
“Formada entre os anos de 1554 e 1555,
a Confederação dos Tamoios durou até 1567, com sua derrota final diante da
campanha militar sob o comando do governador-geral Mem de Sá. O momento-chave
da aniquilação em massa das tribos litorâneas de língua tupi-guarani foi a
construção da fortaleza que marca a fundação da cidade do Rio de Janeiro, no
coração do território hostil, base para a vitória militar dos portugueses, com
o massacre dos tupinambás. O Brasil não foi, dessa forma, descoberto e ocupado.
Foi conquistado em uma luta na qual pereceram milhares de pessoas, entre índios
e europeus, portugueses e franceses. Nela, sacrificaram-se velhos, mulheres,
crianças e religiosos. Morreram guerreiros e soldados anônimos, chefes de tribo
e comandantes, entre os quais um sobrinho e um filho do próprio Mem de Sá. Dali
em diante, o caminho estava aberto para a hegemonia de Portugal, tanto sobre os
franceses, que tentaram se instalar no Brasil a partir da Guanabara, quanto
sobre os índios remanescentes, dispersos e incapazes de oferecer resistência. ‘É
certo que os manuais escolares não esquecem a valiosa contribuição das
populações nativas para a nossa formação sociocultural, mas pouco informam
sobre o seu extermínio, quando não o explicam como consequência inevitável,
quase natural, de um longo e difícil processo de acomodação de interesses
conflitantes’, afirmou Francisco M . P . Teixeira.” (Guaracy, págs. 18 e 19)
“Com Ramalho, Martim Afonso teve a
perspectiva de estabelecer ali uma base para o comércio de pau-brasil e a
captura de escravos, aproveitando o fato de que São Vicente se tornara escala
para as naus que faziam a rota das Índias pela corrente do Atlântico. Conheceu
o planalto de Piratininga, no qual Ramalho havia se estabelecido. Dali, poderia
realizar incursões pelo sertão para capturar escravos. Martim Afonso se
interessou pelo Peabiru, a velha trilha indígena sertão adentro, que poderia se
transformar em acesso para as minas de ouro de Potosí, já em território
espanhol, e, mais adiante, ao rico império Inca – vasta extensão que ia dos
Andes à floresta amazônica. Por sua determinação, uma expedição com noventa
homens partiu de Cananeia, em 1 de setembro de 1531, sob o comando de Pedro
Lobo, tendo Francisco de Chaves como guia, com o objetivo de explorar essa via.
O resultado da expedição foi funesto. Como confirmam registros da Câmara de São
Paulo, encontrados pelo historiador Pedro Taques de Almeida Paes Leme, os
exploradores foram dizimados por índios guaranis quando atravessavam o rio
Paraná, perto das cataratas do Iguaçu. Em 22 de janeiro de 1532, Martim Afonso
fundou a vila de São Vicente, primeira povoação colonial do Brasil, chamada
pelos índios de Uapú-nema. O preposto do rei reafirmava o nome já dado a toda a
ilha por Gaspar de Lemos, em 1502. Seria a primeira das sete vilas criadas na
costa durante o período de dom João III, seguida de Porto Seguro, na Bahia (1534),
a Vila do Espírito Santo (1535), Olinda (1537), Santos (1543) e Salvador (1549).
Martim Afonso imediatamente instalou na nova povoação os símbolos do poder
organizado: uma igreja (o poder atemporal), a câmara dos vereadores (o poder
secular) e um pelourinho (o judiciário). Mandou ainda levantar uma trincheira
na barra de Bertioga (do tupi Buriquioca, ‘cova dos [macacos] bugios’).
Localizava-se no canal que separa do continente a ilha de Guaíbe, mais tarde
chamada pelos portugueses de Santo Amaro, vizinha da ilha de São Vicente.” (Guaracy,
págs. 68-69)
“Com isso, João Ramalho passou a
caçar índios em expedições por mar, atacando tribos tupinambás do litoral. Aldeias
entre Ubatuba e Angra dos Reis foram invadidas e destruídas. Vivendo em aldeias,
os tupinambás constituíam um alvo fixo. Em vez de fugir, defendiam-se – numa
luta desigual. Seus guerreiros eram hábeis com o arco e o tacape, mas
enfrentavam um páreo duro diante dos trabucos dos portugueses. Estes contavam
também com o conhecimento da mata e a sede vingativa dos guaianazes, seus
ferozes aliados, que os auxiliavam no combate. A Ramalho juntaram-se ainda
tribos carijós, para as quais ele garantiu liberdade e proteção, em troca da
colaboração na captura de índios inimigos. Os caçadores de homens de
Piratininga não se limitavam a fazer incursões no litoral ao norte de São
Vicente. Em 1553, o espanhol João Sanches, de Biscaia, que seguia para o Prata
em uma nau da armada do tesoureiro real João de Salazar na qual se encontrava o
alemão Hans Staden, já notava os efeitos da ação dos paulistas fora de
território português. Em carta ao rei da Espanha, Carlos V, Sanches conta que
encalhou sua nau nas proximidades de Jurumirim, como a chamavam os índios
carijós, batizada depois pelos europeus de ilha de Santa Catarina, onde hoje
está a cidade de Florianópolis. Não encontrou ajuda de qualquer espécie, ‘visto
que a ilha de Santa Catarina estava despovoada por causa dos portugueses e seus
amigos (selvagens) terem feito muitos saltos aos índios naturais da dita ilha,
e aniquilado todos os silvícolas do litoral que eram amigos dos vassalos de Sua
Majestade [sobretudo carijós]’” (Guaracy, págs. 77-78).
“Por sua vez, os portugueses
criticavam os próprios jesuítas, dizendo que tinham se assenhorado dos índios, pois
estes também trabalhavam praticamente como escravos nas propriedades da Igreja.
‘Eram verdadeiros servos […] não só nos colégios, como nas terras chamadas ‘dos
índios’, que acabavam por ser fazendas e engenhos dos padres jesuítas’, afirmou
Varnhagen. No fim das contas, a situação dos índios se tornava sujeita a todo
tipo de interpretação. Os que restaram nas casas dos portugueses podiam ser
alugados, vendidos ou forrados, mas pouco disso estava documentado. Nascia aí a
ambígua figura do ‘agregado’, comum nas casas brasileiras ao tempo da colônia,
em que se adotava ou dava sustento a um morador que não era da família. Este
não era empregado, ou escravo, nem parente, e trabalhava na casa e nos negócios
da família a título de gratidão por ter sido recolhido da pobreza. O agregado
foi uma versão tropical da ‘casta de escravos que os árabes tomavam de seus
pais para adestrar e criar em suas casas-criatórios, onde desenvolviam o
talento que acaso tivessem’, afirma Darcy Ribeiro. Depois de conviver com os
índios em Iperoig, e de toda sua experiência nas escolas, os jesuítas já haviam
concluído que seu esforço com o ‘gentio’ era inútil, como afirma o próprio
Nóbrega, em carta de 1559 ao então ex-governador-geral Tomé de Sousa: ‘como é
gente brutal, não se faz nada com eles, como por experiência vimos todo este
tempo que com ele tratamos com muito trabalho, sem dele tirarmos mais fruto que
poucas almas inocentes que aos céus mandamos’. Veladamente, os jesuítas
amadureciam a ideia de que a única saída para a colonização era o extermínio
dos tupinambás. E não apenas defenderiam essa ideia na correspondência a seus
superiores e com a corte em Lisboa como atuariam diretamente na sua execução.”
(Guaracy, págs. 186-189)
Thales Guaracy (1964-) jornalista, escritor e editor brasileiro em A
conquista do Brasil