"Enquanto vivíamos no meio de terrores elegantes, acomodávamo-nos muito bem a Deus. Quando outros terrores, mais sórdidos porque mais profundos, nos invadiram passamos a precisar de outro sistema de referências, de outro patrono." - E. M. Cioran - A tentação de existir
Com certa regularidade encontramos
artigos na mídia, falando sobre o provável fim da nossa civilização ou do
desaparecimento da humanidade, por algum cataclismo. Nestes relatos, as possíveis
causas da destruição de nosso modo de vida são geralmente ambientais; mudanças
do clima afetando regimes de chuva e a temperatura, prejudicando colheitas e
reservas de água, etc. Um longo encadeamento de fatos, cujas origens estão na
nossa maneira irresponsável de explorar os recursos naturais do planeta.
Os mitos sobre o surgimento
de catástrofes, destruindo cidades, impérios e multidões de vidas, são bastante
antigos. Já na epopéia de Gilgamesh, um dos mais antigos documentos literários
conhecidos (cerca de 2.700 a.C.), é contado como os deuses assírios destruíram
o mundo através de um dilúvio, do qual apenas se salva Utnapishtim, em
condições semelhantes às do hebreu Noé. Egípcios, judeus, gregos, persas; quase
todos os povos da Antiguidade tinham relatos sobre a destruição da humanidade
em algum período do passado ou do futuro. Os maias e os astecas, povos que
habitavam a região do México e da América Central, desenvolveram uma elaborada
religião, que exigia sacrifícios humanos e a construção de pirâmides, a fim de
evitar que os deuses se vingassem dos homens e destruíssem o mundo.
A origem destes mitos muito
provavelmente está baseada em fatos reais, já que desde o seu aparecimento
sobre a terra, diversas gerações de humanos presenciaram fenômenos naturais
impressionantes, que através de relatos transmitiram às gerações posteriores.
Grandes terremotos sucedidos por maremotos, chuvas torrenciais e enchentes,
explosões vulcânicas, quedas de meteoritos; fenômenos cujas descrições foram
incorporadas aos relatos folclóricos e religiosos. Mitos como os do Dilúvio e de
Atlântida (civilização situada no oceano Atlântico, destruída por explosões
vulcânicas e maremotos, segundo relatos do filósofo grego Platão), muito
provavelmente tiveram origem em fatos reais, ocorridos em passado remoto.
Os relatos sobre grandes
cataclismos, afetando e dizimando parte ou a totalidade da humanidade, não deixaram
de existir. A diferença é que atualmente o relato mitológico e religioso foi
substituído pelo científico. Apesar de não podermos antever com exatidão o tipo
de catástrofe que poderá nos atingir, sabemos pela ciência que o desastre, se
ocorrer, será causado por fenômenos naturais até certo ponto previsíveis, ou
pela interferência humana. Assim, desde o final da década de 1940, temos
conhecimento do risco que corremos em destruir o planeta com explosões de armas
nucleares. Estamos cada vez mais cientes dos efeitos das atividades econômicas
sobre o meio ambiente, destruindo os ecossistemas e, através de reações em
cadeia que ainda não conseguimos explicar em detalhes, minando gradualmente
nossas condições de sobrevivência nas condições atuais.
Os relatos sobre catástrofes
destruidoras têm uma forte componente emocional. Muitas dessas narrativas foram
usadas pelas religiões, para fortalecer a doutrina e manter os fiéis sob
controle. Atualmente as teorias da ciência são capazes de fazer previsões,
mostrando o que poderá ocorrer ao planeta – e a nós principalmente – se
continuarmos mantendo as mesmas condições de produção, consumo e distribuição das
riquezas. Pode não sobrar ninguém para contar a história da epopeia humana.
(Imagens: fotografias de Pablo Vaz)
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