“Tanto
na poesia de Gonçalves Dias quanto na prosa de José de Alencar, nossa grandeza
nacional se deve à beleza de nossa terra. Ao produzirem essa indistinção entre
natureza e história, esses dois autores neutralizaram o campo da política, neutralizaram
o processo histórico, deixando difícil a percepção da violência, da exploração,
do extermínio como projetos de dominação. O campo político — para a gente entender
o que isso significa — se torna natural, é naturalizado. E, com isso, não
podemos ser cidadãos de um país, mas habitantes de uma terra. Daí a ideia de exílio,
daí a ideia de não pertencimento, porque não somos parte da construção política
do país; não temos interferência como agentes do nosso processo histórico. As
heranças são inúmeras, tanto na nossa tropicalidade cultural quanto numa
reprodução perversa de um certo conformismo político. Se a gente prestar
atenção no nosso hino nacional, que tem também uma forte herança romântica e a
herança desses escritores, fica muito evidente o quanto a noção que a gente tem da
grandeza do nosso país conflui com a grandeza da nossa natureza. Se tudo aquilo
que a gente constrói já nos foi dado, se tudo aquilo que a gente tem no país já
nos foi dado, então para que interferir? É dessa maneira que as formas
conformistas vão se configurando entre nós: não porque tivemos isso como uma
escolha, mas porque essa formação ideal vai se introjetando de geração em
geração.”
Thais Toshimitsu, Pensando com a literatura: quatro clássicos brasileiros
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