sábado, 7 de junho de 2025

Leituras diárias


 

“Tanto na poesia de Gonçalves Dias quanto na prosa de José de Alencar, nossa grandeza nacional se deve à beleza de nossa terra. Ao produzirem essa indistinção entre natureza e história, esses dois autores neutralizaram o campo da política, neutralizaram o processo histórico, deixando difícil a percepção da violência, da exploração, do extermínio como projetos de dominação. O campo político — para a gente entender o que isso significa — se torna natural, é naturalizado. E, com isso, não podemos ser cidadãos de um país, mas habitantes de uma terra. Daí a ideia de exílio, daí a ideia de não pertencimento, porque não somos parte da construção política do país; não temos interferência como agentes do nosso processo histórico. As heranças são inúmeras, tanto na nossa tropicalidade cultural quanto numa reprodução perversa de um certo conformismo político. Se a gente prestar atenção no nosso hino nacional, que tem também uma forte herança romântica e a herança desses escritores, fica muito evidente o quanto a noção que a gente tem da grandeza do nosso país conflui com a grandeza da nossa natureza. Se tudo aquilo que a gente constrói já nos foi dado, se tudo aquilo que a gente tem no país já nos foi dado, então para que interferir? É dessa maneira que as formas conformistas vão se configurando entre nós: não porque tivemos isso como uma escolha, mas porque essa formação ideal vai se introjetando de geração em geração.”

 

Thais Toshimitsu, Pensando com a literatura: quatro clássicos brasileiros

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