Leituras diárias

sexta-feira, 31 de julho de 2020


“Essa espécie de mal-estar quando tentamos imaginar a vida cotidiana dos grandes homens... Por volta das duas da tarde, o que fazia Sócrates?” (Cioran, pág. 21)


E. M. Cioran, Silogismos da amargura



Leituras diárias

quinta-feira, 30 de julho de 2020


“Há países que gozam de uma espécie de bênção, de graça: tudo lhes sai bem, mesmo as desgraças, mesmo as catástrofes; há outros que não conseguem cumprir-se, e cujos triunfos equivalem a fracassos. Quando querem afirmar-se e dão um salto em frente, uma fatalidade exterior intervém para quebrar o seu ímpeto e os reconduzir ao ponto de partida. Todas as oportunidades lhes são subtraídas, mesmo a do ridículo.” (Cioran, pág. 43)


E. M. Cioran, A tentação de existir

Leituras diárias

quarta-feira, 29 de julho de 2020


“Cada época tende a pensar que é, de algum modo, a última, que com ela se fecha um ciclo ou todos os ciclos. Hoje, como ontem, concebemos mais facilmente o inferno do que a idade de ouro, o apocalipse do que a utopia, e a ideia de uma catástrofe cósmica nos é tão familiar quanto o era para os budistas, para os pré-socráticos ou para os estóicos.” (Cioran, pág. 33)


E. M. Cioran, Exercícios de Admiração


25 de julho - Dia do escritor

sábado, 25 de julho de 2020

Eleições municipais e meio ambiente

"Os políticos não são os inventores da religião. Os que puseram os bois à canga já encontraram seus chifres prontos."   -   Voltaire   -   Aforismos, sentenças e julgamentos salomônicos


As eleições municipais brasileiras foram definitivamente prorrogadas para 15 de novembro (primeiro turno) e 29 de novembro de 2020 (segundo turno). Nas cidades brasileiras, partidos e postulantes se preparam para o pleito. Candidatos e apoiadores organizam rodadas de discussões, debatendo temas e propostas que serão incluídos nos programas de governo das novas administrações, que tomarão posse em 2021.

Quais as novidades destes programas? Provavelmente muito poucas, limitadas a aspectos pontuais; sugestões que surgiram de ideias desenvolvidas a partir de deficiências identificadas ao longo das gestões ainda em curso. Na maior parte dos casos, trata-se apenas de reafirmar e definitivamente colocar em prática projetos e procedimentos que já existiam – como promessa – em administrações anteriores, mas nunca saíram do papel.

Pouco de novo poderá ser realizado pelos prefeitos e vereadores que assumirão seus cargos em 2021. A pandemia do coronavírus e a recessão econômica, têm e terão um forte impacto na disponibilidade de recursos financeiros. Grande parte das prefeituras estão e continuarão descapitalizadas, com a queda das receitas municipais e dos repasses dos governos estaduais e federal. As previsões de uma recuperação perceptível da economia foram postergadas para 2022 ou 2023. Dependendo da região onde se localiza, do tipo de atividade e das características do município, a demora poderá ser ainda maior.

Um dos aspectos que será de grande influência na recuperação e futuro desenvolvimento do município é a questão ambiental. Além do subjetivo argumento da qualidade do vida do cidadão, já estabelecido na Constituição de 1988 mas até agora pouco considerado – tanto a nível federal, estadual como municipal –, existem outras dimensões mais práticas e imediatas a serem ponderadas. A implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada ainda no final do segundo governo do presidente Lula, continua, depois de duas prorrogações votadas pelo Congresso, a ser uma grande promessa na quase totalidade dos municípios brasileiros. Cerca de 60% dos municípios já elaboraram um programa de gestão de resíduos urbanos mas não dispõem de fundos para transformar a teoria em prática.  

A questão do saneamento; o tratamento de água, coleta e tratamento de esgoto, são problemas que, em um tópico ou outro ainda não estão solucionados em cerca de 60% dos municípios brasileiros. Mesmo nas cidades contando com uma boa rede de saneamento, persistem problemas como a qualidade e a perda de água potável ao longo da tubulações. O planejamento hídrico de várias regiões do Brasil precisa ser atualizado e aprimorado, já que a carestia de água está assumindo uma regularidade crescente em vastas áreas das regiões Sul e Sudeste. O projeto recentemente aprovado pelo Congresso, que permite a participação do setor privado no saneamento, ainda permanece uma grande incógnita sob diversos aspectos.

Ainda no elenco das grandes temas a serem enfrentados pelos novos prefeitos e vereadores, podemos incluir a questão da crise climática. Ignorada pelo governo federal, cujos ministros consideram o assunto sem importância ou até fantasioso, a situação está aí, colocada. Sinais de que a matéria está ganhando crescente atenção no exterior e por parte de grandes grupos financeiros não faltam. Recentemente, uma comunidade de grandes investidores da Europa, Ásia e Estados Unidos se manifestou através de cartas endereçadas às embaixadas brasileiras na Europa. Nestes primeiros dias de julho de 2020, um grupo de 40 grandes empresários brasileiros, entre os quais executivos de empresas como Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Klabin, Suzano, Cargill, Mafrig, Natura, Cosan, Bayer, Microsoft, Michelin, Shell e Vale, reuniu-se com o vice-presidente Hamilton Mourão, para discutir a situação dos desmatamentos na Amazônia e outros temas ambientais.

A contribuição dos municípios à questão climática, principalmente dos pequenos, será limitada. Mas conteúdos como gestão de aterros e transporte público, atividades geradoras de emissão de gases poluentes, deverão estar na pauta de qualquer administração, seja do futuro prefeito da cidade de São Paulo ou de São Gabriel da Cachoeira, município no estado do Amazonas. Planejamento para as próximas décadas não é necessário apenas para as grandes cidades; os médios e pequenos municípios também precisam admitir que novos desafios político-ambientais afetarão impreterivelmente a todos, cedo ou tarde. Manutenção de parque municipais e ampliação da arborização urbana, além da educação ambiental nas escolas, também são pontos que, desde já, precisam constar dos planos de governo dos administradores municipais que tomarão posse em alguns meses.

Apesar de ainda estarmos imersos na crise médica, social, econômica e política que cerca a pandemia do coronavírus – assim como todos os países e cidades do planeta –, precisamos agir com vistas ao futuro, às próximas gerações. A crise do coronavírus passará em mais alguns meses. Mas a crise climática e ambiental, mais profunda e com potencial destruidor bem maior a médio e longo prazos, permanecerá. Esperemos que todos, candidatos e eleitores, considerem esta realidade.


(Imagens: pinturas de Vicente do Rego Monteiro)


Leituras diárias

sexta-feira, 24 de julho de 2020


Entreouvido em Atenas. – Ao ver Diógenes ocupado em limpar vegetais ao pé de um chafariz, Platão aproximou-se do filósofo rival e alfinetou: ‘Se você fizesse corte a Dionísio [rei de Siracusa], não precisaria lavar vegetais’. E Diógenes, no mesmo tom sereno, retorquiu: ‘É verdade, Platão, mas se você lavasse vegetais você não estaria fazendo a corte a Dionísio.’” (Gianetti, pág. 85)


Eduardo Giannetti, Trópicos utópicos

Leituras diárias

quinta-feira, 23 de julho de 2020


“O Ocidente tecnoconsumista promoveu uma aceleração do trabalho e da cobiça por riqueza como jamais o mundo conheceu; a utilidade e a eficiência tornaram-se a pedra de toque de todas as escolhas e conclusões. Mas, em vez de se libertarem do jugo da necessidade e do primado da economia sobre suas vidas, como imaginava Keynes e os grandes economistas clássicos, as sociedades ocidentais se precipitaram, como que tomadas por louca compulsão, rumo à reprodução da riqueza e da necessidade numa escala ampliada. E tudo em nome do quê? Tudo em nome de um mundo em que o comércio dá as cartas e se insinua cada vez mais como alma-vácuo da cultura; um mundo em que todos se veem compelidos a atiçar desejos de consumo uns nos outros simplesmente para se manterem à tona dos seus gastos; em que pessoas esperam cada vez mais dos seus gadgets e pílulas miraculosas, mas cada vez menos umas das outras em suas relações pessoais e amorosas; em que a solidão e a má sociabilidade crescem na razão direta da interconectividade e do avanço das técnicas de comunicação.” (Gianetti, pág. 169)


Eduardo Giannetti, Trópicos utópicos

Leituras diárias

quarta-feira, 22 de julho de 2020


“E se vivêssemos, cada um de nós, não apenas um punhado de décadas, mas centenas de milhares ou milhões de anos? O valor da vida e o enigma da existência renderiam, por conta disso, os seus segredos? E se nos fosse concedida a imortalidade, isso teria o dom de aplacar de uma vez por todas o nosso desamparo cósmico e inquietação? Não creio. Mas o enfado, para muitos, seria difícil suportar.” (Gianetti, pág. 30)


Eduardo Giannetti, Trópicos utópicos

Preservação da Amazônia ainda sem solução

sábado, 18 de julho de 2020
"Há pessoas que acreditam que tudo que se faz com um semblante sério é razoável."   -   Georg Christoph Lichtenberg   -   Aforismos 


O governo Bolsonaro está sob grande bombardeio internacional (para utilizar uma analogia militar cara ao ex-capitão), no que se relaciona às questões ambientais, sobretudo a preservação da floresta amazônica. Se, no ano passado, líderes da Noruega, Alemanha e França manifestaram-se publicamente, criticando a tolerância do governo brasileiro com o aumento dos incêndios na floresta, agora é a vez dos empresários. Recentemente, titulares de grandes fundos de investimento da Ásia, Europa e Estados Unidos, transmitiram sua preocupação com o problema aos embaixadores brasileiros de capitais europeias. No Brasil, executivos de corporações nacionais e multinacionais reuniram-se com o vice-presidente Mourão pelo mesmo motivo.

O governo brasileiro, aparentemente, tenta contornar o problema de várias maneiras, sem, no entanto, apresentar planos e metas que visem refrear o desmatamento. Há algumas semanas, por exemplo, o presidente Bolsonaro declarou que a imagem do país “não está boa” no exterior por causa da “desinformação”. Ainda na linha das declarações, o ministro Paulo Guedes afirmou em recente videoconferência promovida pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que “o Brasil é um país que alimenta o mundo preservando o meio ambiente”. O vice-presidente Mourão, por sua vez, afirmou que no segundo semestre de 2020 as queimadas terão uma redução, o que poderá trazer de volta os investimentos ao país.

Declarações, mesmo vindas do alto escalão do governo, de pouco adiantam. Desde o início de 2019 o mundo já se acostumou a elas, sem que ocorressem mudanças. Em muitos casos, tais pronunciamentos tem como alvo o público interno do país, atendendo a maior parte da população, pouco informada sobre o tema. Igualmente, de pouco adianta exercer pressão sobre o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão que faz o monitoramento dos desmatamentos e queimadas na Amazônia, destituindo sucessivos diretores – Ricardo Galvão em 2019, e Lubia Vinhas em julho de 2020. As imagens de satélite utilizadas pelo órgão, também estão disponíveis para agências governamentais e não-governamentais de todo o mundo, de maneira que de nada adianta tentar tapar o sol com a peneira.

Parece existir pouca vontade por parte do governo, quando o assunto é o controle e a preservação da floresta amazônica. Ainda em novembro de 2019, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – aquele que na famosa reunião ministerial falou em “passar a boiada”, referindo-se à flexibilização do controle ambiental –, disse que o governo pretendia reduzir o desmatamento na Amazônia Legal. Sem que apresentasse planos ou metas, o tempo passou e o desflorestamento só veio a aumentar. A situação financeira do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), órgão de controle subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, também não é boa: de 2019 para 2020 o orçamento da instituição já foi reduzido em 14,8% e para 2021 o governo prevê outro corte de até 20%.

A queimada sempre está associada à invasão de terras; sejam áreas indígenas, de preservação ou territórios ainda pertencentes ao Estado, as chamadas “terras devolutas”. Madeireiros, garimpeiros e grileiros exploram, destroem e ocupam áreas extensas, sem que ocorra um controle destas atividades. Apesar disso, os gastos do governo com inspeção florestal foram reduzidos de 17,4 milhões de reais nos primeiros cinco meses de 2019, para 5,3 milhões de reais no mesmo período de 2020. O mesmo corte de recursos ocorreu no Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que passou de 436 milhões de reais em 2019 para 247 milhões de reais neste ano.

A situação está colocando o governo sob pressão. Além de ser chamado constantemente pela imprensa internacional de “vilão ambiental do planeta” e ser criticado por organizações não-governamentais durante manifestações públicas, principalmente na Europa, o governo Bolsonaro também será confrontado com outras ameaças políticas e econômicas mais graves. O agronegócio, por exemplo, setor da economia que mais gera receitas para a balança comercial brasileira, é constantemente solicitado a explicar a relação de suas atividades com a floresta e o desmatamento. Tanto é que, recentemente, 47 grandes empresas nacionais e estrangeiras assinaram e divulgaram um manifesto, endereçado ao vice-presidente Mourão, coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal, no qual expõe “a preocupação com o impacto nos negócios da atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior, em relação às questões socioambientais na Amazônia”.

Outro motivo de preocupação para o governo brasileiro é a eventual vitória do partido democrata nas próximas eleições presidenciais americanas. Depois de seguir grande parte da agenda e das atitudes do presidente Trump no que se refere à questão ambiental – corte de verbas das agências governamentais, paralização de programas e negacionismo climático – Bolsonaro terá que rever suas posições. Se eleito, o democrata Joe Biden terá um forte protagonismo ambiental. Com relação ao Brasil, planeja ajudar na preservação da Amazônia e no combate aos incêndios na região. Internamente, o Itamarati já está se ocupando deste fato, dado que o atual Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é um contumaz negacionista climático, o que aumentaria ainda mais a pressão da nova administração americana sobre o governo Bolsonaro.  

O Acordo do Mercosul também corre risco de não ser assinado, principalmente devido à questão do desmatamento. À Áustria, que por questões ambientais já havia se colocado oficialmente contra o tratado em 2019, juntou-se agora a Holanda, cujos parlamentares assinaram uma moção contra a ratificação do acordo, pelos mesmos motivos. Na Alemanha, maior defensora do acordo, entidades civis dão sinais de que farão oposição, por causa da situação na Amazônia. Assim, a oposição ao Acordo do Mercosul parece se alastrar por toda a Europa: ambientalistas e grupos de consumidores pressionam supermercados por causa dos produtos importados do Brasil. Em início de julho, esta iniciativa obteve o apoio da Conferência de Bispos da Áustria, da organização não-governamental Slow Food Europe, da francesa Ligue des Droits de L’Homme, da Greenpeace, Friends of the Earth e alguns dos maiores sindicatos da Holanda, Espanha e Itália.

Já passa da hora do Brasil estabelecer e implantar um plano de ação para combater o desmatamento e a invasão de terras indígenas na Amazônia. Enquanto aumentam os efeitos da crise climática – negada por integrantes do atual governo –, destrói-se parte da biodiversidade e deterioram os recursos naturais, que deveriam ser utilizados pelos próprios amazônidas de forma sustentável. A visão de que é necessário “trazer o progresso” (qual progresso?) à região, de que “o índio se integre à sociedade” (qual sociedade?), associada à suspeita de que potências estrangeiras ou organizações não-governamentais querem ocupar territórios na Amazônia, não pode servir mais como fundamento de políticas para a região. Ou se encaminha definitivamente uma política de ações de conservação para a região, ou corremos o risco de desfigurá-la definitivamente em algumas décadas. Esta destruição, se não evitada, terá graves consequências econômicas, sociais e climáticas em outras regiões do país, da América do Sul e do mundo.       

(Imagens: pinturas de Giacomo Balla)

Leituras diárias

sexta-feira, 17 de julho de 2020


“Tais descobertas sugerem que uma possível vantagem evolucionária dos genes que fazem com que tenhamos necessidade de crer em algo maior que nós mesmos – o que eu chamo de ‘genes de Deus’ – é o aprimoramento da saúde e longevidade. Se pessoas que carregam os genes que estimulam a fé e a espiritualidade são menos propensas a adoecer e morrer, elas também têm mais chances de passar esses genes para os filhos.” (Hamer, pag. 181)


Dean Hamer, O gene de Deus – Como a herança genética pode determinar a fé

Leituras diárias

quinta-feira, 16 de julho de 2020


“O biólogo evolucionário Edward O. Wilson considera a religião ‘o maior desafio da sociobiologia humana e sua mais empolgante oportunidade para progredir como uma verdadeira disciplina teórica legítima’. Embora eu concorde com tal afirmação, a ciência ainda luta para vencer esse desafio.” (Hamer, pag. 174)


Dean Hamer, O gene de Deus – Como a herança genética pode determinar a fé

Leituras diárias

quarta-feira, 15 de julho de 2020


“Os resultados mostraram que, embora a religiosidade tenha um componente genético, é muito menos expressivo do que o da espiritualidade. Ao contrário da espiritualidade, a religião não se transmite primariamente por genes, mas por memes: unidades de cultura auto-reprodutíveis, conceitos passados de uma pessoa para outra por meio da escrita, da fala, de rituais e imitações.” (Hamer, pag. 27)


Dean Hamer, O gene de Deus – Como a herança genética pode determinar a fé

Livros, livros, livros

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Peter Zapffe, filósofo trágico

sábado, 11 de julho de 2020

A espécie humana vem do nada e retorna ao nada. Além disso, não há nada.”      Peter Wessel Zapffe


Vida e obra


Peter Werner Zapffe nasceu no dia 18 de dezembro de 1899, na gélida cidade norueguesa de Tronso, situada a 350 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico. Dotado de grande capacidade literária e fértil imaginação, Zappfe escreveu sua monografia de graduação para o curso de Direito em versos. O texto do poema ainda se encontra exposto na biblioteca da universidade de Oslo. Formado em direito, passa a advogar e depois se torna juiz.

Grande leitor, Zapffe aprofunda-se na obra de seu conterrâneo, o dramaturgo Henrik Ibsen (1828-1906). Considerado um dos mais poéticos e profundos escritores da tradição europeia, Ibsen tinha um olhar crítico, e através de suas peças analisava a realidade por trás das convenções sociais e morais de sua época. Sua obra influenciou escritores como George Bernard Shaw, Oscar Wilde e James Joyce. Profundamente impressionado com os temas abordados por Ibsen, Zapffe decide voltar aos estudos formais, à universidade, “para entender a ardente questão que significa ser humano”, segundo escreve mais tarde.

Em suas pesquisas filosóficas Zapffe desenvolveu um pensamento existencialista bastante original, influenciado principalmente pelas ideias dos pensadores alemães Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900), já que em seu país, até aquela época, não havia uma tradição filosófica consolidada.

Pessimismo filosófico e visão fatalista da existência humana marcam a produção intelectual de Zapffe. Os pontos dos quais parte em sua exposição filosófica é que o homem nasce com capacidades de compreensão, raciocínio e autoconhecimento superdesenvolvidos, mas não se adapta aos desígnios da natureza. A procura de uma resposta para os enigmas da vida e da morte não pode ser satisfeita; trata-se de uma necessidade que a natureza não pode atender. A tragédia, segundo o pensamento de Zapffe, é que não encontrando solução, os humanos usam todo seu tempo de vida tentando não ser humanos, ou seja, tentando ser o que não são através de ilusões.

Por essa razão o ser humano é um paradoxo. Desenvolveu um anseio por um objetivo metafísico – justiça e sentido –, mas está destinado à frustração em seu ambiente real. O processo da vida é insensível em relação aos entes que cria e destrói ao longo de sua perpetuação. Enquanto que nenhuma criatura viva consegue escapar desta carnificina, somente os humanos carregam o peso desta consciência. Por isso, “um mundo inabitado”, escreve Zapffe, “não seria algo desafortunado”.

Desta forma Zapffe desenvolveu um pensamento existencialista bastante original, diferente das visões mais otimistas de Albert Camus e Martin Heidegger, comparável em alguns pontos ao do romeno Emil Cioran. A biologia evolucionista do estoniano alemão Jakob Jahann von Uexküll (1864-1944) também contribuiu para a formação da filosofia de Zapffe. Esta convergência da filosofia com a biologia veio a ser conhecida como biosofia (biosophy), da qual o pensador norueguês foi um dos mais importantes representantes, tendo influenciado outros filósofos noruegueses, como Arne Ness e Herman Tonnessen. A biosofia tem um importante papel na complexa compreensão da moralidade e da ética na obra de Zapffe.

A primeira e mais importante obra de Zapffe é um ensaio, que acabou se tornando seu texto mais famoso fora da Noruega até o momento: O último Messias (1933). Com este trabalho, de clara feição existencialista, Zapffe influenciou a posterior filosofia norueguesa. Em seu texto também encontramos uma crítica a ideologias de sua época, como a eugenia – compartilhada pelas elites e grupos políticos do início do século – e a visão teleológica da evolução biológica e do desenvolvimento tecnológico.

O ensaio tem início com a fábula de um caçador primitivo, que deixando sua caverna à noite para caçar, é repentinamente tomado por compaixão para com sua presa, caindo em profunda crise existencial. Nesta fábula, Zapffe remete a dois grandes relatos da cultura ocidental. Primeiro, faz referência à alegoria da Caverna, do livro Da República de Platão, o qual também narra a história de alguém que se dá conta de fatos que ignorava, quando sai da caverna que habitava. O segundo relato ao qual a fábula de Zapffe faz referência é a história da Queda do Homem, no Livro do Gênesis. Zapffe mostra que seu homem das cavernas era alguém com excessiva capacidade de compreensão. A evolução, argumenta o texto, cometeu um excesso ao formar o cérebro humano da maneira como é. Zapffe compara o homem ao grande cervo irlandês (cervis giganticus), que vivendo até o final do Pleistoceno (há 12 mil anos), foi extinto por causa do tamanho que sua galhada atingiu ao longo de gerações, dificultando sua sobrevivência.

Os humanos, segundo o filósofo, podem perceber que cada ser individual é um efêmero elo no fluxo da vida, sujeito às mais duras contingências em seu caminho para o inevitável aniquilamento. No entanto, raramente se desesperam com esta ideia, já que nossos cérebros evoluíram para um processo de autocensura e fantasia, cuja manifestação prática, segundo Zapffe, é o que chamamos de cultura ou civilização. Incorporando conceitos de Sigmund Freud, bastante atuais à época, Zapffe escreve que “a maior parte das pessoas consegue se salvar, ao artificialmente limitar o conteúdo de sua consciência”.

Estes mecanismos dos quais os seres humanos se utilizam para evitar encarar as contingências de suas vidas funcionam:

- Através do que Zapffe denomina de “isolamento”; uma dispensa completamente arbitrária da consciência, de todos os pensamentos e sentimentos perturbadores e destruidores. Exemplo desta atitude são os “certos tipos de médicos que, para se protegerem, veem apenas aspectos técnicos de sua profissão”, nos quais os aspectos trágicos da vida são reprimidos;

- “Ancoragem”, para o filósofo, é a criação de barreiras mentais em torno da consciência, a fim de dar-lhe segurança. Através deste mecanismo o indivíduo se apega a valores, ideais, instituições ou indivíduos, afastando ameaças estranhas que inspirem insegurança. Escreve Zapffe: “As ancoragens publicamente úteis são consideradas com simpatia, e aquele que se ‘sacrifica totalmente’ pela sua ancoragem (a empresa, a causa) é idolatrado. Terá erguido uma muralha poderosa contra a dissolução da vida”;

- “Distração” significa manter a atenção em limites críticos, constantemente alimentanda com impressões. A distração é a constante atividade, a fim de evitar que a mente volte a ocupar-se de si mesma, de suas questões. O filósofo Blaise Pascal define este mecanismo de defesa da seguinte maneira: “Divertimento – Não tendo conseguido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se, para ser felizes, de não pensar nisso tudo.”;

- “Sublimação” é o ato de focar energia longe de impressões negativas, direcionando-a para aspectos e fatos positivos. Com isso os indivíduos se distanciam de si mesmos e encaram sua existência de um ponto de vista estático, como por exemplo os escritores, poetas e pintores. Zapffe mesmo assinalou que seus trabalhos foram produtos de sublimação.

O filósofo nos adverte de que a civilização não poderá ser mantida indefinidamente, e que o avanço tecnológico não representa a solução para a humanidade, ao contrário: “porque, à medida que uma fração cada vez maior das faculdades cognitivas se retira do jogo contra o ambiente, há um crescente ‘desemprego espiritual’”.

Em uma finalização memorável de seu texto, Zapffe paga seu tributo a Platão e Moisés (o qual, segundo a tradição judaico-cristã foi o autor do livro do Gênesis), prevendo o aparecimento de um Último Messias, em um atormentado futuro. Com este personagem Zapffe faz uma referência ao “Super-homem” (Übermensch – além do homem), de Friedrich Nietzsche. Assim, o Último Messias, este profeta da desgraça, um herdeiro do visionário Homem da Caverna, será mal fadado, como seu antepassado. Isto porque suas palavras subvertem o preceito bíblico “sede férteis e multiplicai-vos! Povoai e sujeitai toda a terra” e desagrada a seus concidadãos ao proclamar: “Conheçam a si mesmos – sejam inférteis e deixem a terra em silêncio depois de vocês.”

As ideias de Zapffe, esquematizadas no “Último Messias”, foram desenvolvidas mais pormenorizadamente em um grande tratado chamado Om det tragiske (Sobre o trágico, 1941), publicado durante a 2ª Guerra Mundial. Esta obra foi escrita à mesma época em que o francês, Jean-Paul Sartre, criava sua filosofia mais tarde chamada de existencialismo. Enquanto Sartre escrevia sua obra em uma língua universal, Zapffe escrevia em norueguês, língua pouco conhecida na Europa. Esta é uma das razões por sua obra permanecer quase desconhecida. Tivesse seu trabalho traduzido para o alemão, francês ou inglês, teria se incorporado aos clássicos da moderna filosofia.  

Cabe aqui uma comparação com outro pensador, contemporâneo de Zapffe e também vivendo em um país cuja língua não é extensamente conhecida. Trata-se do pensador romeno Emil Cioran (1911-1995). Nascido na Transilvânia, estudou filosofia na Universidade de Bucareste e mais tarde se fixou em Paris, onde tornou-se famoso por sua filosofia altamente pessimista. Seu pensamento, assim como o de Zapffe, também foi influenciado pelos escritos de Schopenhauer e Nietzsche. Tivesse Cioran permanecido na Romênia, sua obra, como a de Zapffe, seria menos famosa.

Em Sobre o Trágico, Zapffe amplia e aprofunda as ideias delineadas em O Último Messias, sob a ótica de um pensamento trágico, influenciado pela biologia darwinista. Os mais importantes conceitos do livros são:

- Como toda as espécies viventes, o ser humano nasce com certo número de necessidades: de alimento, abrigo, segurança, entre outras. Estas necessidades são facilmente atendidas. Nós humanos, no entanto, temos uma necessidade adicional, não partilhada por nenhuma outra espécie: sentido para a vida. A esta conclusão também já chegara o filósofo Friedrich Nietzsche. Esta carência não poderá nunca ser satisfeita, sob risco de nos enganarmos a nós mesmos. Podemos nos iludir através da crença em um falso sentido para a vida, ou podemos ser honestos e perceber que a vida não tem um sentido dado por alguma condição ou agente externo.

- Zapffe distingue entre duas maneiras de sentido para a vida. Sentido “na vida”, que tem uma acepção primariamente local; enquanto sentido “da vida” é, necessariamente, uma perspectiva global. Assim, apesar de algumas atividades na vida terem um sentido autotélico (que têm sentido em si mesmo), isto não significa forçosamente de que a vida, como um todo, tenha um sentido autotélico. Afirma que não é suficiente dizer que a vida é vivida por seu próprio sentido, de que tem valor autotélico; é necessária uma justificativa externa, ou sentido que está fora da vida. Com isso Zapffe conclui que a vida é sem sentido, já que nossas vidas não podem ser justificadas externamente. Argumenta que sentido “na vida” para certas atividades tem um valor somente por um período limitado de tempo, porque, eventualmente, pode ocorrer que estas atividades dependam de fatores externos ou do ambiente, para que tenham sentido. Apesar de afirmar que “projetos metafísicos” são impossíveis para os humanos, insiste, no entanto, que o ser humano deve procurar, ou mesmo exigir, justiça.  

- Ainda nesta obra, Zapffe distingue quatro diferentes tipos de interesses que são básicos na natureza humana, ou seja: o interesse biológico, o social, o autotélico e os interesses metafísicos. Interesses biológicos se referem à nossa necessidade de alimentos, enquanto que interesses sociais dizem respeito às nossas relações com nossos semelhantes (que vão além dos interesses biológicos). Interesses autotélicos evidenciam nossas atividades que têm seu fim em si mesmas e procuram por seus próprios interesses, ou seja, atividades que são biológica ou socialmente sem valor, mas têm valor intrínseco mesmo assim. Interesses metafísicos, são aqueles que Zapffe considera os mais importantes, e que apontam nossa necessidade de justiça e sentido de vida.

- Zapffe utiliza o vinho como exemplo para estes quatro interesses. O vinho tem um valor biológico, por proporcionar bebida e alimento. Tem valor social em jantares e reuniões, e valor autotélico por ser saboroso e intoxicante. Finalmente, o vinho tem um valor metafísico para cristãos que participam na eucaristia, por contribuir no significado e na justificação, os quais transcendem outros interesses.

- Diferentemente do existencialismo sartriano, que apesar de suas análises realistas da vida humana é uma doutrina otimista em seus termos, a visão que Zapffe tem da existência é desanimadora, desoladora. Com exemplos tirados da literatura universal, da política e das artes em geral, o autor tenta mostrar em seu livro que todas as atividades humanas são, em última instância, fúteis.

Zapffe era uma figura de personalidade complexa, irônico e com grande senso de humor. Além de advogado, jurista e filósofo, também foi ambientalista, antes que este tipo de atividade se tornasse comum. Grande aficionado do montanhismo, praticava a fotografia e era escritor, tendo escrito um livro de histórias e anedotas sobre sua região de origem. Um de seus trabalhos mais populares é uma coleção de ensaios sobre a vida ao ar livre Barske glaeder (Prazeres rústicos). Mesmo sua opera magna filosófica, Sobre o Trágico, é recheada de um humor burlesco, a ponto de um crítico norueguês ter chamado Zapffe de “o Chaplin da filosofia”.

Zapffe influenciou fortemente o movimento ambientalista norueguês, e foi amigo e colaborador de Arne Ness, (1912-2009), filósofo e criador da ecologia profunda (deep ecology). Naess iniciou seus estudos de ecologia relativamente tarde em sua vida, quando se aproximava dos sessenta anos. Dizia que o movimento ambientalista, surgido no pós-guerra, falhava ao encarar a questão ambiental de uma maneira superficial, deixando de levar em conta pressupostos culturais e filosóficos. Cunhou então a distinção entre a “ecologia rasa” e a “ecologia profunda”. Além da visão pragmática e utilitária de governos e empresas, Naess defendia uma ecologia que levasse em conta as complexas relações entre os seres vivos, valorizando a biodiversidade. Diferentemente da cultura fortemente centrada no antropomorfismo, que caracteriza a cultura industrial europeia e americana, a ecologia profunda argumenta que a filosofia ambientalista precisa reconhecer valores que estão inerentes na natureza, independentemente de expectativas, necessidades e desejos humanos. Escreve Arne Naess em Long-range Ecology Movement (Movimento ecológico de longo alcance): “O movimento ecológico raso está preocupado em lutar contra a poluição e o esgotamento dos recursos. Seu objetivo principal é a saúde, a abundância para pessoas nos países desenvolvidos. A ecologia profunda tem preocupações mais profundas que têm a ver com princípios de diversidade, complexidade, autonomia, descentralização, simbiose, igualitarismo e ausência de classes.”

Outro filósofo e escritor norueguês ligado a Zapffe foi Herman Tonnessen (1918-2001). Foi colega de estudos de Arne Naess e mais tarde professor de filosofia, na Universidade da California, nos Estados Unidos, e depois na Universidade de Alberta, no Canadá. Seu pensamento sofreu influência de Arthur Schopenhauer e de seu conterrâneo Peter Wessel Zapffe. Tonnessen é autor, entre outros, do ensaio Hapiness is for the pigs: philosophy versus psychotherapy, 1966 (A felicidade é para os porcos: filosofia versus psicoterapia). Neste livro Tonnessen defende um pessimismo filosófico ainda maior do que o de seu mentor, Zapffe. Assim, se Zapffe dizia que “a vida não tem sentido”, Tonnessen escreve que a vida “não chega nem a ser sem sentido”.

Seguindo seus princípios de antinatalismo, Zapffe, que foi casado duas vezes – com a última esposa, Britt Zapffe, viveu durante 47 anos – não teve filhos. Faleceu na cidade de Asker, na Noruega, em 12 de outubro de 1990. A única herança que o filósofo deixou para a posteridade, além de sua obra, foi dar seu nome a uma montanha da região do Círculo Polar Ártico da Noruega, a qual ele foi o primeiro a escalar. Em uma carta datada de 1990 (ano da sua morte), descreve sua visão da vida: “A espécie humana vem do nada e retorna ao nada. Além disso, não há nada.”

Zapffe foi, acima de tudo, conhecido como um filósofo trágico. Sua filosofia foi uma fina associação entre a biologia darwinista e a visão de que tudo o que é grande irá eventualmente decair e desaparecer. Este princípio Zapffe também considerava válido para a raça humana. Acreditava que a humanidade havia se excluído da natureza, com o desenvolvimento da racionalidade e da ciência. Este modo de vida levaria inevitavelmente ao desaparecimento do homem; esta é a maneira como a natureza funciona. Ao final de seu último livro, Zapffe escreve, respondendo a todos que se desesperam com tal visão: “Infelizmente”, diz o pessimista brincalhão, “não posso ajudá-los. Tudo o que tenho para enfrentar a morte, é um sorriso ridículo”.


Principais obras do autor

- Sobre o trágico, 1941 e 1983;
- O filho Pródigo, uma nova narrativa dramática, Oslo 1951;
- Introdução à dramaturgia literária, Oslo 1961;
- A caixa de areia lógica: lógica elementar para universidade e estudo individual, Oslo 1965;
- Ensaios e epístolas, Oslo 1967;
- Alegria brutas e outros temas de uma vida vivida ao ar livre, 1969;
- Alegrias durasse outros temas de uma vida vivida sob céu aberto, Oslo 1969;
- Pentecostes: quatro diálogos com Jorgen, Oslo 1972;
- O reino secreto: uma pequena biografia de Jesus, 1985;
- Como me torneio tão esperto e outros textos, Oslo 1986;
- Doutor Wangel: uma comédia séria em cinco atos, Oslo 1994;

A maior parte das obras de Peter Wessel Zapffe ainda não têm tradução para outras línguas. Apenas O Último Messias e Sobre o Trágico estão disponíveis em inglês.
Em português O Último Messias está disponível no blog Blog: “A frescura da relva” <https://afrescuradarelva.wordpress.com/2014/03/27/o-ultimo-messias/>

  
Citações de Peter Wessel Zappfe

O homem é um animal trágico. Não porque seja pequeno, mas porque é por demais dotado. O homem tem aspirações e necessidades espirituais que a realidade não pode atender. Temos expectativas de um mundo justo e moral. O homem exige sentido em um mundo sem sentido.

Nós viemos de um nada inconcebível. Ficamos algum tempo em algo que igualmente parece inconcebível, somente para desaparecer novamente no inconcebível nada.”

Se encararmos a vida e a morte como processos naturais, o pavor metafísico desaparece e se obtêm a paz de espírito.”

A semente de uma derrota metafísica ou religiosa está em todos nós. Para o questionador honesto, no entanto, que não procura refúgio em alguma fé ou fantasia, nunca haverá uma resposta.” (Documentários “Ser um ser humano”)

Os fatos imediatos são aquilo com o qual nos relacionamos. Escuridão e luz, começo e fim.” (Documentário “Ser um ser humano”)

A morte é uma terrível provocação. Aparece em todo o lugar, representando uma dura mas real escola para valores e padrões éticos”. (Documentário “Ser um ser humano”)

Eu mesmo não me aflijo mais com o pensamento da minha própria morte. A entidade “Peter Wessel Zapffe”, não existia antes de 1899 (ano do nascimento do filósofo). Ela foi poupada de participar diretamente nos horrores dos anos anteriores, e não vai participar daquilo que aguarda a humanidade ao fim de sua vertiginosa loucura”. (Documentário “Ser um ser humano”)

Uma moeda é examinada e, somente após cuidadosa deliberação, é dada a um mendigo, enquanto uma criança é lançada na brutalidade cósmica sem hesitação.” (Ensaios e epístolas)

Ter filhos neste mundo é como carregar madeira para uma casa em chamas.”

O homem é o ser trágico final, porque ele aprendeu o suficiente sobre a Terra para perceber que esta seria melhor sem a presença da humanidade.”

Cada nova geração pergunta: ‘Qual o significado da vida?’ Um maneira mais útil de fazer a pergunta seria: ‘Por que o homem precisa de um sentido para a vida?’”

A vida dos mundos é um rio que ruge, mas a da Terra é um lago e uma represa.”

O sinal de desgraça está escrito em suas sobrancelhas – por quanto tempo você vai lutar contra o que é evidente?

Mas há uma conquista e uma coroa, uma redenção e uma solução.”

Conheçam-se, sejam inférteis e deixem a terra calar-se depois de vós.” (O Último Messias)

A barbárie moderna de ‘salvar’ o suicida é baseada em uma compreensão errônea da natureza e da existência.” (Ensaios e epístolas)

Ele é o cativo desamparado do universo, mantido em possibilidades sem nome.”

Nenhum triunfo ou metamorfose no futuro pode justificar a lamentação de um ser humano contra sua vontade.”

O esforço não é meramente marcado por um ‘esforço em direção a’, mas igualmente por uma ‘fuga de’”.

Uma noite em tempos passados, o homem acordou e se viu. Ele viu que estava nu sob o cosmos, sem-teto em seu próprio corpo. Todas as maravilhas se dissolveram antes que pensasse; maravilha acima de maravilha, horror acima de horror se desenrolava em sua mente. Então a mulher também acordou e disse que era hora de matar. E ele pegou o seu arco e flecha, fruto do casamento de espírito e mão, e saiu sob as estrelas. Mas quando as bestas chegaram aos poços de água, onde ele esperava que fossem de hábito, ele não sentiu mais o tigre preso em seu sangue, mas um grande salmo sobre a irmandade do sofrimento entre todos os seres vivos. Naquele dia ele não voltou com presas e, quando encontraram na próxima lua nova, ele estava morto ao lado do poço de água.” (O Último Messias)

A história cultural, assim como a observação de nós mesmos e dos outros, permite a seguinte resposta: a maioria das pessoas aprende a se salvar limitando artificialmente o conteúdo da consciência.” (O Último Messias).

Ele (o homem) chega à natureza como um convidado não convidado. Na futilidade, ele estende os braços e implora para se reunir com o que o criou: a natureza não responde, fez um milagre com o homem, mas desde então não o reconhece mais. Ele perdeu seu legítimo lar no universo, ele provou da árvore do conhecimento e foi exilado do paraíso.” (A natureza indomada)

A tragédia de uma espécie que se torna imprópria à vida devido ao desenvolvimento excessivo de uma habilidade não é uma exclusividade da humanidade. Pensa-se, por exemplo, que em épocas paleontológicas certos alces sucumbiram ao desenvolver chifres demasiado pesados. As mutações são cegas e operam e manifestam-se sem qualquer interesse pelo ambiente. Nos estados depressivos, a mente pode ser vista à imagem de tais chifres, os quais, em todo o seu fantástico esplendor, imobilizam o seu portador ao chão.” (O último Messias)





Referências

O último Messias
                 
The view from Mount Zapffe. Gisle Tangenes, in Philosophy Now

Open Air Philosophy. Peter Wessel Zapffe, The last Messiah

Zapffe: antinatalism and existential crisis

Werner Peter Zapffe, Wikiquote

Blog “A frescura da relva”, O último Messias
  
On the genealogy of morality. The birth of pessimismo in Zapffe´s “On the tragic” by Silviya Serafimova - Institute for the Study of Societies and Knowledge, BAS

A-Z Quotes

www. academia.edu, Roe Fremstedal, Meaning of Life: Peter Wessel Zapffe on the Human Condition

Pascal, Blaise. Pensamentos. Abril S. A. Cultural e Industrial. São Paulo: 1973, 280 p.

Zappfe in translation

Arne Naess, The shallow and the deep long-range ecology movement
                                                                                        
Herman Tonnessen


(Imagens: fotografias de Peter Werner Zapffe)