quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Stanislaw Jerzy Lec



Stanislaw Jerzy Lec, poeta e aforista polonês, nasceu em Lviv em 1909 de uma importante família judaica. Estudou letras e direito e desde cedo foi membro do partido comunista polonês. Começou escrevendo poemas e contos para publicações da Polônia e da União Soviética, mantendo intensa militância política. Internado em um campo de concentração pelos nazista na 2ª Guerra, foi condenado à morte por tentar fugir. Escapou matando o guarda com a pá com a qual deveria cavar seu próprio túmulo. Sobre este episódio escreveu o poema Aquele que teve que cavar seu próprio túmulo.
Após a guerra, por suas atividades na resistência polonesa, foi indicado para cargo diplomático em Viena. Descontente com o comunismo polonês, emigrou com a família para Israel, voltando para a Polônia dois anos depois. Atuou como tradutor e escrevia textos de crítica ao regime - fato pelo qual teve seus direitos de publicar cassados até o final dos anos 1950. Imensamente popular, apesar de antiautoritário e anticomunista no final da vida, Lec recebeu grandes honrarias do governo quando de sua morte em 1966.
Stanislaw Lec é considerado um dos melhores aforistas modernos, tendo suas obras traduzidos para quase todas as línguas europeias. Seus aforismos têm geralmente uma conotação crítica. Crítica da política, do conformismo, da imbecilidade (Dummheit) da vida humana, da falta liberdade. No Brasil, país onde o aforismo é pouco valorizado, Lec é praticamente desconhecido e não existem traduções de suas obras. Na internet encontram-se sites contendo alguns aforismos de Lec, traduzidos para o português.
Para fazermos estas traduções utilizamos as obras Letzte unfrisierte Gedanken (1968) (Últimos pensamentos desarranjados); Alle unfrisierte Gedanken (1983) (Todos os pensamentos desarranjados); e Das groβe Buch der unfrisierten Gedanken (1971) (O grande livro dos pensamentos desarranjados).

Aforismos diversos

Sua consciência era limpa, ele nunca a utilizou.

O que é o caos? É a ordem que foi destruída na criação do mundo.

Ah, se pudéssemos ver a vida e não as situações!

É uma pena Caim e Abel não terem sido irmãos siameses.

Aqueles que nadam contra a correnteza, não devem esperar que ela mude de direção.

Ideais não são nada para idealistas.

Para chegar à fonte é preciso nadar contra a correnteza.

Os gordos vivem menos. Mas eles comem por mais tempo.

Lidar com anões faz entortar a coluna.

Quantos rouxinóis uma fera precisa comer, para começar a cantar?

Muitas vezes é preciso dizer não, para poder se afirmar.

Eu sou lindo, eu sou forte, eu sou sábio, sou bom. E descobri tudo isso sozinho!

Panem et circenses! Sempre mais pão branco e jogos mais encarnados.

Quem apela à razão, não a reconhece como primeira instância.

"Levante a cabeça!", dizia o carrasco e lhe jogava a corda em torno do pescoço.

Eu sou um otimista. Acredito na libertadora influência do pessimismo.

Todas as nossas diferentes ficções resultam juntas na realidade.

Na realidade, tudo parece diferente do que realmente é.

Mesmo nas grandes encruzilhadas da história, a polícia tenta organizar o trânsito.

Alguns vivem em uma rotina tão admirável, que é difícil acreditar que vivem pela primeira vez.

Sua falta de talento ele compensa com falta de caráter.

Saiam do caminho da justiça. Ela é cega!

Também os supérfluos são frequentemente requisitados.

A arte era a sua paixão. Ele a perseguia.

Em tempos difíceis não se esconda dentro de você; ali você pode ser achado mais facilmente.

Talvez sejamos apenas a memória de alguém.

O ser humano representa em sua vida apenas um pequeno episódio.

Diferenciamos dois tipos de demônios: anjos decaídos e humanos promovidos.

Mesmo a eternidade tinha, antigamente, uma duração mais longa.

Quem encontra eco, se repete.

Quantos não existem que, para não perderem de vista seu próprio umbigo, estão prontos a curvarem sua coluna.

Ele carregava sua bandeira bem alto - para não precisar vê-la.

A vida é perigosa, quem vive morre.

Vocês sabem onde sempre se pode encontrar a esperança? No guarda-roupa do Inferno, abaixo da inscrição "Lasciate ogni speranza"

Todas as repúblicas as vezes são governadas por reis que estão nus.

Sejamos discretos. Não perguntemos aos mortos se eles viveram.

Os inquisidores conhecem a liberdade - dos depoimentos de seus prisioneiros.

Às vezes o Diabo me tenta a acreditar em Deus.

A contemplação do mundo é grátis. Só pelos comentários precisamos pagar caro.

Não devo me afastar da realidade? Mas ela não está em todo lugar?

(Imagem: fotografia de Stanislaw Jerzy Lec)

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