Resíduos sólidos urbanos, ainda um problema no país

sábado, 31 de outubro de 2020

 

"Para quem medita sobre o inefável, é útil observar que a linguagem pode perfeitamente nomear aquilo de que não se fala."   -   Giorgio Agamben   -   Ideia de prosa

Em dezembro de 2020 a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) completa dez anos. Assinada durante o governo de Lula da Silva, a Lei 12.305/10, segundo o Ministério do Meio Ambiente, “prevê a prevenção e a redução na geração de resíduos, tendo como proposta a prática de hábitos de consumo sustentável e um conjunto de instrumentos para propiciar o aumento da reciclagem e da reutilização dos resíduos sólidos (aquilo que tem valor econômico e pode ser reciclado ou reaproveitado) e a destinação ambientalmente adequada dos rejeitos (aquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado)”. Trata-se de uma lei que, se bem aplicada, permitiria ao país gerenciar seus resíduos sólidos de maneira adequada, reduzindo o impacto ambiental das atividades econômicas e do consumo.

A realidade, no entanto é bem outra. A aplicação da lei já foi prorrogada por duas vezes pelo Congresso, já que a maioria dos municípios não dispõe de recursos financeiros e capacidade técnica para implantar um programa municipal de gestão de resíduos. A simples coleta de lixo ainda não está disponível para cerca de 20 milhões de pessoas; 10% da população do país. Apenas 18% dos municípios brasileiros, localizados em sua maioria nas regiões Sul e Sudeste, têm coleta seletiva de lixo. Dados publicados no portal da Câmara dos Deputados em 2019 informam que apenas 3% do lixo gerado em todo o pais – cerca de 79,9 milhões de toneladas ao ano – é reciclado. Este percentual de reciclagem permanece praticamente inalterado há mais de dez anos, porque a reciclagem ainda é pouco rentável.


Outro indicador é que 49,9% dos municípios brasileiros ainda descarregam seus resíduos urbanos em depósitos ilegais ou irregulares, chamados de “lixões”, segundo dados recentemente publicados no Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), elaborado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), junto com a consultoria PwC Brasil. Segundo a lei que institui a PNRS estes lixões deveriam ter sido eliminados até 2014, mas o prazo de cumprimento da lei foi prorrogado até 2021.

É pouco provável que os municípios tenham recursos financeiros e humanos para implantarem sistemas de gestão de resíduos – coleta seletiva associada à coleta de lixo, sistemas de reciclagem e aterros sanitários regularizados – até o novo prazo estabelecido pelo Congresso para cumprimento da PNRS. Se há cinco anos a capacidade de pagamento da maior parte das cidades brasileiras já era complicada, a crise econômica e a pandemia do coronavírus estão dificultando mais ainda a situação de caixa dos municípios. Já em fevereiro de 2020, antes do início da pandemia, um levantamento da Confederação Nacional do Municípios (CNM) indicava que 69 prefeituras haviam decretado calamidade nas contas públicas e que 229 outras cidades estavam no mesmo caminho. A mesma confederação informou em julho deste ano, que os municípios brasileiros tinham uma dívida de R$ 40 bilhões em precatórios.

Também não é possível esperar por uma ajuda por parte do Ministério do Meio Ambiente ou do Ministério das Cidades – este último foi até extinto pelo atual governo, tendo sido incorporado ao Ministério do Desenvolvimento Regional. A questão ambiental deixou de ser tema relevante para o atual governo e mesmo as secretarias de meio ambiente de muitos estados, cujos governadores foram influenciados pela política federal, deixaram de ter a importância que tinham em outras administrações. No âmbito municipal, a situação é pior ainda.



Enquanto isso, a população do país continua a gerar resíduos, metade dos quais – aproximadamente 40 milhões de toneladas por ano – são descarregados em aterros sanitários irregulares ou, em casos mais graves, jogados em córregos e rios, em mangues, praias, ou em terrenos urbanos. A falta de programas de educação ambiental, seja nas escolas ou nos meios de comunicação, também está contribuindo para tornar a situação ainda pior. Os resíduos, principalmente os plásticos, podem levar milhares de anos para se desfazerem. Mesmo assim, ao se desagregarem, podem se incorporar ao solo, à água e aos alimentos, provocando contaminação por acumulação.

A maior parte da população, no entanto, nem se dá conta do que está ocorrendo. O lixo simplesmente desaparece da lixeira e quase ninguém se pergunta para onde foi levado. Um dia ficaremos sabendo e aí talvez seja tarde.

(Imagens: fotografias de Heinrich Zille) 

Leituras diárias

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

 


“O córtex pré-frontal é a parte mais nova do nosso cérebro, a parte que fica bem atrás de nossa testa. Em termos evolutivos, desenvolveu-se a um ritmo extraordinariamente rápido. Há 300 mil anos, quando o último Homo erectus encontrou seu destino, o córtex pré-frontal basicamente não existia. Hoje cada ser humano tem um, o que significa que a parte mais complexa de nosso encéfalo evoluiu e aumentou o tamanho geral de nosso cérebro em 25% a 30% num piscar de olhos evolutivos.” (Walter, pág. 134)

 

Chip Walter, Polegares e lágrimas e outras peculiaridades que nos tornam humanos


Leituras diárias

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

 


“Nenhuma outra criatura é um corredor de longa distância melhor do que o homem. As chitas podem desenvolver maior velocidade, os avestruzes e cavalos podem galopar por mais tempo a altas velocidades, mas nenhum animal pode cobrir uma distância maior, sem descansar, do que nós. A popularidade das corridas de longa distância, das maratonas e da ultramaratona é um legado desta capacidade, mas há muitos outros exemplos exóticos de nossos talentos bípedes peculiares. Os índios tarahumara, do México moderno, por exemplo, costumam caçar cervos literalmente correndo atrás deles por vários dias.” (Walter, pág. 115)

 

Chip Walter, Polegares e lágrimas e outras peculiaridades que nos tornam humanos


Leituras diárias

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

 


“Assim como a evolução do DNA tornou possível para um gene ser copiado e compartilhado de uma geração para a seguinte, graças aos neurônios-espelho, e aos novos comportamentos que eles possibilitaram, uma ideia – um ‘meme’, como colocou Richard Dawkins – podia ser copiada e transmitida de uma mente para a seguinte. Surgiu a comunicação consciente, mesmo que apenas de forma embrionária, e em sua esteira tudo se seguiria, da fofoca à oratória, da matemática às leis de Hammurabi, da comédia de palco ao código de computador que manda sondas às luas de Saturno. Estávamos construindo o andaime para o comportamento verdadeiramente humano, os relacionamentos e, por fim, a mais monumental de todas as invenções humanas: a cultura.” (Walter, pág. 83)

 

Chip Walter, Polegares e lágrimas e outras peculiaridades que nos tornam humanos


Leia, leia, leia!

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

 


A volta da covid e a indiferença de muitos

sábado, 24 de outubro de 2020

 

"Os reacionários de todos os tempos são iguais."   -   Rui Barbosa   -   Obras completas 

A pandemia não acabou. Mesmo assim, parecia que em todo o mundo a doença havia sido debelada. Era comum, através das reportagens, vermos pessoas jovens e velhas andando sem máscara, retomando normalmente suas atividades, interagindo com outras pessoas, inclusive em locais públicos. Foi assim que a maior parte da população europeia teve a impressão de que a covid havia passado. Os casos diminuíram, as medidas de segurança e profilaxia foram afrouxadas, e, aos poucos, instalou-se uma situação de “já passou”.

No entanto, ao longo das últimas semanas, numa progressão exponencial, os casos de novas infecções com o vírus foram aumentando. Espanha, França, Itália e Inglaterra viram as vítimas aumentarem rapidamente, forçando seus governos a reintroduzirem medidas de contenção da circulação de pessoas, aglomerações e contatos. Quando parecia que, lentamente, a vida das pessoas e a economia estavam voltando ao normal, a Europa retornou aos níveis de contaminação e internação de doentes de seis meses antes. Outras parte do mundo, como a Índia, o Paquistão, o Irã e o Japão também enfrentam o recrudescimento da pandemia. Nos Estados Unidos, onde a pandemia não havia diminuído sensivelmente, a situação agora também piorou, aumentando mais ainda o número de internações e mortes.

No Brasil, por enquanto, há uma tendência de queda no número de novos casos de contaminação com o vírus, apesar da maneira desastrosa como o governo federal - leia-se Ministério da Saúde - lidou com a pandemia. Transferiu praticamente toda a responsabilidade no combate à doença aos governos estaduais e às prefeituras. Testes, para identificação de pessoas contaminadas e seu posterior isolamento foram pouco realizados, apesar das constantes recomendações da Organização Mundial de Saúde. O presidente Bolsonaro e um número considerável de médicos aderiram ao uso de medicamentos de efeito duvidoso, como a cloroquina e a azitromicina, cujo uso tem efeitos colaterais graves, sendo inócuos no combate do vírus. Recentemente, o presidente Bolsonaro disse que a vacina não seria obrigatória e, pressionado por seus seguidores, negou-se a comprar a vacina de origem chinesa Sinovac, que está em estado avançado de desenvolvimento.  

A população pobre, como sempre acontece em situações de crise, está sendo a mais prejudicada; falta de água, de condições de moradia seguras, de recursos financeiros para manter o isolamento e, depois da fase aguda da pandemia, o desemprego. Os efeitos funestos da covid na economia ainda perdurarão por muitos meses, provocando o fechamento de empresas e de postos de trabalho. Os mais prejudicados são aqueles que não detêm reservas econômicas, os pobres. Mais um motivo para que se iniciem discussões sobre uma renda universal básica.

Fato que chama a atenção dos analistas é a atitude negacionista de parte da população mundial, inclusive do Brasil. Não se trata de uma rebeldia contra as medidas de proteção impostas pelos governos – isolamento social, uso de máscaras, limitação da circulação de pessoas, etc. Também não é o tipo de atitude de oposição a prefeitos ou governadores, principalmente por motivos políticos, como ocorreu aqui no Brasil e em várias partes do mundo. É a atitude, consciente ou não, de não se usar máscaras de proteção, não se respeitar o isolamento social e outras práticas de proteção contra a doença.

Parte destas pessoas, entre os quais muitos idosos e pessoas de grupos de risco, não está convencida da gravidade e mortalidade do vírus. Muitos, mesmo aqueles com mais alto nível de instrução, acreditam que o número de mortes anunciadas pelos veículos de comunicação – e que até agora não foram refutadas por autoridades e especialistas – é exagerado ou até inverídico. A TV mostrou por diversas vezes as centenas ou milhares de pessoas em bares e restaurantes, aglomeradas e sem máscara, em muitas cidades mundo afora.

Não têm preocupação com os riscos que correm, mesmo sabendo do perigo, que eventualmente pode ser mortal. Na maior parte dos casos, no entanto, não se trata de coragem consciente para, se necessário, enfrentar a doença e suas consequências, mas de uma estranha passividade. Daqui a cinquenta ou cem anos, quando historiadores estudarem o período histórico da pandemia, como interpretarão essa indiferença quase suicida?  

(Imagens: Antonio Berni)

Leituras diárias

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

 


“A fronteira entre processos mentais conscientes e inconscientes fascina psicólogos e neurocientistas há mais de um século. A noção de que a mente inconsciente tem de possuir alguma estrutura cognitiva e emocional foi o alicerce do trabalho de Freud e também o palco no qual ele erigiu uma mitologia incrivelmente acientífica.” (Harris, p. 85)

 

Sam Harris, Despertar – Um guia para a espiritualidade sem religião

Leituras diárias

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

 


“Os pensamentos, em si, não são um problema; identificar-se com eles é que o é. Achar que somos quem pensa os nossos pensamentos – isto é, não reconhecer que o pensamento presente é uma aparição transitória na consciência – é uma ilusão que produz quase todo tipo de conflito e infelicidade humana.” (Harris, p. 111)

 

Sam Harris, Despertar – Um guia para a espiritualidade sem religião


Leituras diárias

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 


“Ao se dar conta disso, muitos começam a se perguntar se existe uma fonte mais profunda de bem-estar. Há alguma forma de felicidade além da mera repetição do prazer e para evitar a dor? Existirá alguma felicidade que não dependa de ter à mãos as comidas preferidas, ou amigos e familiares queridos por perto, ou bons livros para ler, ou algo pelo que ansiar no fim de semana? Será possível ser feliz antes que alguma coisa aconteça, antes que nosso desejo se realize, a despeito das dificuldades da vida, mesmo em meio à dor física, à velhice, à doença e à morte?

Todos estamos, em certo sentido, vivendo nossa resposta a essa questão – e a maioria vive como se a resposta fosse ‘não’.” (Harris, pág. 21)

 

Sam Harris, Despertar – Um guia para a espiritualidade sem religião

Povo consciente

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 


Esporte e incentivo ao esporte no Brasil

sábado, 17 de outubro de 2020

"Ante a história tomam-se duas atitudes: a dos que consideram que o homem é apenas um efeito, e a dos que consideram uma causa. Em outras palavras: ou nós somos um produto da história ou a história é um produto do homem."   -   Mário Ferreira dos Santos   -   Filosofia da crise


A prática de esportes é bastante antiga e remonta, provavelmente, à época em que se estabeleceram os primeiros agrupamentos humanos organizados politicamente, como as cidades-estado, os reinos e impérios. Inicialmente, a prática esportiva tinha como principal objetivo valorizar as aptidões para a caça e a luta em batalhas. Baixos-relevos assírios mostram soberanos caçando, enfrentando leões e lutando em batalhas. No antigo Egito, os esportes já eram praticados de forma regular, com o propósito de exercitar e fortificar o corpo e manter a saúde. O pugilato, a natação e os campeonatos de caça e pesca eram praticados em muitas cidades ao longo do Nilo.

Foram, porém, os gregos que diversificaram e sistematizaram a prática esportiva, como fim em si mesmo, organizando os primeiros campeonatos esportivos dos quais se tem notícia. Através de um acordo de paz selado no ano de 776 a.C., entre diversos reis que estavam constantemente em guerra, foram criados na cidade de Olímpia os Jogos Olímpicos gregos. Enquanto durasse o torneio, todas as atividades bélicas eram suspensas, permitindo que todos os cidadãos capacitados da Grécia pudessem treinar e participar deste grande festival esportivo. Os jogos aconteciam no verão, nos meses de julho e agosto, e eram dedicados a Zeus, no caso das competições masculinas, e a Hera, nos torneios para as mulheres.

As práticas esportivas gregas entraram em decadência, junto com sua civilização. Os romanos, sucessores culturais dos helenos, mantiveram a realização das competições esportivas e valorizavam a prática dos exercícios físicos, especialmente as classes mais abastadas e instruídas, influenciadas pela cultura grega. Na Roma clássica, era famosa a citação atribuída ao poeta romano Juvenal (55-127 d.C.): Mens sana in corpore sano (uma mente sã em um corpo são); parte de um poema sobre o que as pessoas deveriam valorizar na vida. Mas Roma se destacou principalmente pela prática do esporte voltado às atividades guerreiras e aos espetáculos no circo romano, como as lutas entre gladiadores e com animais selvagens, até as batalhas navais.

Na Idade Média, de forma geral, a prática do esporte era pouco valorizada. A forte influência da religião cristã, com sua doutrina de menosprezo do corpo, tido como instrumento do pecado, fez com que as atividades esportivas públicas fossem desaprovadas. Os medievais, notadamente a partir do século XI, organizavam torneios de combates entre cavaleiros armados com lanças e espadas; técnicas de treinamento para batalhas que travariam entre si e contra os árabes muçulmanos, durante as Cruzadas.

É interessante apontar a relação entre o desenvolvimento do capitalismo industrial, a migração de grandes contingentes populacionais do campo para as cidades e o aumento do sedentarismo em parte da população. Longe da vida ao ar livre do campo, morando em bairros com pouco espaço, em habitações impróprias, os operários tinham poucas oportunidades para qualquer atividade física, afora o monótono trabalho na fábrica. Friedrich Engels descreve esta situação em detalhes, principalmente entre os operários, no seu clássico A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. A poluição do ar e as péssimas condições de higiene e saneamento nos grandes centros industriais da época, como Londres, Paris, Nova York, Manchester, também contribuíram para que médicos se preocupassem crescentemente com os “miasmas”; odores fétidos originados em solos contaminados e matéria em putrefação. Segundo a medicina da época, estas emanações causavam diversas doenças (a teoria microbiana ainda não era conhecida); daí a necessidade de se afastar de tais emanações, exercitar o corpo e colocá-lo em contato com o ar puro, longe dos locais contaminados. Não é coincidência que os primeiros parques públicos fossem construídos em zonas estratégicas das grandes cidades, destinados ao lazer dos trabalhadores, como o Central Park, em Nova York, o Bois de Boulogne, em Paris e o Parque da Luz, em São Paulo.  

Historicamente, a prática dos esportes como atividade de lazer – e não como treinamento de soldados e policiais – quase sempre foi uma ocupação exclusiva das elites econômicas e dos nobres. No entanto, com a conquista de diversos direitos pelas classes trabalhadoras, ao longo do desenvolvimento do capitalismo industrial na segunda metade do século XIX, incluindo menos horas de trabalho e melhores salários (mas ainda longe de condições aceitáveis), fez com que se ampliassem as opções de lazer dos trabalhadores. A prática esportiva organizada como atividade recreativa, historicamente exclusividade das elites econômicas, começa a se difundir nas regiões mais populosas e industrializadas. Assim, na Inglaterra e em outros países industrializados da Europa no final do século XIX, começam a se organizar clubes para a prática do futebol, do rúgbi e outros esportes de apelo popular. Formam-se os clubes de ginástica e a prática da atividade física passa a ser incorporada às escolas e às políticas públicas de muitos governos.

Retoma-se assim, no final do século XIX, o ideal grego de valorização dos esportes como formadores do caráter e da saúde do indivíduo e instrumento de fomento à uma convivência harmoniosa entre os povos e as nações do planeta. Foi o francês Pierre de Fredy, o Barão de Coubertin (183-1937), quem depois de uma visita a colégios dos Estados Unidos e da Inglaterra, propôs melhorar o sistema de educação através do incentivo às práticas esportivas. Para isso, decidiu retomar o ideal grego dos Jogos Olímpicos, divulgou a ideia entre os principais governos da Europa e, em 1896, conseguiu organizar a primeira Olimpíada dos tempos modernos, simbolicamente realizada em Atenas, na Grécia.

O Brasil não participou das primeiras cinco edições dos Jogos Olímpicos, tendo começado sua participação regular a partir de 1920, com uma ausência ainda na Olimpíada de Amsterdã em 1928. Nossa melhor participação foi na Olimpíada de 2016, realizada no Rio de Janeiro. Ao longo dos vários torneios, o país nunca chegou a ganhar um grande número de medalhas, destacando-se, porém, na vela (7 medalhas de ouro e 3 de prata), no atletismo (5 ouro e 3 prata), no vôlei (5 e 3), no judô (4 e 3), e no vôlei de praia (3 e 7). No futebol, nossos times amadores não tiveram tanto sucesso, tendo obtido apenas 1 medalha de ouro e 5 de prata.

O número de vitórias brasileiras nas Olimpíadas e em outros torneios esportivos poderia ser bem maior, considerando o tamanho da população e as condições climáticas favoráveis para a prática de esporte ao ar livre, durante todo o ano. No entanto, para melhorar a participação brasileira neste tipo de atividade, falta-nos, como em muitas outras áreas, uma estratégia com metas, planejamento e efetiva execução – não esquecendo o aspecto principal: alocar recursos para tal tipo de iniciativa.

No entanto, quando constatamos que nem um terço das escolas dos 5.570 municípios brasileiros dispõem de aparelhos esportivos como quadras, vestiários, equipamentos e materiais – insto sem falar em piscinas ou pistas de treinamento para corridas – vemos que a prática esportiva e a formação de atletas não estavam e não estão nos planos de nossos ministérios de Educação e Esportes. O descaso já chegou a tal ponto, que o governo do presidente Bolsonaro extinguiu o Ministério dos Esportes. Nas escolas, a matéria “educação física” é pouco valorizada e chegou-se a considerar sua eliminação do currículo escolar. Segundo reportagem do site G1, publicada em agosto de 2020 e baseada em uma pesquisa realizada entre 1.500 escolas no país, identificou-se que em 9% das instituições de ensino entrevistadas a educação física não é obrigatória e em 2% não há nenhuma oferta de atividade esportiva. A disciplina é ministrada duas vezes por semana em 76% das escolas e somente 12% das instituições oferecem a atividade três ou mais vezes por semana.

A grande maioria das cidades brasileiras não dispõe de número suficiente de aparelhos esportivos, parques ou clubes públicos, onde a população possa praticar algum tipo de esporte em condições adequadas. O resultado disso é que nas cidades maiores e nas capitais, os parques municipais, que também não possuem instalações adequadas para a prática de esportes, fiquem apinhados de pessoas, deixando de ser locais de lazer. Quando existe alguma infraestrutura, trata-se geralmente de um ginásio de esportes em mal estado de conservação ou um campo de futebol, de uso exclusivo de um grupo de esportistas da região. Em suma, administrações públicas, via de regra, têm pouca consideração com a prática de esportes e com o lazer dos cidadãos. O que sobra como opção de prática esportiva são os clubes particulares, geralmente frequentados por pessoas de alto poder aquisitivo, nos quais a frequência é praticamente impossibilitada ao cidadão comum, dados os preços proibitivos das mensalidades, joias, taxas de manutenção, estacionamento, etc.

Enquanto o atual governo federal cortou 49% das verbas destinadas aos investimentos em esportes em 2020, o Brasil é um dos maiores exportadores de jogadores de handebol, futebol, basquete e de atletas de diversas modalidades, que não encontram incentivo para continuarem com suas carreiras por aqui. Desde sempre são comuns os dramas de conceituados ginastas ou nadadores, que não recebem qualquer incentivo financeiro, precisando e pedir contribuições através dos meios de comunicação ou das redes sociais, para poderem participar de algum torneio no exterior.

A conclusão a que se chega é que também nesta área, a dos esportes, a administração atual aposta na “mão invisível do mercado”, como promotor da prática esportiva no pais. Há, no entanto, uma falácia por trás deste raciocínio: o mercado não está preocupado em incentivar o desenvolvimento de qualquer área esportiva em si. O que o capital quer e faz – e este é o seu papel no sistema capitalista – é patrocinar atividades, atletas, clubes, etc., que possam resultar em lucro, de preferência a curto prazo. Não é por outra razão que os programas ditos “esportivos”, que pululam nas programações das TVs abertas todos os dias na hora do almoço e à noite, nas quartas-feiras à noite, nos sábados e nos domingos de tarde e à noite, falam quase exclusivamente de futebol. Futebol é no momento o único esporte que está trazendo algum retorno financeiro aos investidores – seja no merchandising das camisas dos jogadores (e outros objetos), nos eventos dos times ou nos anúncios durante a programação da TV. 

Este é o quadro que se apresenta há anos. A crise econômica que o país atravessa desde 2014 e que se aprofundou com a pandemia do coronavirus, tornou tudo mais difícil e com menos perspectivas. Enquanto o esporte, desde a escola até as Olimpíadas ou os campeonatos esportivos, for encarado apenas como uma questão de negócio, sem nenhuma visão estratégica de promoção do país e de seu potencial, não haverá mudanças. Se o Estado não assumir seu papel obrigatório de incentivar, organizar, apoiar e custear todos as práticas esportivas - no mínimo aquelas do esporte caracteristicamente  amador - seja nas escolas e através de outras instituições, permaneceremos sendo o eterno "país do futebol". E mesmo esse, de qualidade regular. 


(Imagens: pinturas de Rosalyn Drexler) 

Leituras diárias

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

 


“A principal experiência de minha geração foi, sem dúvida, o que se convencionou chamar de contracultura. De todas as variedades do pensamento libertário desenvolvido no século XX, ela foi a que mais profundamente atingiu a própria vida concreta das pessoas. Submetida a uma repressão histórica e diante dos acenos da permissividade, foi preciso – ao contrário do que se julga superficialmente – muito bom senso, equilíbrio, discernimento e avaliação adequada dos acontecimentos para que a sobrevivência fosse possível. Aqueles que não os tiveram foram destruídos no meio do caminho.” (Maciel, pág. 153)

 

Luiz Carlos Maciel, As quatro estações  

Leituras diárias

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

 


“A filosofia moderna pode ser considerada uma filosofia do sujeito, assim como a filosofia clássica pode ser considerada uma filosofia do objeto. O grande mistério, agora, não consiste exatamente em que algo esteja aí, mas simplesmente em que haja alguém que o saiba e esse alguém saiba, ou pense saber, que está.” (Maciel, pág. 57)

 

Luiz Carlos Maciel, As quatro estações  

Leituras diárias

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

 


“No contexto da rebelião de minha geração, no espírito de contestação que a caracterizou, o questionamento da nossa vida pessoal foi uma revolução muito importante, porque transferiu a preocupação com o polo objetivo, com o mundo, que era uma preocupação com política típica, para a preocupação com o polo subjetivo, ou seja, com a consciência das pessoas, com a cabeça das pessoas, com sua mentalidade, seu espírito.” (Maciel, pág. 41)

 

Luiz Carlos Maciel, As quatro estações  


Faça download do meu livro sobre meio ambiente

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Faça dowload do meu livro sobre meio ambiente, energia, gestão de recursos e gestão urbana "Os recursos e a cidade"


https://drive.google.com/file/d/1TCu57fuzw7BtInLlgglHRHBLThdf0U9V/view

Faça download do meu livro de Filosofia

sábado, 10 de outubro de 2020

 Livro "A religião e o riso & outros textos de filosofia e sociologia"


https://drive.google.com/file/d/1fgDCmx47hz5toQo5Lh6zomEjrMoMO0B7/view

Leituras diárias

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

 


“A ciência e a religião servem a diferentes necessidades humanas – a religião serve à necessidade de significação, a ciência serve à necessidade de controle. A suposição é que cada uma está ocupada na construção de um retrato do mundo. Os ateus evangélicos pregam a necessidade de uma visão científica das coisas, mas uma visão que se firma para sempre não é compatível com o método científico. Se pudermos ter certeza de alguma coisa, é de que a maior parte das teorias que prevaleceram em qualquer época eram falsas. As teorias científicas não são componentes de uma visão de mundo, mas apenas ferramentas que usamos para remendar o mundo.” Gray, pág. 205)

 

John Gray, A busca pela imortalidade – A obsessão humana em ludibriar a morte

Leituras diárias

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

 


“A razão principal para a perda de interesse em encontrar evidências da vida após a morte é paradoxal: à medida que o darwinismo penetrou na consciência popular, o pensamento secular bateu em retirada. As ideologias laicas do século passado, tais como o comunismo e a crença no mercado livre, tornaram-se peças de museu. Há poucos que acreditam agora em qualquer projeto de salvação política e, em parte por essa razão, a religião reviveu.” Gray, pág. 189)

 

John Gray, A busca pela imortalidade – A obsessão humana em ludibriar a morte

Leituras diárias

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

 


“A ciência moderna começa quando a observação e as experiências passam a vir em primeiro lugar e os resultados são aceitos mesmo quando o que mostram aparenta ser impossível. No que pode parecer um paradoxo, o empirismo científico – confiança na experiência material e não em princípios supostamente racionais – com frequência veio acompanhado de um interesse por magia.” (Gray, pág. 15)

 

John Gray, A busca pela imortalidade – A obsessão humana em ludibriar a morte


Liberdade de expressão

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

 

Pandemia e desânimo

sábado, 3 de outubro de 2020

 

"Meu rio, meu Tietê, onde me levas?

Sarcástico rio que contradizes o curso das águas

E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens,

Onde me queres levar?..."

Mário de Andrade   -   A meditação sobre o Tietê


O humor do brasileiro mudou bastante nos últimos meses. O isolamento social, constante ou ocasional, requerido como principal profilaxia na prevenção da contaminação pelo covid, contribuiu para que muitas pessoas se tornassem mais ansiosas, agressivas e deprimidas. São mais comuns do que antes as cenas de discussão ou briga em locais públicos, nas filas ou no trânsito. Especialistas dizem que este tipo de comportamento está se tornando rotina em todos os países; não é exclusividade de nossa sociedade.

Esta exasperação dos ânimos, no entanto, não é uma ira. A ira, segundo o filósofo Byung-Chul Han “é uma capacidade que está em condições de interromper um estado, e fazer com que se inicie um novo estado.” ¹ No entanto, devido às circunstâncias e à ação da própria pandemia, estamos num estado constante de irritação. Uma irritação que gera conflito entre as pessoas e o abatimento dos ânimos. Ainda segundo Byung-Chul Han “Hoje, cada vez mais ela (a ira) cede lugar à irritação ou ao enervar-se, que não podem produzir nenhuma mudança decisiva. Assim, irritamo-nos também por causa do inevitável. A irritação está para a ira como o medo está para a angústia.” ² O inevitável, neste caso, é a pandemia e todas as suas consequências.

Em casos extremos, este sentimento de impotência, de impossibilidade de reação – contra todas as circunstâncias sociais, médicas e econômicas relacionadas com o covid – pode dar início a um processo psíquico de desânimo e prostração. Em alguns casos pode chegar ao suicídio, cujos índices mundiais aumentaram consideravelmente. Dados do governo americano informam que em junho de 2020 40% dos adultos entrevistados, relataram estarem com algum tipo de distúrbio mental, ou dificuldades por abuso de substâncias de uso controlado. 

O mal estar geral teve início quando ainda não haviam perspectivas de uma vacina contra o vírus, no início da pandemia. Os noticiários informavam as centenas de mortes e as milhares de contaminações diárias, aqui no Brasil e mundo afora. Isso fez com que parte da população mundial ficasse sem ação, como que paralisada. Era certo que, cedo ou tarde, as dezenas de equipes de cientistas, trabalhando em vários laboratórios do globo, encontrariam um antídoto para a doença. Mas, quanto demoraria para que este medicamento estivesse disponível?

A economia mundial encontrava-se paralisada; fábricas, centros de distribuição e lojas fechados. Milhões de pessoas sem trabalhar e muitos sem nenhum rendimento, por quanto tempo? E depois de controlar a doença, como as economias se recuperariam? Para muitos, estava se tornando claro, que a retomada das atividades econômicas não ocorreria imediatamente. Não era como um carro estacionado, no qual bastaria entrar, dar a partida, engatar a marcha e imediatamente colocar a máquina em movimento novamente.

Não, como estamos vendo principalmente na economia brasileira, que já vinha em desaceleração desde 2014, tudo está sendo e será bem mais difícil do que muitos governos propalavam.

Segundo o relatório “Brasil Pós-Covid 19 – Contribuições do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (ipea)”, preparado pela própria instituição vinculada ao Ministério da Economia, “a complexidade do contexto atual indica que o país está vivendo um momento crítico e de potencial inflexão para a trajetória nacional de desenvolvimento.” ³ Efetivamente, o país nunca passou por uma crise econômica e social destas proporções, em todo o seu período republicano. A situação não vai se resolver simplesmente pelas forças cegas da economia – “a mão invisível do mercado”, como a chamam ainda alguns renitentes economistas neoliberais.

Em situações como estas, de grandes crises econômicas e sociais provocadas por guerras ou fenômenos naturais, o Estado (leia-se governo) precisa intervir, a fim de recuperar a atividade econômica, reforçar e reconstruir instituições e serviços públicos, garantindo a segurança da população. Em relação a isso, ainda acrescenta o relatório do ipea: “Nesse sentido, propostas de políticas públicas e evidências robustas e objetivas são insumos críticos para norteamento da ação governamental de curto, médio e longo prazo.” 4

É necessário estabelecer uma política econômica abrangente para o país, visando a recuperação econômica e, principalmente, a melhoria das condições de subsistência de milhões de brasileiros, que do nível econômico da classe média caíram para a pobre e desta para a miserável. Pequenas reformas, privatizações e cortes ou remanejamentos de recursos de uma pasta para outra, não impulsionarão a atividade econômica de modo sustentável. 

O país perdeu e provavelmente ainda perderá milhões de postos de trabalho, se o Estado não agir como indutor do processo de recuperação e organização da atividade econômica. A economia não pode permanecer indefinidamente estagnada, fazendo com que parte considerável da população venha a depender de programas sociais de ajuda do governo, muitas vezes de caráter clientelista – programas que classificados como populistas, foram tanto criticados em outros governos.

Talvez o cansaço e o desânimo das pessoas, o pessimismo em relação ao futuro da economia para 41% da população, segundo pesquisa recente do Datafolha, seja uma continuidade do processo que começou em 2014 e se acentuou com a pandemia. A falta de perspectivas de desenvolvimento pessoal através do estudo, de acesso à cultura e de cargos melhor remunerados, são as principais causas do desalento de parte da população, principalmente os jovens.  

Não são palavras de ordem falsamente patrióticas, ou propagandas espetaculosas aparentemente nacionalistas, que mudarão o humor e elevarão o ânimo das pessoas. Planejamento, projetos e ações concretas, implantados de forma coerente, sem as constantes idas e vidas, e efetivamente cobrando a contribuição do capital; estas sim, são ações que farão a diferença.  

 

1. Han, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Editora Vozes: Petrópolis, 2015, p. 54

2. Ibid., p. 54

3. Ipea. Brasil Pós-Covid 19. Ministério da Economia: Brasília, 2020, p. 8

4. Ibid., p. 8


(Imagens: pinturas de David Hockney)

Leituras diárias

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

 


“Os neurônios – que são células nervosas de nossos cérebros – e os nervos periféricos estão repletos de microtúbulos compostos de proteína tubulina. Os mesmos microtúbulos, exatamente iguais, compõem os cílios, caudas de espermatozoide e paredes de centríolos-cinetoplastos. Os microtúbulos são a base dos axiônios e dendritos, prolongamentos das células nervosas pelas quais processamos informações em nossos cérebros. Se minha teoria radical da simbiogênese estiver correta, o próprio cérebro e o pensamento necessário para ler esta frase se tornaram possíveis pelos microtúbulos proteicos que evoluíram em bactérias. Mesmo que as pesquisas mostrem que minha hipótese da espiroqueta está correta, pensar sobre a simbiose é em si mesmo um fenômeno simbiótico. O oxigênio que respiramos entra no cérebro por nossa corrente sanguínea e é incessantemente metabolizado pelas mitocôndrias que sabemos terem sido bactérias que respiravam. Quer as espiroquetas coleantes estejam ou não no cerne de nossa existência, continuamos sendo seres simbióticos em um planeta simbiótico.” (Margulis, pág. 52)

 

Lynn Margulis, O planeta simbiótico – Uma nova perspectiva da evolução

Leituras diárias

quinta-feira, 1 de outubro de 2020


 

“Afirmo, como outros fizeram antes, em geral estudiosos que não receberam atenção, que os ancestrais lineares das mitocôndrias de animais e plantas também começaram como bactérias livres. As mitocôndrias, usinas de força intracelulares, produzem energia química dentro das células de todos os animais, plantas e fungos. As mitocôndrias são também residentes regulares da maioria dos inumeráveis seres microbianos obscuros, os protistas, dos quais as plantas, os animais e os fungos evoluíram.” (Margulis, pág. 42)

 

Lynn Margulis, O planeta simbiótico – Uma nova perspectiva da evolução