Antero de Quental

sábado, 17 de fevereiro de 2018

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

O poeta, ensaísta, escritor, pensador e político Antero Tarquínio de Quental, ou Antero de Quental, nasceu em 1842 na ilha de São Miguel, no arquipélago de Açores, Portugal. Aos 16 anos mudou-se para Coimbra, onde estudou direito. Nessa época já começou a dedicar-se à literatura, fundando junto com outros literatos a Sociedade do Raio, que tinha como objetivo a renovação da literatura portuguesa.

Antero de Quental viveu em uma época de grande ebulição política na Europa, coincidindo com o período em que Portugal começava a se modernizar, com a introdução do telégrafo, das ferrovias e das primeiras indústrias. Nesse ambiente, influenciado pelas ideias políticas anarquistas do francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), Quental vai trabalhar como operário em uma tipografia e torna-se um dos fundadores do Partido Socialista Português.

Dotado de grande cultura e interessado em todos os assuntos de sua época, da economia e política às ciências, passando pela filosofia e literatura, Quental continua publicando ensaios filosóficos, poemas e artigos em diversos periódicos. Através de suas atividades culturais, priva da amizade dos grandes escritores portugueses de sua época, como Eça de Queiróz, Abílio de Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão.  

Em 1873 herda uma soma considerável e muda-se para a pequena Vila do Conde, cidade nos arredores da cidade do Porto, para tratar problemas de saúde que o assolavam. Quental além da tuberculose, também sofria de profunda depressão e do que hoje é conhecido como transtorno bipolar. A doença psíquica influenciou muito sua atividade literária e sua vida pessoal. Em 1891, em uma de suas profundas crises, suicidou-se com dois tiros de pistola em um banco de jardim.

Poeta-filósofo, Antero de Quental foi comparado pelo escritor e ensaísta português Adolfo Casais Monteiro (1908-1972) aos antigos filósofos pré-socráticos, que transmitiram suas ideias filosóficas através de poemas. Em sua poesia, Quental tratou de temas universais da humanidade, que na cultura filosófica de sua época ainda eram ligados à metafísica. Sentido e valor da vida humana, bem e mal, foram temas que Quental também discutiu em seus ensaios filosóficos e sua numerosa correspondência.

As principais obras de Antero de Quental incluem "Sonetos de Antero" (1861); "Odes modernas" (1865); "Bom senso e bom gosto" (opúsculos, 1865); "A poesia na atualidade" (1881); "Sonetos completos" (1886); "A filosofia da natureza dos naturistas" (ensaios filosóficos, 1886); e "Tendências gerais da filosofia na segunda metade do século XIX" (ensaios filosóficos, 1890), entre as principais.

Abaixo transcrevemos trechos da obra de Quental, tomados do livro "Antero de Quental - Poesia e prosa" (Livraria Agir Editora, 1972):

O Inconsciente

O espectro familiar que anda comigo,
Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,
Que umas vezes encaro com desgosto,
E outras muitas ansioso espreito e sigo,

É um espectro mudo, grave, antigo,
Que parece a conversas mal disposto...
Ante este vulto, ascético e composto
Mil vezes abro a boca... e nada digo.

Só uma vez ousei interrogá-lo:
"Quem és (lhe perguntei com grande abalo)
Fantasma a quem odeio e a quem amo?"

- "Teus irmãos (respondeu) os vãos humanos,
Chamam-me Deus, há mais de dez mil anos...
Mas eu por mim não sei como me chamo..."

(Da obra "Sonetos Completos")


O universo aspira com efeito à liberdade, mas só no espírito humano a realiza. É por isso que a história é especialmente o teatro da liberdade. Os que veem na história um simples prolongamento da natureza, um fenômeno natural, só mais complexo, desconhecem inteiramente o verdadeiro caráter da evolução. O direito, devemos supô-lo, é já a aspiração inconsciente do animal: mas só às sociedades humanas preside efetivamente o direito.

(Da obra "Tendências gerais da filosofia na segunda metade do século XIX".).

(Imagem: retrato de Antero de Quental - pintura de Columbano Bordalo Ribeiro)

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