O livro de Weber “A
ética protestante e o espírito do capitalismo” foi eleito em 1999, em uma
pesquisa organizada entre intelectuais brasileiros pela Folha de São Paulo,
como o melhor livro de não-ficção do século. Tal a importância e perenidade da
obra escrita no início do século XX. Durante os anos 1960, 1970 e 1980, quando
o pensamento de esquerda tinha forte influência nos estudos sociológicos no
Brasil, a obra de Weber foi relegada a um segundo plano.
Em sua obra Weber
analisa características das várias correntes protestantes – luteranos,
calvinistas, menonitas, batistas, puritanos, quackers e vários outros –
traçando em linhas gerais seu posicionamento em relação às praticas
capitalistas de seu tempo. Inicialmente o autor define bem o objeto de seu estudo,
estabelecendo o que entende por capitalismo. Escreve Weber:
“E o mesmo é verdade também para a mais decisiva
força da nossa vida moderna: o capitalismo. O impulso para ganho, a persecução
do lucro, do dinheiro, da maior quantidade possível de dinheiro, não tem em si
mesma, nada que ver com o capitalismo. Tal impulso existe e sempre existiu
entre garçons, médicos, cocheiros, artistas, prostitutas, funcionários
desonestos, soldados, nobres, cruzados, apostadores, mendigos, etc. Pode-se
dizer que tem sido comum a toda sorte e condição humana em todos os tempos e em
todos os países da Terra, sempre que se tenha apresentado a possibilidade
objetiva para tanto. É coisa do jardim de infância da história cultural a noção
de essa idéia ingênua de capitalismo deva ser eliminada definitivamente. A
ganância ilimitada de ganho não se identifica, nem de longe, com o capitalismo,
e menos ainda com seu 'espírito'." (Weber 2002, p.
24)
Acaba assim o autor
com uma série de visões distorcidas, definindo o que considera capitalismo,
dirimindo mal-entendidos que até hoje ainda se encontram em obras de
especialistas e que acabam sendo popularizados pela comunicação de massa.
O ponto fulcral da
argumentação weberiana – fundamentada por grande número de exemplos tirados da
história (o livro de Weber tem mais de 90 páginas de “notas do autor”) –, é de
que o protestantismo, especificamente o calvinismo, deu origem a novas formas
de pensamento, através das quais grupos sociais passaram a se posicionar no
mundo através do trabalho. Trata-se de uma postura fundamentada na crença
religiosa, que através da ética se exterioriza principalmente no trabalho e na
maneira como são usados os seus frutos. Segundo Weber, o calvinismo, dadas
certas características de sua doutrina, estabelece que o cristão pratique sua
ascese principalmente através do trabalho. O calvinismo eliminara os ritos e
sacramentos, através dos quais o católico podia expiar suas culpas e retomar
sua ligação com Deus. Sendo assim, o calvinista mostrava seu relacionamento com
Deus – confirmando o fato de estar entre os eleitos destinados ao Paraíso –
através de uma racionalidade do trabalho e da boa aplicação de seus frutos:
economia e novo investimento do lucro, aversão ao luxo e ostentação. Escreve
Weber: “Assim, a riqueza seria eticamente
má apenas na medida em que venha a ser uma tentação para um gozo da vida no
ócio e no pecado, e sua aquisição seria ruim só quando obtida com o propósito
posterior de uma vida folgada e despreocupada” (Weber 2002, p. 118).
A ética do trabalho
foi o ponto principal através da qual o calvinismo (huguenotes na França,
puritanos na Inglaterra, protestantes nos Países Baixos) e outras seitas
reformistas (pietistas na Alemanha, quackers e metodistas na Inglaterra)
influenciaram decididamente o desenvolvimento do capitalismo, segundo Max
Weber.
Há que se notar que todos os países que entre o século XVI e XVIII
desenvolveram seu sistema financeiro, comercial, de manufatura, sua marinha e
suas comunicações, eram calvinistas, protestantes ou tinham forte influência
destas correntes religiosas – como a Inglaterra, a França, os Países Baixos,
certas regiões da Alemanha e Suíça. Comparativamente, os países essencialmente
católicos, como Portugal, Espanha e Itália, desenvolveram-se entre o final do
século XV e XVI, para depois gradualmente caírem em uma decadência econômica e
social, da qual só sairiam 450 anos depois.
A mentalidade
calvinista, com a valorização do trabalho e o reinvestimento dos lucros,
desenvolveu extremamente o comércio entre os séculos XVI e XVIII, criando as
bases para a industrialização, iniciada no final do século XVIII, na
Inglaterra. É evidente que este desenvolvimento não foi provocado somente pelo
calvinismo e pela mentalidade burguesa mercantilista. Outros fatores, como o
liberalismo político de John Locke, a ciência de Newton e o modelo do sistema
parlamentar inglês, baseado nos três poderes, também contribuíram para a
formação da mentalidade capitalista.
A hipótese
histórica e social de Max Weber, tentando explicar os fatores culturais que
condicionaram o desenvolvimento do capitalismo sempre encontrou muitos
críticos, principalmente entre os pensadores marxistas. Segundo estes, Weber
estaria cometendo o erro de explicar a infraestrutura (o desenvolvimento do sistema
capitalista) pela superestrutura (o cristianismo em sua versão calvinista).
Atualmente, é cada vez mais consenso de que a explicação histórica e
sociológica tem várias vertentes e que não existe uma explicação única, dada a
complexidade do assunto.
(Imagens: pinturas de Rodolfo Amoedo)
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