A crítica da modernidade

sábado, 12 de abril de 2014
"A Terra real não precisa ser salva. Pôde, ainda pode e sempre será capaz de se salvar, e agora está começando a fazê-lo, mudando para um estado bem menos favorável a nós e outros animais. O que as pessoas querem dizer com o apelo é 'salvar o planeta como o conhecemos', e isso agora é impossível."  -  James Lovelock  -  Gaia: alerta final

A modernidade foi um período na história cultural da humanidade que se estendeu aproximadamente da Revolução Francesa, no final do século XVIII, até meados do século XX. Estes critérios não são unânimes, porque alguns historiadores e sociólogos consideram o século XVI como início deste período. Outros afirmam que a modernidade ainda não terminou e que a expressão “pós-moderno” não tem razão de ser.
A divisão da história em períodos (Antiguidade, Idade Média e Modernidade), iniciada pelo historiador alemão Christoph Cellarius (1634-1707), não é isenta de influências ideológicas, representando interpretações de períodos da história da humanidade baseados em paradigmas culturais. No entanto, para seguir a interpretação majoritária, consideraremos que a modernidade teve início com a Revolução Francesa e terminou na metade do século XX, por razões que explicaremos ao longo do texto.
O ponto principal da discussão sobre a modernidade tem a ver com a “mentalidade moderna”; uma maneira diferente de encarar o mundo; uma nova cultura – em comparação e oposição à mentalidade e cultura medieval. A temática não é nova e já ocupou os enciclopedistas, que foram os principais propagandistas da idéia de que a Idade Média foi um período de ignorância e opressão, o “período das trevas”. Sob esta perspectiva, pode-se considerar que o surgimento do protestantismo, da imprensa e o contato com as novas culturas das terras recém descobertas no século XVI, já contribuíram para a formação de uma mentalidade moderna.

Outro grande marco na formação da modernidade foi o surgimento da moderna ciência com Francis Bacon (1561-1626) e Galileu (1564-1642) junto com o desenvolvimento da matemática (geometria analítica) e da moderna filosofia (metafísica) por Descartes. A física newtoniana, que tanto influenciou o filósofo Voltaire – um dos inspiradores da Revolução Francesa – também é considerada um grande marco na formação da mentalidade moderna. Na França o século XVIII vê nascer a Enciclopédie, a enciclopédia; reunião de todos os conhecimentos disponíveis à época e colocados à disposição em livros para aqueles que os podiam comprar. Teoricamente, todo o conhecimento acumulado pela humanidade – artes, tecnologias, história, ciências – estava disponível para o cidadão.
A divulgação da cultura e da educação foi uma revolução nunca vista e só ultrapassada pela Revolução Francesa, o mais importante evento político da humanidade – na perspectiva dos modernos. A revolta representou um marco no surgimento do indivíduo político; o cidadão com seus direitos, não mais passível de escravidão e opressão. Em síntese: o início do homem moderno e da modernidade.
A Revolução Francesa abria novas perspectivas para a humanidade em todas as áreas. Se, por um lado, a Igreja Católica ainda forte na França, perdia gradualmente seu poder opressor, a filosofia alemã – com Kant, Fichte, Schelling e Hegel – saudava o evento como grande marco na história e absorvia sua ideologia de valorização do homem moderno – mesmo que Hegel mais tarde ficasse desiludido com os rumos tomados pela revolução.
Além da cultura – chamada de superestrutura pelos marxistas – também contribuíram na formação do homem moderno os inventos tecnológicos e as mudanças na estrutura econômica (infraestrutura, segundo Marx). O mercantilismo, entre os séculos XVI e XVIII, foi responsável por modificar as estruturas sociais, aproximando povos através do comércio mundial – alguns autores localizam neste período o início de um processo de globalização das relações econômicas, culturais, ambientais, que se tornou cada vez mais acentuado até nossos dias. O desenvolvimento da economia cria novas demandas tecnológicas e propiciou o aparecimento de novos inventos, dando início à industrialização da sociedade ocidental, iniciada no final do século XVIII em cidades como Manchester e Liverpool, na Inglaterra, para daí espalhar-se para a Europa, Estados Unidos e o resto do mundo.

O avanço da industrialização da Europa e a sucessão de descobertas científicas e invenções tecnológicas aumentavam cada vez mais a fé no progresso e na gradual melhoria da condição de vida humana, pelo menos para os grupos política e economicamente dominantes – como, aliás, sempre aconteceu em todas as civilizações. Foi também nesse ambiente social e econômico que entre o final do século XIX e início do século XX surgiram ideologias que julgavam possuir a solução para todos os males da humanidade, através da instituição de novas ordenações políticas e econômicas: anarquistas, socialistas, comunistas, social democratas, fascistas e nacional-socialistas (nazistas). Havia – e ainda os há em pouca quantidade felizmente – uma vasta gama de reformadores, que imbuídos de um messianismo fanático diziam querer melhorar a condição da humana. Demonstrou a história que só seguiam seus mais baixos interesses ou, no melhor dos casos seus delírios insanos.   
Temos então, resumidamente, alguns aspectos da chamada “modernidade” fortemente valorizados (em parte até nossos dias), mas considerados grandes engodos pela crítica pós-moderna. Algumas destas falácias da modernidade incluem:                                                                                                                                                   
a) Supostos valores da modernidade: valorização do indivíduo, associado a paradigmas como democracia e direitos humanos. Crítica da pós-modernidade: o imperialismo capitalista, propiciando a exploração de países fornecedores de matéria-prima e mão de obra desde o início do século XX; países transformados em colônias; duas guerras mundiais; genocídios; Hiroshima e Nagasaki, entre outros exemplos não muito edificantes.
b) Supostos valores da modernidade: racionalidade atuando em benefício da humanidade; educação e cultura elevando o padrão de vida. Crítica da pós-modernidade: uso da ciência para fins bélicos; massificação da cultura utilizada para fins econômicos; educação como formadora de mão-de-obra; destruição dos ecossistemas e recursos naturais da Terra.
c) Supostos valores da modernidade: sistemas filosóficos e ideológicos capazes de explicar e dar um sentido às sociedades humanas e à história; ciência como detentora da verdade em substituição às religiões. Crítica da pós-modernidade: ideologias que escravizaram os povos e os indivíduos impedindo seu livre desenvolvimento; doutrinas pseudo-políticas racistas, classistas, promovendo destruição e morte: Stalin, Hitler, Pol Pot, Mao Dze Dong e outros açougueiros; ciência como forma de interpretar a realidade, sempre sujeita a mudança de paradigmas; acabaram-se as verdades.

Associar a modernidade a valores políticos, culturais, econômicos, religiosos e sociais apresentados como “modernos”, “libertadores”, “progressistas” justifica a crítica ao moderno. O futuro radiante avistado por entusiastas de todos os tipos dos séculos XVIII, XIX e parte do XX, não se concretizou. No final, depois de tantas ideologias, os valores efetivamente importantes que nos sobraram foram a democracia, que nunca será completa, e a liberdade individual do ser humano.
Que seja bem-vinda a era pós-moderna!
Referências:
Um panorama da modernidade: origem, formação e perspectivas. Disponível em: <http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp29art06.pdf>. Acesso em 13/12/2013.
Modernidade. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Modernidade> . Acesso em 13/12/2013.
Mahavishnu Orchestra – The lost Trident sessions. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=C7lDW1OHK9k>. Acesso em 13/12/2013.
Periodização da história. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Periodiza%C3%A7%C3%A3o_da_Hist%C3%B3ria>. Acesso em 13/12/2013. 
(Imagens: vegetação de restinga - fotografias de Ricardo E. Rose)

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