“Basta-me
ouvir alguém falar sinceramente de ideal, de futuro, de filosofia, ouvi-lo
dizer ‘nós’ com um tom de segurança, invocar os ‘outros’ e sentir-se seu
intérprete, para que o considere meu inimigo. Vejo nele um tirano fracassado,
quase um carrasco, tão odioso quanto os tiranos e os carrascos de alta classe.
É que toda fé exerce uma forma de terror, ainda mais temível quando os ‘puros’
são seus agentes. Suspeita-se dos espertos, dos velhacos, dos farsantes; no
entanto não poderíamos atribuir-lhes nenhuma das grandes convulsões da
história; não acreditando em nada, não vasculham nossos corações, nem nossos
pensamentos mais íntimos; abandonam-nos à nossa indolência, ao nosso desespero
ou à nossa inutilidade; a humanidade deve a eles os poucos momentos de
prosperidade que conheceu: são eles que salvam os povos que os fanáticos e que
os ‘idealistas’ arruínam. Sem doutrinas, só possuem caprichos e interesses,
vícios complacentes, mil vezes mais suportáveis que os estragos provocados pelo
despotismo dos princípios; porque todos os males da vida provêm de uma ‘concepção
da vida’. Um homem político completo deveria aprofundar-se nos sofistas antigos
e tomar aulas de canto; e de corrupção...” (Cioran, pág. 13)
E. M. Cioran (1911-1995), filósofo e escritor franco-romeno em Breviário de Decomposição


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