Lucro fácil e rápido

sábado, 28 de novembro de 2015
"Assim, o ceticismo não pretende que os seus argumentos destrutivos sejam realmente conclusivos - pretendê-lo seria um dogmatismo às avessas -, mas procura apenas mostrar que eles são equiparáveis, em força argumentativa, aos argumentos das filosofias 'dogmáticas' e a quantos se podem construir em defesa de formulações assertivas quaisquer. Assim, por exemplo, em face dos argumentos 'dogmáticos' aparentemente plausíveis em favor da existência de um critério de verdade, os céticos desenvolverão contra-argumentos que parecerão igualmente plausíveis, sem pretender que sejam verdadeiros ou mais verdadeiros que seus contrários."  -  Oswaldo Porchat Pereira  -  Rumo ao ceticismo

O Brasil sempre foi considerado um país da fartura. Os primeiros colonizadores portugueses quando aqui chegaram, ficaram admirados ao verem a diversidade de plantas e animais. Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, escreveu na célebre "Carta do achamento do Brasil" que "Andamos por aí vendo o ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não muito altas; e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles." Em outro trecho do documento a ser encaminhado ao rei, Caminha relata como viviam os índios: "Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos."
A comida e a água na terra na recentemente descoberta Ilha de Santa Cruz, eram abundantes. Diferente da pátria que ficou para trás, onde a terra não era mais tão fértil e as safras de trigo eram perdidas por falta de chuva ou pelo frio. A partir das primeiras décadas de colonização criou-se o mito da terra fértil, com recursos abundantes prontos para serem explorados. A exploração do pau-brasil nas matas do litoral (século XVI), o plantio da cana de açúcar com mão de obra escrava (séc. XVII) e a extração de ouro em Minas Gerais (séc. XVIII), refletem aspectos desta mentalidade.
Esta visão exploratória começou cedo sua história no Brasil. Os bandeirantes foram os primeiros que com parcos recursos materiais e humanos, ingressavam nos sertões à procura de riquezas - índios e pedras precisas -, sendo muitas vezes bem sucedidos. Tornaram-se, junto com os senhores de engenho do Nordeste, as primeiras elites econômicas e políticas da colônia. Mais tarde, esta mentalidade também foi fortalecida pelas atitudes dos funcionários do reino e pelos investidores. Vindos de Portugal, os primeiros queriam amealhar pequenas fortunas, para voltar à metrópole em melhor situação social. Os segundos, planejavam multiplicar seus investimentos, aplicando seus recursos em empreendimentos de lucro fácil e rápido, como o tráfico negreiro e a mineração. O tempo passou, o Brasil se tornou independente de Portugal, mas permaneceu no arquétipo da cultura colonial brasileira a componente exploratória, visando o lucro imediato.

Findo o ciclo econômico do ouro, começa o do café, nos arredores da cidade do Rio de Janeiro. Florestas foram derrubadas, para o plantio da rubiácea. A destruição da mata no maciço da Tijuca, gradativamente provocou a diminuição de água nas nascentes que serviam a cidade. Foi preciso remover a cultura cafeeira para a região do vale do rio Paraíba e reflorestar os arredores do Rio de Janeiro. Do vale do Paraíba a cultura do café se estendeu para o interior da então província de São Paulo, em direção Oeste. A expansão da cultura cafeeira envolveu a eliminação de grandes extensões de floresta atlântica e, principalmente no interior de São Paulo, a morte de milhares de remanescentes de povos indígenas.
A história recente do Brasil continua mostrando que a exploração com objetivo de lucro fácil e rápido, destruindo e extraindo recursos até a exaustão, ainda faz parte do inconsciente cultural brasileiro.
(Imagens: pinturas de Rubem Ludolf)

Quando investir em inovação dá certo

sábado, 21 de novembro de 2015
"Todo o jornalismo sadio nos Estados Unidos (sadio no sentido de que floresce espontaneamente, sem precisar de auxílio externo) baseia-se firmemente em inventar e destruir papões. Assim como a política. E assim como a religião. O que reside sobre esta impostura fundamental é uma artificialidade, um brinquedo de homens com mais esperanças do que bom-senso."  -  H. L. Mencken  -  O livro dos insultos


Falar que o país passa por uma crise econômica que está afetando vários setores, inclusive a indústria e a capacidade de investimento do Estado, é chover no molhado. Noticiários semanalmente divulgam o aumento da taxa de desemprego, o fechamento de lojas (só as Casas Bahia e Ponto Frio fecharam 31 lojas no terceiro trimestre) e os saques de dinheiro da poupança. Tempos difíceis.
No meio desta maré baixa, no entanto, existem setores da economia nos quais a situação é bem diferente. Um destes exemplos é o da energia eólica. Contando com a ajuda das condições geográficas e climáticas do país, o setor tem um potencial para gerar até 140 GW - cerca de 10 usinas Itaipu, a segunda maior hidrelétrica do mundo. Até 2015 o setor já instalou 281 parque eólicos, principalmente nas regiões Sul e Nordeste e, se tudo correr como planejado, o Brasil chegará ao final do ano como o 5º maior gerador de energia eólica no mundo.
O setor de energia eólica teve início em 2002, com o programa PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Eólica), através do qual o Ministério das Minas e Energia (MME) incentivou a construção dos primeiros parques eólicos. Em 2005 havia uma capacidade instalada de geração eólica de 25 MW. Atualmente o Brasil tem 7,07 GW instalados (um aumento de 280 vezes!) e mais 10,70 GW estão em construção. Até 2020 a energia eólica será a segunda maior fonte energética do país, depois das hidrelétricas. O MME prevê que até 2030 20% da eletricidade consumida na país virá das energias renováveis (sem contar as hidrelétricas), gerada principalmente pelos parque eólicos.
Foi o desenvolvimento de novas tecnologias, medições de vento mais exatas e o aprimoramento da engenharia financeira que fizeram com que caíssem os custos de instalação de parques eólicos. Outro aspecto da evolução deste mercado foi a introdução de leilões para compra de energia pelo Estado, fomentando a competição entre as empresas.O primeiro leilão, convocado pelo MME, foi realizado em 2009. De lá para cá o país realizou um total de cinco leilões, somente para energia eólica. Estes fatores tiveram um forte impacto na redução dos preços da energia gerada. Em 2002 o custo da energia eólica era de R$ 374,00 por Megawatt hora (MW/h), enquanto que a energia hidrelétrica custava R$ 100,00 por MW/h. Em 2011 o MW/h da energia eólica foi comercializado a R$ 100,00 - quase o mesmo preço da energia hidrelétrica, cuja instalação leva muito mais tempo.
O desenvolvimento do setor de eólica está a pleno vapor, devendo crescer em média 30% ao ano, durante os próximos anos. Em 2014 foram investidos cerca de R$ 18 bilhões neste mercado e em 2015 o setor deverá gerar 35 mil postos de trabalho, que até 2019 aumentarão para 150 mil. Até lá espera-se que a capacidade de geração instalada chegue aos 18 GW. A energia eólica é exemplo para outros segmentos da economia brasileira. Ao invés de continuar dependendo de incentivos do Estado, o setor investiu em inovação e pesquisa, aprimorou seus instrumentos de financiamento e, através da livre concorrência, alcançou um rápido crescimento. Empresários e governo deveriam estudar este "caso de sucesso" com mais atenção e descobrir maneiras de aplicar os seus princípios a outros setores. Esta é, com certeza, uma maneira de modernizarmos outros setores da nossa economia e voltarmos a crescer.
(Imagens: fotografias de José Medeiros)

Comentário sobre o filme "O homem-urso" (The grizzly man) de Werner Herzog

quarta-feira, 18 de novembro de 2015
"O que mais salta à vista sobre os clérigos é a sua descomunal falta de informação e de bom-senso. Eles constituem, talvez, a classe mais ignorante de professores já formada para guiar um povo presumivelmente civilizado; são mais ignorantes ainda do que os superintendentes de escolas."  -  H. L. Mencken  -  O livros dos insultos

Timothy Treadwell viveu e filmou a vida dos ursos do Alasca durante dez anos. A cada ano passava três a quatro meses sozinho com os ursos, conversando e tentando entender sua vida, vivendo em uma barraca, sem qualquer tipo de arma. Treadwell era personagens de seus próprios filmes. O documentário mostra diversas cenas, rodadas por ele mesmo, conversando com os ursos e explicando aos espectadores as ações dos animais, que ocorriam efetivamente alguns metros à sua frente. Treadwell declarava que queria um encontro com os ursos além do conceito humano-animal. Via a si mesmo como um guardião dos animais.
Em muitas cenas do documentário, Treadwell se comunica com os ursos e dizia que pretendia se tornar um animal selvagem como eles. Em outras cenas declarava que queria chamar a atenção do mundo para a degradação ambiental que estava ocorrendo no Alasca, colocando em perigo todo o complexo sistema ecológico onde viviam os ursos e outras espécies que também aparecem nos filmes.
Durante o período em que não estava sozinho no Alasca, Treadwell fazia conferência para diversos tipos de públicos; empresários, políticos, estudantes, cidadãos comuns, sempre ressaltando a importância de se proteger a região e os animais. Por outro lado Treadwell também foi alvo de críticas, principalmente por parte daqueles que tinham algo a perder, caso o controle ambiental sobre a região se tornasse mais rígido.
Quando estava no Alasca, Treadwell agia e se comportava como um urso. Sentia-se imbuído de uma missão que só ele podia desempenhar. Declarou em várias filmagens que morreria pelos animais, que tentava proteger. Índios cujas tribos no passado habitavam a região, declararam no documentário que esta havia sido a grande loucura de Treadwell; tentar ultrapassar este abismo que existe entre o homem e o animal.
Em 2001, ao findar mais um período de permanência com os ursos, Treadwell e sua companheira Amy foram destroçados por um urso na região chamada de Labirinto dos Ursos.
O documentário entrevista o piloto de avião que viria buscá-los, para levá-los de volta à cidade mais próxima. Ao chegar ao acampamento chamou pelo casal e não escutou resposta. Viu diversas coisas espalhadas e um urso mastigando algo de estranho e todo sujo de sangue. O urso estava inquieto e avançava em direção ao piloto. A dedução dos fatos foi imediata. Entrou de novo em seu monomotor e levantou vôo. Voltou horas depois trazendo alguns caçadores, que mataram o urso e em seu estômago encontraram pedaços de tecidos e corpos humano – parte dos corpos de Timothy e Amy. 

Timothy Treadwell era filho de uma família de classe média baixa, nasceu e cresceu na Flórida. Conseguiu uma bolsa de estudos na faculdade por ser bom nadador, participando do time de natação. Aos vinte e poucos anos começa a beber, sofre uma queda, não podendo mais nadar e vindo a abandonar a faculdade. Em seguida mudou-se para a Califórnia, onde tentou uma carreira como ator de seriados para a TV, todavia sem muito sucesso. Logo em seguida começa a frequentar as praias, onde se torna instrutor de surfe. Apresenta-se como sendo australiano (muda até seu sotaque), órfão, que tinha se mudado para os Estados Unidos. É neste período que Timothy começa a fazer uso de drogas. Segundo depoimentos de amigos, tinha uma personalidade problemática, vivendo determinado período da sua vida entre a legalidade e a ilegalidade. Por fim, depois de uma overdose que quase o mata, Timothy Treadwell passa por uma transformação. A partir desta época passa longas temporadas no Alasca, vivendo entre os ursos.
Em seus últimos períodos de permanência no Alasca, Treadwell começa a apresentar indícios de paranóia. Reclama dos visitantes, acha que os caçadores querem matá-lo. Viola a regra do parque, que permite uma aproximação máxima de 90 metros dos ursos.
Treadwell morreu tentando salvar sua companheira. Enquanto o urso os atacava, sua câmera, apesar de não mostrar imagem, estava gravando os sons de sua luta com o urso e seus gritos, dizendo que Amy corresse para salvar a vida.
No fim, deixou alguns críticos, muitos admiradores e alguns amigos que o conheciam mais de perto, como realmente era em todos os seus aspectos humanos, bons e ruins.
Durante o documentário, Werner Herzog, além de dirigir, também narrava o filme. Ao final, depois de contar toda a história e entrevistar todos os envolvidos, Herzog diz que Timothy Treadwell foi um sonhador, foi talvez o personagem do próprio filme (aquele que nunca pode estrelar). “Olhando para os ursos não vejo aquilo que Treadwell via e amava, vejo apenas a indiferença e a fome da natureza”, diz.
Trata-se de uma história real, mostrando cenas do homem que passou por tudo que aqui é narrado. Até que ponto Herzog romanceou em um documentário a vida de um jovem que do fracasso alcançou fama internacional? Parece que tudo foi feito de uma maneira honesta e respeitosa, inclusive poupando parentes e amigos. O filme suscita perguntas como: Afinal, o que é uma vida humana? O que é verdade e mentira sobre a vida de uma pessoa? Como sabemos? Qual é o sentido ou valor que damos à nossa e à vida dos nossos semelhantes? O que é uma vida ética e como sabemos? 
O filme também tem uma lição filosófica. Olhando a Natureza, pensamos inconscientemente que de certo modo ela está aí para nós humanos, que podemos manipulá-la ou, como Treadwell pretendia, conviver em paz com ela. Nietzsche dizia que somos estranhos neste universo, que este não foi feito para nós. Assim como os ursos, somos passageiros, elos de uma longa cadeia.
(Imagens: fotografias de Antonio Paim)

Nível do mar aumenta até 2050

sábado, 14 de novembro de 2015
"Há uma espécie de vício na irrealidade que revela as formas mais destrutivas de otimismo: um desejo de anular a realidade, como a premissa a partir da qual a razão prática começa, e substituí-la por um sistema de ilusões  complacentes. O futurismo é assim."  -  Roger Scruton  -  As vantagens do pessimismo


Antes do tempo previsto pelos cientistas, aparecem os primeiros efeitos das mudanças climáticas; aumento da temperatura média da Terra, estações mais rigorosas, além de outros fenômenos relacionados ao clima, como chuvas e secas prolongadas. Outro aspecto que começa a preocupar as cidades litorâneas de todo o mundo é a perspectiva do aumento do nível do mar. Previsto para a final deste século, o fato deverá se tornar perceptível já a partir dos próximos 20 ou 30 anos.
A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) realizou estudo em conjunto com cientistas dos Estados Unidos e da Inglaterra, pesquisando o efeito das mudanças climáticas sobre o nível do oceano Atlântico, no Brasil. O trabalho apontou um aumento do nível do mar de cerca de 30 centímetros até 2050, fato que deverá trazer diversos impactos econômicos, sociais e ambientais na região. Segundo o chefe de pesquisas do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, José Marengo, coordenador do projeto no Brasil, "Vamos mostrar à população e ao governo que as perdas econômicas são muito menores quando existem medidas de adaptação”.
O estudo por enquanto está centrado na região de Santos, já que depende de diversas informações sobre a cidade, como: a forma de ocupação da região, o tipo de atividade econômica preponderante, tipo de construções na área, acidentes geográficos (rios, montanhas), etc. Santos foi a primeira cidade brasileira a sediar este estudo, devido à disponibilidade das informações e à importância econômico da região e do porto. No próximo ano deverão ser executadas pesquisas semelhantes, focadas nas cidades de Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife.
Em outras partes do planeta estão sendo realizados estudos semelhantes. Segundo o site "Business Insider", a cidade litorânea de Miami, nos Estados Unidos, deverá sofrer cinco grandes impactos com a elevação do nível do oceano: 1) Contaminação de parte das fontes de água potável; 2) Prejuízo na atividade agrícola da região; 3) Impacto na flora da região, por alterar a química do solo; 4) Mudanças na fauna da região, já que muitas espécies não se adaptarão às novas condições; 5) Impactos consideráveis sobre as atividades da economia da região.

O exemplo de Miami é muito bem aplicável à Baixada Santista. Considerando apenas um raio de 100 km em torno do porto santista, podemos prever diversos impactos na região, desde o assoreamento do canal do porto, a alterações nos mangues que circundam toda a área (Santos, Cubatão, Bertioga, São Vicente e Praia Grande), o desaparecimento de praias, e inundações de áreas urbanas situadas perto do oceano. As consequências econômicas e sociais destes impactos, afetando atividades ligadas ao porto e ao turismo, ainda são imprevisíveis. O estudo da Fapesp recomenda a construção de barragens, comportas e proteções nas estruturas físicas dos prédios, em uma fase inicial.
O coordenador do projeto informa que até 2100 o nível do oceano poderá aumentar em até um metro, o que trará novos problemas para todas as cidades litorâneas do país. O fenômeno não ocorrerá repentinamente e por isso governos municipais, estaduais e federal terão muito tempo para se prepararem. O importante é começar imediatamente, informando a população, estruturando projetos, que no decorrer dos anos deverão ser colocados em prática.
(Imagens: fotografias de Cristiano Mascaro)

Alimentos contaminados por agrotóxicos

sábado, 7 de novembro de 2015

"A razão por que Sócrates podia repousar nesta ignorância estava em que ele não possuía um impulso especulativo mais profundo. Em vez de acalmar pela especulação esta negatividade, apaziguava-a muito antes na inquietude eterna, na qual ele reprisava o mesmo processo com cada indivíduo particular."  -  Sören Kierkegaard  -  O conceito de ironia

Grande parte dos legumes, frutas e verduras que consumimos diariamente não tem qualquer tipo de fiscalização quanto a sua qualidade. No entanto, análises feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2014, mostraram que 31% dos alimentos estavam contaminados com excesso de agrotóxicos. Dentre as substâncias encontradas nas análises, estavam algumas potencialmente cancerígenas e já banidas na União Europeia e países como a China e a Índia.
A matéria jornalística, publicada no jornal Folha de São Paulo em 4/10/2015, mostra, por exemplo, como a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais) de São Paulo - o maior armazém comercial da América Latina por onde passam 30% de toda a produção nacional de alimentos - praticamente não tem seus produtos analisados. Segundo informações do Ministério da Agricultura, durante todo ano de 2014 lá só foram coletadas duas amostras de bananas. Feirantes que trabalham no armazém confirmaram que há anos não presenciam qualquer coleta de alimentos para análises. O Ceagesp, convêm lembrar, é responsável pela distribuição de produtos para supermercados e feiras livres da capital e de dezenas de cidades do interior e de outros estados.
As análises realizadas pela Anvisa em 2014 mostraram que diversos alimentos continham níveis de agrotóxicos acima dos aceitáveis. 90% das amostras do pimentão estavam contaminadas com excesso de defensivos agrícolas; 70% dos morangos; 60% das alfaces; 22% dos tomates; 11% dos mamões e 10% do fubá de milho. A responsabilidade pelo controle da qualidade deste tipo de alimento é de três órgãos: A Anvisa, o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente. Os resultados das análises - nas raras vezes em que são feitas - costumam dar resultados diferentes.
Assim, não é de surpreender que o Brasil seja campeão mundial na importação de agrotóxicos e seu segundo maior consumidor, depois dos Estados Unidos. A aprovação de novos produtos mais eficientes e menos tóxicos, segundo os próprios fabricantes, é demorada e burocrática. Outro fator que incentiva o uso destas substâncias em larga escala é o fato de que são isentos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e têm uma redução de 60% no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Produtos importados além disso têm isenção das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins. Os produtos orgânicos, cultivados sem adição de agrotóxicos, estranhamente não gozam desta generosa redução e isenção de tributos.

No jogo de empurra entre os órgãos públicos responsáveis pelo controle da qualidade dos alimentos, o lesado, como sempre, é o consumidor. Vítima de interesses econômicos e da inoperância do governo - seja por que motivos for - corre o risco de contrair diversas doenças. Somente uma marca de defensivo usado na agricultura, pode causar 25 tipos de doenças ao longo dos anos.
A rastreabilidade de alimentos - a possibilidade de investigar a origem do alimento e os processos pelos quais passou até chegar ao consumidor - já existe no Brasil para algumas marcas de carne e para outros alimentos de maneira voluntária. O Instituto de defesa do Consumidor (IDEC) publicou importantes informações sobre o rastreamento na cadeia de alimentos no Brasil (http://www.idec.org.br/especial/de-onde-vem). O caminho para as soluções é longo, mas a informação é o começo do processo.
(Imagens: gravuras alemãs do século XV)