Outras leituras

terça-feira, 19 de agosto de 2025

 

“Antes de 2015, o debate econômico brasileiro destacava o mercado de trabalho superaquecido e o crescimento dos salários acima da produtividade. Alguns economistas defendiam a necessidade de gerar desemprego na economia como variável de ajuste. Um deles dizia, sem meias palavras: ‘a saída é frear a economia . É demitir mesmo’. Havia a ideia de que o desemprego seria bom para ‘equilibrar’ a economia e que a redução da inflação de preços e salários era necessária para o aumento do investimento e do crescimento. 

Isso é ilustrado na atrapalhada chamada da reportagem da GloboNews que virou alvo de memes e piadas: ‘Recessão e desemprego derrubam inflação e devolvem poder de compra aos brasileiros’. Na campanha das eleições presidenciais de 2014, Armínio Fraga, principal economista de Aécio Neves, afirmou que os salários tinham crescido demais e que deveriam guardar relação com a produtividade. Esse discurso apontava que o aumento dos salários acima da produtividade teria reduzido as taxas de lucro e desestimulado o investimento, o que teria contribuído para a crise. Haveria, portanto, um dilema de curto prazo entre crescimento e as políticas distributivas. De forma sutil, mas direta, coloca-se em primeiro plano o crescimento e, em segundo, a distribuição de renda, e pressupõe-se que o primeiro plano conduzirá a uma melhoria espontânea do segundo. 

Visto de outra maneira, reedita-se a velha ladainha do bolo: é preciso primeiro fazer crescer para depois dividir. Esse discurso apresenta dois problemas centrais: primeiro, a produtividade é um indicador muito importante, mas é uma variável de resultado, um termômetro ou sintoma do que acontece na economia (e, por isso, depende da expansão dos investimentos, capacidade ociosa, mudanças tecnológicas, estrutura produtiva, etc.), e não uma causa. O segundo problema é que, nessa leitura, os salários são vistos exclusivamente pelo lado da oferta, como custos de produção, e não como variável de demanda, com capacidade de criar mercados, induzir investimentos e ampliar a oferta. Ao combinar essas duas críticas, tem-se que os aumentos reais de salários podem gerar aumentos da produtividade. Ou seja, diante da expansão do mercado interno provocada pelo aumento do poder de compra dos assalariados, as firmas aproveitam economias de escala e se tornam mais produtivas, o que resulta em crescimento com distribuição de renda.”

 

“O ajuste de 2015 não satisfez por completo os interesses econômicos do neoliberalismo brasileiro. Não bastou reduzir gastos sociais; eram necessárias reformas para rever a obrigatoriedade desses gastos e modificar seus pisos constitucionais. Não foi suficiente frear a economia e gerar desemprego; era necessária uma reforma trabalhista para enfraquecer sindicatos e reduzir o poder de barganha dos trabalhadores. Não bastou recuar no uso das estatais e dos bancos públicos como instrumentos de desenvolvimento; era necessário avançar nas privatizações. Em suma, havia uma agenda econômica que Dilma e o PT não estavam dispostos a adotar – e o sentido econômico do golpe de 2016 era justamente implementá-la.”

 

Pedro Rossi, professor livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON), em Brasil em disputa: Uma nova história econômica do Brasil

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