(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999) nasceu em Recife, de uma tradicional família de usineiros de
açúcar. O futuro poeta e diplomata era irmão do historiador Evaldo Cabral de
Melo, primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freire. Viveu parte
de sua infância na fazenda dos pais, no interior de estado. Aos dez anos
mudou-se com a família para Recife, onde veio a estudar no Colégio Marista.
Grande leitor, João Cabral era assíduo frequentador da biblioteca da escola e
da casa de sua avó.
Em 1942 lança sua primeira
coletânea de poemas, "A Pedra do Sono", nos quais predomina um clima
de surrealismo e absurdo. No mesmo ano João Cabral se transfere para o Rio de
Janeiro, onde ingressa no serviço público. Em 1945 lança sua segunda obra, "O
Engenheiro", cuja publicação foi custeada pelo amigo, o poeta e empresário
Augusto Frederico Schmidt. Em 1947 João Cabral ingressa na carreira
diplomática, através da qual passa a viver em várias cidades, tendo
oportunidade de conviver com intelectuais de Barcelona, Sevilha, Londres,
Marselha, Genebra, Dacar entre outras.
Em 1950 publica o "Cão
Sem Plumas", época em que começa a estudar cada vez mais os temas sociais.
O poema "Morte e Vida Severina", publicado em 1956, reflete bem essa
preocupação do poeta. O poema relata a vida de um retirante que deixa o sertão
em busca de melhores oportunidades na cidade. Transformado em peça de teatro, "Morte
e Vida Severina" foi encenada pela primeira vez pelo Teatro da
Universidade Católica de São Paulo (TUCA), em 1966, com músicas compostas por
Chico Buarque de Holanda.
João Cabral casou-se duas
vezes e teve cinco filhos. Foi eleito para ocupar a cadeira nº 37 da Academia
Brasileira de Letras, cujo patrono é o poeta e inconfidente Tomás Antonio
Gonzaga. A progressiva cegueira que passou a acometê-lo a partir de 1992
levou-o à depressão. O poeta morreu em 9 de outubro de 1999, vitimado por um
ataque cardíaco.
João Cabral pertence
literariamente à geração de modernista de 45. Foi influenciado pelo surrealismo
e pela poesia de Carlos Drummond de Andrade, a quem muito admirava. A
literatura de cordel, com a qual teve contato na infância, também deixou sua
marca em sua poesia, notadamente em "Vida e Morte Severina". Seu
estilo é pouco sentimentalista, sendo objetivo e racional, razão pela qual foi
apelidado de "poeta engenheiro".
Dentre as principais obras do poeta
destacam-se: "A Pedra do Sono" (1942); "O Engenheiro"
(1945); "O Cão Sem Plumas" (1950); "Morte e Vida Severina"
(1956); "A Educação Pela Pedra" (1966); "Museu de Tudo"
(1975); "Auto do Frade" (1984); "Sevilha Andando" (1989),
entre outros. Do livro "O Cão Sem Plumas e outros poemas (Rio de Janeiro,
Editora Objetiva, 2007) destacamos:
Primeiro,
o
mar devolve o rio.
Fecha
o mar ao rio
seus
brancos lençóis.
O
mar se fecha
a
tudo o que no rio
são
flores de terra,
imagem
de cão ou mendigo.
Depois,
o
mar invade o rio.
Quer
o
mar
destruir
no rio
sua
flores de terra inchada,
tudo
o que nessa terra
pode
crescer e explodir,
como
uma ilha,
uma
fruta.
(Trecho
de "Fábula do Capibaribe" do livro "Cão Sem Plumas")
No
fim de um mundo melancólico
os
homens lêem jornais.
Homens
indiferentes a comer laranjas
que
ardem como o sol.
Me
deram uma maçã para lembrar
a
morte. Sei que cidades telegrafam
pedindo
querosene. O véu que olhei voar
caiu
no deserto.
O
poema final ninguém escreverá
desse
mundo particular de doze horas.
Em
vez de juízo final a mim me preocupa
o
sonho final.
("O
fim do mundo" do livro "O Engenheiro")
Demorada
demoradamente
nenhuma
voz me falou.
Eu
vi o espectro do rei
não
sei em que porta ele entrou.
Meus
sofrimentos cumpridos
que
sonos os arrebatou?
Mas
por detrás da cortina
que
gesto meu se apagou?
("Canção"
do livro "Pedra do Sono")
(Imagem: fotografia de João Cabral de Melo Neto)
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