A política da prevenção

sábado, 12 de janeiro de 2019
"[...] não existe qualquer ser ou classe individual de seres que sejam chamados de 'causas' que são fundamentalmente de modo metafísico ou real diferentes dos outros seres ou classes individuais de seres que sejam reconhecidos como 'efeitos.'"   -   Stephen J. Laumarkis   -   Uma introdução à filosofia budista


No Brasil é conhecido aquele ditado: “depois de estar arrombada a porta, coloca-se a tranca”. A frase é famosa, porque é desta forma que efetivamente as coisas ocorrem. Nossas práticas culturais em grande parte ainda funcionam desta maneira. Ao invés de prevermos eventuais dificuldades que poderemos enfrentar no futuro – e assim tomar medidas de prevenção dos problemas –, geralmente agimos como se nunca algo de desastroso fosse ocorrer. Por causa desta visão simplista, preguiçosa e irresponsável ocorre todo tipo de acidente, como o estouro da barragem de resíduos de mineração em Mariana (2015), o fogo na boate Kiss em Santa Maria (2013), incêndios como o dos edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974), em São Paulo; explosões como a que aconteceu em um restaurante no centro Rio de Janeiro (2011), os naufrágios de barcos que a cada ano ocorrem na região amazônica, além dos milhares de mortos em acidentes automobilísticos. Tragédias que refletem falta de previsão do que possa acontecer; ausência de medidas preventivas como a manutenção de equipamentos e o efetivo controle das autoridades responsáveis, a fim de evitar mortes e prejuízos materiais.

A raiz desta atitude está provavelmente em nossas origens históricas de país tardiamente industrializado, com órgãos de controle ainda pouco preparados. A incorporação de normas de qualidade, manutenção preventiva e controle de processos; a formação de uma mentalidade voltada para a prevenção de acidentes e prejuízos; são itens de uma cultura ainda pouco disseminada no País. Os órgãos públicos incumbidos do controle ou da manutenção de serviços essenciais – como fornecimento de energia, água, segurança, saúde e transporte, etc., – também não dispõem de tradição de conhecimentos nesta área, com raras exceções. Mesmo entre os consumidores, a idéia da checagem periódica do estado de seus automóveis, instalação elétrica das residências, por exemplo, é prática bastante recente.

No mundo industrializado já é parte da cultura empresarial e governamental a prevenção de falhas e acidentes, ou qualquer outro tipo de ocorrência que poderia, desde que detectada com antecedência, ser evitada. Isto porque a maior parte das atividades humanas envolvendo o uso de tecnologia – seja na forma de conhecimento ou equipamentos – pode ser acompanhada através de processos de checagem e verificação, identificando o mau funcionamento do sistema, a incipiente capacitação de funcionários, a quebra do equipamento e prevendo as eventuais conseqüências do problema detectado. Em setores de infraestrutura, onde a correção de qualquer falha estrutural geralmente necessita de tempo, como o fornecimento de eletricidade, gás, água e tratamento de esgoto, as verificações e correções precisam ser realizadas com grande antecedência.

Pior ainda quando o problema é extremamente complexo, envolvendo a falta de chuvas ou insuficiente capacidade de geração de eletricidade – aspectos que precisam ser acompanhados desde o início, com providências que possam minorar a gravidade do problema, através de um conjunto de intervenções. No caso das crises energética ou hídrica – às quais estaremos cada vez mais sujeitos por força das mudanças climáticas – o governo precisaria priorizar a introdução de programas de eficiência energética e hídrica, envolvendo o setor da indústria, da construção civil da agricultura e o consumidor final, entre outros.

Dado o desenvolvimento do País, já é hora de atuarmos de uma maneira mais sistêmica, avaliando as consequencias de nossos programas e projetos, planejando melhor o futuro.


(Imagens: pinturas de Ilya Repin)  

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