimento útil é aquele que interessa aos seus próprios objetivos (ou aos objetivos dos grupos cujos interesses defendem); sejam econômicos ou políticos. Qualquer coisa além disso, é desvalorizado e execrado como algo fantasioso; “poesia” e “filosofia”, como ordinariamente se diz.

Fica implícito, também, no que expusemos, que o anti-intelectualismo comporta boa dose de autoritarismo. Está subjacente, que posições anti-intelectuais, desvalorizando recentes e mais elaboradas concepções na ciência, na arte e no conhecimento em geral, denotam uma resistência às mudanças, ao questionamento, ao debate. Fecham-se em suas convicções, satisfazendo-se com o que sabem (e não sabem). “Não me venham com novas ideias!”

Não é por acaso que o anti-intelectualismo é aberta ou veladamente promovido por governos e políticos autoritários (ou "iliberais" como diz a nova terminologia), grupos sociais conservadores, credos religiosos dogmáticos, agremiações culturais tradicionalistas e toda gama de movimentos incapazes de se adaptarem a um contexto cultural e social igualitário e em constante mutação. 

Nos Estados Unidos, apesar de sua tradição de valorizar a cultura e a ciência com grandes investimentos e prestígio público, é habitual uma certa ironia em relação à assim chamada “alta cultura”, dos intelectuais e dos professores – principalmente na cultura de massa. Em alguns países da Europa, o anti-intelectualismo também está presente, notadamente nos mais conservadores, religiosos e nacionalistas, como a Polônia, a Hungria e a Ucrânia, entre outros. Na Alemanha de Hitler o anti-intelectualismo, principalmente aquele voltado contra os eruditos judeus, foi muito acentuado, com perseguições, fechamento de editoras e queima de livros – além de muitos e muitos assassinatos.

No Brasil, o anti-intelectualismo aumentou ao longo dos últimos dez anos, associado ao crescimento do conservadorismo político, à revalorização do neoliberalismo econômico e um gradual distanciamento de parte dos intelectuais das iniciativas culturais populares. Não se pode deixar de mencionar também a contribuição do baixo nível da educação pública, incentivos insuficientes à cultura e à divulgação científica. Colaborou também o crescimento das igrejas pentecostais e o desenvolvimento de uma cultura de massas mais individualista.

Criou-se assim no Brasil o ambiente propício para que todos os tipos de ideólogos do anti-intelectualismo, com os mais variados interesses, pudessem defender e implantar suas teses. A profilaxia contra tal doença passa pela melhoria efetiva do ensino, valorização da cultura e da ciência, e pela difusão do debate, do questionamento e do espírito crítico em todas as áreas do conhecimento.    


(Imagens: gravuras de Francisco de Goya)

Leituras diárias

sexta-feira, 19 de junho de 2020


“Em consequência das políticas neoliberais, aumentou, em todos os lugares, a instabilidade no emprego, a insegurança, a proletarização das classes médias, a redução das pensões de assistência, a perda das conquistas coletivas, o desemprego entre os jovens, o empobrecimento dos aposentados, a concentração da atividade editorial e da mídia, a mercantilização da cultura, a exploração dos bancos, a subordinação dos Estados aos mercados financeiros e às multinacionais. Todas essas violências geram outra violência sob forma de guerras entre Estados e etnias, disputas entre os pobres, xenofobia, racismo, criminalidade, droga, alcoolismo, intolerância e suicídios.” (De Masi, pág. 351)


Domenico de Masi, O futuro chegou – Modelos de vida para uma sociedade desorientada

Leituras diárias

quinta-feira, 18 de junho de 2020


“O país mais rico e poderoso do mundo – os Estados Unidos – tem um coeficiente Gini de 0,45. Isto é, distribui de modo tão ruim as próprias riquezas que, entre 195 países do mundo, apenas 41 fazem pior, e 153 o fazem melhor. A partir do governo Reagan, as desigualdades, já excessivas, cresceram ainda mais: hoje no país, 1% da população possui 25% de toda a riqueza; nos bancos americanos, a diferença entre o salário de um trabalhador médio e a de um CEO aumentou dez vezes em trinta anos. Obviamente, com o crescimento da desigualdade, crescem a criminalidade e a população carcerária.” (De Masi, pág. 384)


Domenico de Masi, O futuro chegou – Modelos de vida para uma sociedade desorientada

Leituras diária

quarta-feira, 17 de junho de 2020


“Podemos agora definir com maior precisão o significado de ‘paradigma’ entendendo como modelo capaz (sempre provisoriamente) de explicar e resolver determinados problemas científicos através de um corpus de teorias, leis, fórmulas, definições, aplicações, valores, instrumentos e exemplos práticos (Kuhn os chama ‘exemplares’) compartilhados pelos membros de uma determinada escola científica.” (De Masi, pág. 337)


Domenico de Masi, O futuro chegou – Modelos de vida para uma sociedade desorientada

Notas rápidas (homenagem a C. G. Lichtenberg)

sábado, 13 de junho de 2020

"O único defeito dos escritores realmente bons, é que quase sempre fazem com que haja muitos maus e regulares."

(C. G. Lichtenberg)  



Que se dane o resto!


Passando pelas ruas dos bairros de nossas cidades, vemos terrenos cobertos de entulho e lixo. É comum que estas glebas, que poderiam até ser usadas para o plantio de árvores ou hortaliças, se tornem focos de sujeira e doenças. Pessoas que ainda descartam resíduos desta maneira demonstram ignorância sobre as consequências de seus atos e falta de civismo. A mentalidade individualista e de falta de respeito com os demais membros do grupo social a que se pertence, reflete-se também em outras áreas da sociedade brasileira.

A política do “vou resolver meu problema e que se dane o resto”, infelizmente, ainda é bastante comum no país. E este tipo de atitude ainda persiste, mesmo entre pessoas que por terem um grau de educação e poder aquisitivo acima da média, deveriam ter uma conduta mais cidadã - até como exemplo.

Uma sociedade onde não há justiça social, na qual historicamente o Estado tem servido de instrumento para defender interesses de grupos que, econômica e politicamente, dirigem a sociedade, produz este tipo de comportamento. Onde grandes fazendeiros ampliam suas posses através da invasão de terras públicas ou indígenas, sem que o Estado sistematicamente interfira. Onde se promete geração de empregos aos trabalhadores, desde que a legislação trabalhista, o valor da mão de obra, seja flexibilizada – em outras palavras, sejam tiradas garantias do trabalhador. Onde o ensino público é descuidado, porque o objetivo oculto é impedir que, através do conhecimento, a maior parte da população coloque em questão o funcionamento da sociedade. Onde se criam diversos mecanismos que dificultam que indivíduos e grupos com visão crítica em relação à exclusão social, possam ocupar cargos eletivos ou estabelecer canais de comunicação de massas. 
  
Há centenas, milhares, de outras situações em que estas atitudes se tornam patentes. O que ocorre é que a política do “vou resolver meu problema e o resto que se dane” não é apenas uma atitude individual; é política conduzida por grupos que detêm poder. Por isso, aquele ato de jogar meu entulho naquela praça pouco cuidada, não reflete apenas egoísmo; mostra uma ideologia entranhada na sociedade. 


(Imagem: C. G. Lichtenberg)

Leituras diárias

sexta-feira, 12 de junho de 2020


“Na verdade, a alta classe média comporta-se em relação às suas classes irmãs europeias e americanas tal como a pequena burguesia destes países, ansiosa por imitar os gostos da alta burguesia de seus próprios países. Desse modo, perde seu centro, ou seja, sua capacidade crítica de avaliar o mundo de forma minimamente autônoma.” (Souza, p. 129)


Jessé Souza, A classe média no espelho – Sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade

Leituras diárias

quinta-feira, 11 de junho de 2020


“Para a classe média, o tema da moralidade, que lhe permite se ver como mais virtuosa do que a elite e o povo, torna-se mais evidente em função da maior ou menor sensibilidade à questão da corrupção restrita ao Estado. Agora há boas razões para se odiar e desprezar o povo: afinal, é graças à suposta conivência deste que existem líderes populistas corruptos e inescrupulosos. A preservação do abismo social da desigualdade mais injusta pode ser agora moralizada e justificada.” (Souza, p. 121-122)


Jessé Souza, A classe média no espelho – Sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade

Leituras diárias

quarta-feira, 10 de junho de 2020

“Sem distorcer o mundo social, as classes dirigentes não podem fazer o trabalho sujo de se apropriar da riqueza social. Daí que os intelectuais e a imprensa façam, hoje em dia, o trabalho que os jagunços faziam – e ainda fazem – para os latifundiários do passado: facilitar, por meio da violência, a apropriação da riqueza coletiva.

A diferença é que a eliminação física foi substituída – desde que não se seja pobre ou negro – pelo sequestro da inteligência e da capacidade reflexiva dos homens e mulheres comuns, sob a forma de ideias que nos manipulam e nos fragilizam e tornam nosso comportamento prático hesitante e confuso. Afinal, nossa principal diferença em relação aos animais é o fato de nosso comportamento ser possibilitado e influenciado por ideias. É isso que permite que possamos aprender, desde que nos interroguemos acerca das ideias que influenciam nosso comportamento real e cotidiano.” (Souza, p. 49-50)


Jessé Souza, A classe média no espelho – Sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade

O que não aparecia

sábado, 6 de junho de 2020
"Logo que o Brasil oferecer condições morais e materiais favoráveis, o estrangeiro há de procurar esta nova Pátria   -   José de Alencar   -   Perfis parlamentares


A pandemia do covid tem chamado a atenção para aspectos da sociedade brasileira que antes passavam despercebidos. Interessante observar como a dinâmica provocada pela pandemia – o isolamento social e a suspensão da maior parte das atividades econômicas – está expondo com muita ênfase as contradições sociais e econômicas do país.

A concentração de renda e privilégios sempre fez parte do dia a dia dos brasileiros, para o bem ou para o mal, desde que o país existe como colônia, império ou república. Nos períodos autoritários, quando a censura exercia forte pressão sobre a mídia e a produção intelectual em geral, o assunto era evitado ou atenuado. Por trás das críticas à situação de iniquidade social e econômica, estava implícita a ideia de que o país, por ser uma nação nova, estava em construção, a economia em processo de crescimento e que os benefícios estavam, aos poucos, sendo distribuídos a todos. Ficou famosa a expressão bastante usada no período ditatorial, de que “era preciso fazer o bolo crescer, para depois dividir”.

O que ocorreu durante este processo todos sabemos, com maior ou menor profundidade. O país se tornou uma nação economicamente desenvolvida, com padrão mediano de desenvolvimento tecnológico, mas com enorme concentração de renda e benefícios; uma das maiores entre todos os países. Os governos que se sucederam, trataram o problema com maior ou menor atenção. Alguns com foco na economia, esperando que o crescimento econômico fosse beneficiar a todos indistintamente; trabalho e capital. Outros governos, partindo de uma visão social, procuraram criar mecanismos que também beneficiassem o trabalho – sem, porém, onerar por demais o capital.

Foi assim que, pelo menos ao longo dos últimos sessenta anos, se deu a evolução da sociedade brasileira em seus aspectos econômicos e sociais. O resultado disso, é que grande parte dos objetivos não foram alcançados. Agora, a crise do coronavírus escancarou uma situação que sempre foi ignorada ou tolerada, porque a sociedade brasileira era induzida a pensar que apesar dos percalços, a distribuição equânime de benefícios e oportunidades estava avançando.

Surgem questões que, já formuladas antes, agora se tornam prementes. Situações que exemplificam o que ocorre, quando sociedades se desenvolvem anomalamente, sem justiça social. Por que, por exemplo, existem tantas cidades, Brasil afora, que não dispõem de assistência médica para seus cidadãos? Unidades básicas de saúde (UBS) sem equipamentos ou médicos, falta de hospitais. Criaram-se milhares de municípios nos últimos sessenta anos (de 2.766 em 1960 para 5.570 em 2020), nos quais aspectos essenciais como educação e atendimento médico foram ignorados – sem falar do saneamento básico. Agora, com a pandemia, fica evidente o quanto estas populações são desrespeitadas em seu direitos, quando necessitam de atendimento médico.

O Sistema Único de Saúde (SUS), criado em 1988, tem como objetivo oferecer assistência médica de qualidade a todo cidadão. Más administrações, desvio de verbas, loteamento da instituição para cargos políticos, sempre impediram que o SUS pudesse operar com toda a sua capacidade. O atual governo chegou a aventar a possibilidade de privatizar o sistema, transferindo seus serviços para o setor privado através dos convênios médicos. Novamente, um processo de desrespeito aos direitos da maior parte da população (cerca de 70%), usuária do sistema, porque não dispõe de recursos para pagar convênio privado. Além disso, deveria ser um dos objetivos de nossos governantes, oferecer medicina de qualidade gratuita ao cidadão, como ocorre em muitos países.

Mais um aspecto colocado a nu pela pandemia, são as desumanas condições de moradia de mais de 50% da população brasileira. Somente na cidade de São Paulo, acima de 2 milhões de pessoas ainda moram em favelas, segundo reportagem recente da imprensa. Nestas aglomerações grande parte dos moradores não tem água corrente, coleta de esgotos e outros benefícios mínimos.

É desnecessário relacionar todas as mazelas enfrentadas pela parcela da população que sempre foi colocada à margem do processo de desenvolvimento, que sempre ficou esperando um “pedaço da fatia do bolo”. Saúde, educação, transporte, saneamento, moradia, melhor remuneração, além de acesso a segurança, justiça e cultura, quase sempre lhes foram negados. E a pandemia colocou isto à mostra.

A sociedade brasileira usará esta oportunidade para mudar suas relações econômicas e sociais? Ou continuaremos no mesmo jogo infantil, com políticos que misturam religião e nacionalismo barato tentando iludir a população, enquanto grupos se aproveitam da situação, como sempre fizeram?  

 (Imagens: fotografias de TS Satyan)

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

sexta-feira, 5 de junho de 2020

COMO O BRASIL ESTÁ CONSERVANDO OS RECURSOS NATURAIS?

SANEAMENTO, FLORESTAS, AGRICULTURA, CIDADES, CONSUMO.

Leituras diárias



“A posição científica do dualismo de substâncias é que não há separação entre corpo e mente. É uma ilusão tão falsa quanto o quadrado invisível que vimos no começo. Humanos são autômatos conscientes. Nosso corpo gera nossa mente. Quando o corpo morre, a mente também morre. No entanto, a teoria do autômato consciente é ao mesmo tempo repulsiva e artificial demais para ser aceita pela maioria das pessoas. Além disso, a impressão de que temos livre-arbítrio voluntário em ação na nossa mente pode ser também uma ilusão. O livre-arbítrio requer que alguém (ou que alguns fantasmas) esteja dentro da nossa cabeça tomando as decisões, e isso só nos coloca dentro de uma espiral sem fim. Quem está dentro da cabeça dele, e assim por diante?” (Hood, p. 274-275)


Bruce M. Hood, Supersentido – Por que acreditamos no inacreditável

Leituras diárias

quinta-feira, 4 de junho de 2020


“Observamos culturas antigas para encontrar conhecimento pré-científico, uma vida mais simples e desenvolvimento espiritual. Queremos voltar para a natureza. Nós convenientemente esquecemos ou ignoramos a dura observação de Thomas Hobbes de que a vida naquela época era ‘pobre, dura brutal e curta.'” (Hood, p. 111)


Bruce M. Hood, Supersentido – Por que acreditamos no inacreditável

Leituras diárias

quarta-feira, 3 de junho de 2020


“Se os achados dos estudos genéticos se mantiverem firmes, significa que há algo nos nossos genes que contribui para construir cérebros que estejam predispostos a crer. Se esse for o caso, as pessoas em ambos os lados do debate sobre as verdadeiras origens das crenças vão ficar muito aborrecidas, porque a explicação talvez seja de que não temos o direito de escolha. Em outras palavras, não há livre-arbítrio para tomar a decisão de acreditar ou não.” (Hood, p. 155)


Bruce M. Hood, Supersentido – Por que acreditamos no inacreditável