"Creio que a emergência do pós-modernismo está estreitamente relacionada com a emergência desse novo momento do capitalismo tardio, multinacional ou de consumo. Acredito também que seus aspectos formais expressem de muitas maneiras a lógica mais profunda desse sistema social específico." - Frederic Jameson - Pós-modernismo e sociedade de consumo in O Mal-estar no pós-modernismo
A busca por alimento, como em todos os seres vivos, sempre
foi a maior preocupação da humanidade. Nossos antepassados do Paleolítico,
ainda desconhecendo a prática da agricultura, dependiam da coleta e,
principalmente, da caça. Durante mais de 100 mil anos o homem moderno, o Homo
Sapiens, perseguiu manadas de gnus, zebras e antílopes pelas estepes africanas
e mamutes, renas e bisões pelas geladas planícies da Eurásia. Aproximadamente
há oito mil anos, no final do último período glacial, a caça começa a minguar.
Com o aumento da temperatura, o clima começou a mudar e com isso flora e fauna
também passam por mudanças adaptativas. Os animais, que por milhares de anos
eram abundantes e proporcionavam grandes quantidades de proteína, decresceram
em numero, deslocaram-se para outras latitudes mais frias ou se tornaram
extintos.
Nossos antepassados, espalhados por uma extensa área que se
estendia da África à Europa e do Oriente Médio à Ásia até a América – onde os
antepassados dos povos indígenas já haviam chegado através de uma ponte de gelo
cobrindo o estreito de Bering – iniciaram a primeira grande revolução da
humanidade: a prática da agricultura. Observando o crescimento de plantas perto
dos acampamentos, resultado da queda ocasional de sementes, os homens devem ter
percebido que este processo poderia ser repetido em escala mais ampla, gerando
volumes maiores de sementes. Nos vales pantanosos à época dos rios Tigre e
Eufrates, na região onde atualmente se situam a Turquia, o Iraque e a Síria, a
agricultura passou a ser praticada pela primeira vez em larga escala a partir
de 5.000 A.C.
Cerca de milênio e meio depois, a atividade agrícola já havia se espalhado para
outras regiões; como o vale do rio Nilo, no Egito; o vale do rio Amarelo, na
China; e o vale do Indo, entre o Paquistão e a Índia.
A prática da agricultura se desenvolveu ao longo de toda a
história, sempre ocupando novas áreas, acompanhando o crescimento e a expansão
das populações humanas. Basta lembrar as extensões de terras agricultáveis que
se abriram na Europa, depois que gradualmente os povos celtas, germanos e eslavos
foram cristianizados e incorporados ao império romano e depois ao carolíngio.
Ou no século XVI, quando espanhóis e portugueses descobriram imensas extensões
territoriais agricultáveis no outro lado do Atlântico, além de uma grande
variedade de novas plantas comestíveis, como a batata, o milho, tomate,
abacaxi, abacate, amendoim, baunilha, mandioca, feijão, cacau, pimentas, entre
outras.
Apesar do constante aumento das áreas plantadas a fome, no
entanto, sempre acompanhou a humanidade. Já na Roma antiga, o historiador Tito
Lívio nos informa sobre uma grande fome que teria assolado a República romana
em 441 A.C.
Pouco antes da Queda de Roma (476 D.C.) a história registra mais um período de
grande carestia no então império Romano, provocada pelo saque da cidade, pelo
rei visigodo Alarico. Entre os anos de 400 e 800, a ausência de uma
estrutura político-administrativa estável, fez com que grande parte da Europa
fosse afetada por períodos de carestia. A situação se tornou tão confusa, que
em certas regiões da Europa, durante o século VIII, até ocorreram casos de
canibalismo. As ocorrências de grandes carestias sucedem-se durante a Idade
Média, em grande numero de países.
No final da Idade Média, entre 1315 e 1317 ocorreu na Europa
o que se passou a chamar de "A Grande Fome". Devido ao excesso de
chuvas e frio em diversas regiões, perderam-se colheitas em extensas áreas, o
que acabou provocando uma grande fome em todo o Velho Mundo. Milhões de pessoas
morreram por falta de comida e em consequência de problemas sociais ligados à
carestia, como o aumento de crimes, doenças e de assassinatos. Foi somente a
partir de 1322 que a Europa conseguiu, aos poucos, se recuperar do terrível
caos social que havia se instalado.
Assim, mesmo com grande variedade de alimentos conhecidos a
partir das Grandes Navegações – muitos autores falam em uma globalização do
consumo de certas plantas, frutos e sementes – grande parte da humanidade ainda
continuava a comer mal ou passar fome. O pintor e gravador alemão Albrecht
Dürer (1471-1528), pintou em 1498 o famoso quadro “Os Quatro Cavaleiros do
Apocalipse”, representando os maiores terrores da sociedade européia à época: a
peste, a guerra, a fome e a morte.
Foi somente a partir da gradual mecanização da agricultura e
da utilização de fertilizantes químicos – processo iniciado na primeira metade
do século XIX nos Estados Unidos, que já despontavam como grande potência
agrícola – que as colheitas se tornaram mais garantidas. Mesmo assim, a fome
ainda era uma ameaça real para a maior parte da população mundial, provocando
grandes fluxos migratórios, principalmente da Europa para as Américas. Uma
lista detalhada das principais ondas de fome ocorridas no mundo desde a
Antiguidade até os dias atuais encontra-se em: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_famines.
Ainda na década de 1960 a fome era uma preocupação para
cientistas, políticos e empresários – além do perigo de uma guerra atômica. O
aparente problema da progressão aritmética no aumento da produção de alimentos,
frente à progressão geométrica no crescimento populacional, ocupava grande
parte das discussões acadêmicas da época. Tomando como base a taxa média anual
de crescimento da população mundial naquele período (2,1%), previa-se a
explosão de uma bomba populacional. Mantido a taxa de crescimento, a população
se multiplicaria oito vezes no espaço de um século, 64 vezes em dois séculos,
512 vezes em três séculos, 4.096 vezes em quatro séculos e 32.768 vezes no
espaço de cinco séculos. Isto significava que a população mundial de três bilhões
de habitantes em 1960, chegaria a 98 trilhões de habitantes no ano de 2460; um
número assustador. Muitos cientistas diziam que as previsões feitas pelo
economista e demógrafo Thomas Malthus (1766-1834) em seu "Um ensaio sobre
o princípio da população ou uma visão de seus efeitos passados e presentes na
felicidade humana, com uma investigação das nossas expectativas quanto à
remoção ou mitigação futura dos males que ocasiona” poderiam se concretizar em
um futuro próximo. A humanidade cresceria tanto em número, que não haveria mais
alimento para todos. Esta foi, inclusive, a principal preocupação das primeiras
reuniões do Clube de Roma, em 1968.
Felizmente, o ritmo de crescimento da população mundial
começou a cair ao longo dos anos, se estabilizando em torno de 1% ao ano nos
dias atuais. Mas, não foi esse o principal motivo pelo qual as preocupações do
Clube de Roma mudaram o foco do crescimento populacional para o crescimento da
poluição. O que provocou uma verdadeira mudança na segurança alimentar mundial
foi a introdução da assim chamada “Revolução Verde” na agricultura. A técnica
foi desenvolvida nos Estados Unidos pelo agrônomo Norman Borlaug e prevê a
mecanização da atividade agrícola, do plantio à colheita, associada ao uso de
sementes geneticamente modificadas e insumos industriais (adubos e defensivos
químicos). A disseminação destas tecnologias em todo o mundo a partir da década
de 1970, fez com que as colheitas aumentassem e que o espectro da fome – pelo
menos aquele causado por falta de alimentos – desaparecesse ao longo dos
últimos trinta anos. Ainda persiste a fome originada por guerras, falta de
recursos financeiros ou por especulação; mas esta não tem causas naturais.
Resolvido por ora o problema da fome por falta de alimentos
para grande parte da humanidade, defrontamo-nos agora com novo desafio: o
desperdício de alimentos. Dados da Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO) dão conta que no mundo são desperdiçados 1,3
bilhões de toneladas de comida ao ano. Um estudo preparado pela entidade,
intitulado Global food; waste not; want not (Alimentos globais; não desperdice;
não sinta falta), mostra que grande parte dos alimentos em todo o planeta é
perdida, principalmente, por condições inadequadas de colheita, transporte e
armazenagem; por adoção de padrões visuais muito rígidos para os alimentos
(maçãs vermelhas, bananas sem manchas, etc.); e fixação de prazos de validade
rigorosos demais. Na Inglaterra, por exemplo, segundo reportagem do site da
BBC, cerca de 30% dos legumes, frutas e verduras são sequer colhidos, por não
corresponderem aos padrões de aparência que agradam aos consumidores. Outro
aspecto apresentado pelo relatório da FAO é que depois de comprados
aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos. O descarte de tão grande volume de alimentos representa uma
perda de aproximadamente 550 bilhões de metros cúbicos de água, usados para
produzir estas frutas e vegetais. Adicionalmente, segundo os cientistas, é
preciso computar o volume de gases de efeito estufa (CO² e outros) emitidos
para a produção e o transporte destes produtos, bem como o volume de metano
(CH4) emitido quando de sua decomposição, sem terem sido consumidos.
Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), foi criado um movimento mundial, com o objetivo de reduzir as
perdas e o desperdício de alimentos. A idéia, que surgiu durante a Rio+20, está
sendo divulgada através de um site (www.thinkeatsave.org) no qual constam
informações, relatórios, dados, dicas, eventos e iniciativas, sobre como
economizar alimentos e evitar o desperdício. A idéia já estava em circulação há
algum tempo: em 2012 o Parlamento Europeu aprovou uma recomendação para que
fosse reduzido o desperdício de alimentos, que naquele ano chegou a 89 milhões
de toneladas (equivalente a 179 Kg/ano/pessoa), com uma previsão de aumento
para 126 milhões de toneladas até 2020.
O Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), é um dos maiores desperdiçadores de alimentos do mundo. Segundo a
instituição, 35% de toda a nossa produção alimentícia são jogados fora; algo em
torno de 27 milhões de toneladas de comida ao ano. Dados do Instituto Akatu,
publicados em 2003, informavam que 64% do que se plantava no País era perdido
ao longo da cadeia produtiva: 20% na colheita; 8% no transporte e armazenagem;
15% na indústria de processamento; 1% no varejo; e 20% no processo de
preparação dos alimentos e na alimentação.
A questão da produção de alimentos é parecida com a da
produção de eletricidade. Se ao invés de continuamente aumentar a produção
fossem introduzidas medidas de eficiência, o consumo – tanto dos alimentos
quanto dos KWhs – seriam otimizados. Reduzindo o desperdício e gerindo o
processo de produção, distribuição e consumo de uma maneira mais racional, não
haveria necessidade de se fazer tantos investimentos no aumento da produção –
seja de alimentos ou de energia. O melhor aproveitamento dos recursos
diminuiria a necessidade de aumentar área de plantio e de geração de
eletricidade (hidrelétrica), reduzindo o impacto destas atividades ao meio
ambiente. Voltamos assim a um dos princípios básicos da economia: os recursos
são escassos e precisamos utilizá-los da melhor maneira possível.
(Imagens: fotografias de Horacio Coppola)