"A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos." - Platão - citado em Filósofos que fizeram história, volume IV
(publicado originalmente no Manual de Transferência de Tecnologia Brasil-Alemanha 2009)
Introdução
O setor de meio ambiente no Brasil teve um desenvolvimento
bastante longo. A industrialização do País inicia-se na segunda metade do
século XIX, todavia de maneira bastante incipiente. Na década de 1930, durante
o governo Vargas, aumenta a atividade industrial provocando os primeiros
impactos nos recursos hídricos e nas florestas naturais remanescentes. Criam-se
então os primeiros documentos legais especificamente voltados para a
preservação dos recursos naturais; o Código da Águas (Decreto nº. 24.643/34) e
o Código Florestal (Decreto nº. 2793/34).
Após a Segunda Guerra Mundial, capitais estrangeiros são
atraídos pelo crescimento do País e pelas vantagens então oferecidas aos investidores.
A partir dos anos 1950, a
começar pela indústria automobilística e seus fornecedores, seguiu-se toda uma
cadeia produtiva de metalurgia, produção de maquinas e equipamentos,
acompanhada pelo aumento e diversificação da produção de bens de consumo. Para favorecer
o crescimento dos diversos ramos da economia, o governo incentiva a expansão da
infra-estrutura e a construção das primeiras refinarias de petróleo, base do
desenvolvimento da indústria química e petroquímica, na década seguinte.
Enquanto o processo de industrialização avançava, principalmente na região
Sudeste, também ocorriam mudanças no campo. O início da mecanização da
agricultura, aliada à criação de milhões de empregos nos grandes centros
urbanos das regiões industrializadas, provocam um êxodo rural, que no intervalo
de 30 anos (1950-1980) deslocará 30 milhões de pessoas dos campos para as
cidades.
A economia brasileira e mundial apresenta um grande
crescimento durante as décadas de 1950, 1960 e 1970. A produção industrial
cresce por todo o globo e o consumo alcança níveis nunca imaginados: surge a
sociedade de consumo. A falta de uma legislação destinada a proteger o meio
ambiente faz com que em todo o mundo apareçam os primeiros efeitos da
degradação provocada pelo sistema econômico: rios poluídos por efluentes
industriais e domésticos, montanhas de lixo sem nenhum tipo de tratamento,
solos contaminados por substâncias tóxicas. Nesta época, o Brasil vivia a era
do “milagre econômico”, conduzida por uma sucessão de governos ditatoriais
militares, para os quais a questão da degradação ambiental não era tema de
discussão. Havia uma urgência em fazer com que economia crescesse, mesmo que ao
custo de impactos ambientais.
A crise do petróleo e a redução do crédito fizeram com que a
economia mundial entrasse em um ritmo mais lento nos anos 1980. Ao mesmo tempo,
crescia em todo mundo a preocupação com a preservação ambiental, tanto por
parte de governos, quanto do setor privado. Nos vários fóruns mundiais
ocorridos durante estes anos foram estabelecidas as diretrizes daquilo que
posteriormente viria ser conhecido como o “desenvolvimento sustentável”.
No Brasil há o retorno da democracia e a chegada da crise
econômica que – com altos e baixos – se estenderá até o início dos anos 1990.
Durante as décadas de 1980 e 1990
a lei ambiental brasileira é aprimorada, visando limitar
a ação econômica predatória. Esta preocupação com o meio ambiente culmina na
Constituinte em 1988, quando é votada a nova Constituição do Brasil, contendo
diversos artigos versando especificamente sobre a proteção ambiental. Atualmente,
apesar de já existir um corpo de leis bastante desenvolvido, o controle
ambiental ainda é insuficiente, dada extensão territorial e o desaparelhamento
dos órgãos ambientais.
A necessidade de conduzir as atividades econômicas com
respeito ao meio ambiente fez com que se desenvolvesse todo um setor econômico,
envolvido na produção de equipamentos e serviços destinados a corrigir e
prevenir os efeitos da poluição.
Este setor, que de início só era voltado para o tratamento
de água e efluentes, a gestão de resíduos e o controle da poluição atmosférica,
passou a incorporar atividades preventivas como estudos de impacto ambiental,
avaliações de risco ambiental, análise de ciclo de vida de produtos, entre outros
tipos de serviços.
O mercado ambiental brasileiro
Não existem dados oficiais sobre o volume de investimentos
em tecnologias ambientais no Brasil. Com base em um estudo, o Departamento de
Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara Brasil-Alemanha estima que em 2007
este setor movimentou cerca de U$ 5,2 bilhões, em venda de serviços e
equipamentos, nos setores público e privado. Estes valores se referem a
investimentos novos e não incluem as obras de manutenção. Cerca de 20% deste valor
(US$ 1,08 bilhão) referem-se às tecnologias importadas, cuja origem é a
seguinte: cerca de 25% são originárias da França (US$ 270 milhões); 20% (US$
216 milhões) dos Estados Unidos; 18% (US$ 194 milhões) da Alemanha e 12% (US$
129 milhões) do Canadá. Os demais 25% tem origem diversa, como Inglaterra,
Itália, Espanha, Japão e Coréia. Especialistas estimam que o setor de meio
ambiente cresça de 5% a 7% ao ano, durante os próximos cinco anos.
O setor de serviços e equipamentos para tratamento de água e
efluentes domésticos e industriais, segundo mesmo estudo, movimentou cerca de US$
2,3 bilhões em 2007, dos quais aproximadamente US$ 230 milhões (10%) foram
importados. A previsão de crescimento
deste segmento é de cerca de 5% a 7% ao ano, durante os próximos cinco anos. O
grande contratante de serviços e equipamentos de saneamento é o setor público,
haja vista que iniciativas dos governos federais, estaduais e municipais são
responsáveis por quase 70% do volume de investimentos deste mercado.
Este setor desenvolveu-se em grande parte por necessidades
específicas da crescente indústria brasileira, nos anos 1950 e 1960, apesar de
o setor publico sempre ter sido o maior comprador de equipamentos neste
segmento. A indústria de saneamento tomou impulso a partir da década de 1970,
quando o governo federal instituiu o PLANASA (Plano Nacional de Saneamento),
criando as companhias estaduais de saneamento, a exemplo da SABESP (Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e da CEDAE (Companhia Estadual de Águas
e Esgotos do Rio de Janeiro). Estas companhias estaduais – uma por Estado, ao
todo 27 em todo o País atualmente incluindo o Distrito Federal – receberam as concessões das prefeituras,
para assumirem os serviços de tratamento de água e de esgoto das cidades de
seus Estados, durante um prazo de 25 anos. Com isso, atendem atualmente cerca de
3.800 municípios, de um total de 5.700 cidades em todo o País. As 1.700 municipalidades
restantes possuem serviços de tratamento de água e esgotos autônomos ou
privatizados.
Os investimentos no
setor de resíduos totalizaram aproximadamente US$ 2,5 bilhões em 2007,
incluindo o setor público e o setor privado. Especialistas do segmento estimam
um crescimento de 5% ao ano, durante os próximos cinco anos. A exemplo do que
ocorre com o saneamento, o setor de gerenciamento de resíduos é dominado por
empresas brasileiras, tanto na prestação de serviços, quanto no fornecimento de
equipamentos. Este segmento desenvolveu-se em época posterior ao do das tecnologias de
tratamento de água e de efluentes, já que a maior parte da legislação
relacionada com o transporte, manuseio, recuperação e destinação final de
resíduos só foi criada durante a década de 1980.
O
transporte e a disposição das cerca de 110.000 toneladas diárias de resíduos
domésticos gerados no País (calcula-se cerca de 0,60 kg de resíduo por
habitante por dia), são de responsabilidade das prefeituras; a maioria em
situação deficitária, impossibilitada de realizar novos investimentos. Para
contornar este problema o governo federal e os governos estaduais instituíram
linhas de crédito para ajudar as prefeituras menores a construírem aterros
sanitários tecnicamente seguros, evitando problemas de contaminação. Todavia,
ainda cerca de 30% dos municípios brasileiros não tem qualquer tipo de coleta de
lixo e a reciclagem ainda é limitada. De acordo com dados publicados pelo CEMPRE – Compromisso
Empresarial para a Reciclagem, somente 405 municípios, representando cerca de
7% das cidades do país, tem programas de coleta seletiva. Mesmo assim, o país
destaca-se na reciclagem de alguns tipos de embalagem, como latas de aço
(índice de reciclagem de 47%); plásticos (20%); papelão ondulado (77%); pneus
(73%); PET (51%); e latas de alumínio (94%).
Segundo números da Associação Brasileira de
Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), entidade que congrega parte das
empresas que atuam na coleta de resíduos sólidos, em 2005 foram gerados 69
milhões de toneladas de resíduos industriais (RSI). Desse total, 2,7 milhões
são classificados como Classe I, ou seja, perigosos, com risco à saúde pública
pelas suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade,
toxicidade e patogenicidade.
O sub-setor de controle da poluição atmosférica recebeu
cerca de US$ 400 milhões em investimentos no ano de 2007. A maior parte da
poluição atmosférica nas grandes cidades é causada em 85% por emissões
veiculares.
Educação e Pesquisa
Não existem dados disponíveis quanto às
atividades e volumes de investimentos em pesquisa no setor de meio ambiente. Considerando
que o País investiu 1% de seu PIB em P&D no ano de 2006, resultando em cerca
de US$ 8 bilhões em investimentos, estimamos os investimentos em P&D no
setor ambiental em
aproximadamente US $ 50 milhões em 2007, cerca de 1% do volume
deste mercado.
Um dos principais motivos desta falta de
dados é a dificuldade em se estabelecer os limites entre as áreas de interesse
das outras ciências e daquelas envolvidas com a questão ambiental. Por exemplo,
um estudo sobre a predominância de certas espécies vegetais em determinada
região, pode ser um estudo da área de biologia (botânica) ou pode ser um estudo
da área ambiental, se envolver no tema a ação do homem em determinados
biomas, afetando espécies. Outra dificuldade encontrada é estabelecer em que
medida a pesquisa que está sendo realizada por determinada empresa ou
universidade efetivamente é inédita ou repetição de estudos já anteriormente
realizados por outras instituições.
Mais um aspecto das pesquisas na área de meio
ambiente é que estas, devido a sua interdisciplinaridade, dificilmente se
transformam em novos produtos e novas tecnologias especificamente direcionadas para
o setor ambiental. As pesquisas realizadas por institutos de pesquisa como a
EMBRAPA, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) ou
universidades como a USP, por exemplo, passam a integrar conhecimentos de
outras ciências, como a biologia, a química ou a geologia e se tornam material
para novas pesquisas. Exemplo disto é o estudo realizado pela USP sobre o efeito dos raios ultravioleta e dos poluentes na fauna da
Antártida, e o levantamento dos organismos que vivem nas regiões de fundo do
Mar Antártico, temas estudados por pesquisadores de diversas áreas e que
posteriormente serão utilizados como informações para outras ciências. Outro
exemplo é de pesquisa financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), nas áreas de botânica e zoologia, realizadas
nos vários biomas do Estado de São Paulo - principalmente a Mata Atlântica - e
alguns outros biomas do Brasil. As áreas de interesse desta pesquisa são as
mais variadas: biologia, química (desenvolvimento de novas matérias primas),
medicina e meio ambiente.
Especialistas apontam também para o fato de
que existe ainda um grande distanciamento entre a universidade e o setor
privado. Se por um lado, a maior parte das empresas não possui centros de
P&D estruturados, o que dificulta a relação entre a empresa e o setor
acadêmico, por outro somente 12% dos técnicos das universidades tem algum
envolvimento com a indústria. Uma das alternativas encontradas para contornar
tais dificuldades é o estabelecimento de parcerias onde a universidade identifica
o parceiro ideal na academia para desenvolver pesquisas, que atendam às
necessidades específicas da empresa interessada. O pacote é montado com
direcionamento para o setor produtivo, totalmente focado no produto final a ser
desenvolvido. Nestes casos pode se tratar tanto do registro de uma patente,
como o desenvolvimento de pesquisa básica em laboratórios da própria
universidade, quanto a formação ou identificação de mão-de-obra especializada
para a área de atuação da empresa.
Algumas pesquisas especificamente na área de
meio ambiente realizados no Brasil envolvem projetos de análise de ciclo de
vida de produto, estudos sobre projetos de crédito de carbono e emissões (no
âmbito do Protocolo de Kyoto), indicadores biológicos de qualidade ambiental,
eficiência energética, aproveitamento de diversos tipos de resíduos, estudos do
impacto antrópico sobre biomas, biotecnologia aplicada ao combate à poluição, entre
os principais identificados. A maior parte dos projetos de pesquisa é
desenvolvida em universidades e institutos de pesquisa do governo. Empresas
privadas do setor ambiental contribuem pouco com projetos de P&D.
O controle ambiental ainda é incipiente na
maior parte do Brasil, apesar do esforço das agências ambientais, que lutam com
a falta de recursos para equipamentos e capacitação de seus técnicos. Com menos
controle, diminui a pressão sobre todos aqueles que exercem atividades
econômicas potencialmente poluentes e assim cai a demanda por tecnologias de
prevenção ou combate à poluição. Consequentemente também cai a demanda por
novas tecnologias, em cujo desenvolvimento poderia contribuir a atividade de
P&D no Brasil.
Assim, apesar dos incentivos governamentais,
do financiamento do BNDES, entre outras vantagens oferecidas, cria-se a cultura
de compra de tecnologias prontas no exterior, que muitas vezes não representam
o estado da arte tecnológico. O desenvolvimento de tecnologias – inclusive na
área ambiental – fica então limitado aos centros de excelência, constituído por
empresas como a Petrobrás, a Natura, a EMBRAPA, a Copel e a Vale, entre outras
poucas, já que a empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil adquirem suas
tecnologia no exterior.
Dadas as condições deste setor, conforme
relatado anteriormente, não existem dados sobre o número de patentes
registradas. Especialistas da área consultados sobre este assunto estimam que
são cerca de 10 as patentes registradas especificamente como do setor de meio
ambiente, dentre as 384 registradas pelo Brasil em 2007. Da mesma forma para os
artigos científicos, especialistas estimam seu número em torno de 200
exclusivamente sobre meio ambiente, dos 16.872 elaborados no Brasil no período 2004 a 2006. Estimado também
é o número de doutorados voltados para a área de meio ambiente: cerca de 150 em
2007. Existem sete cursos de mestrado em gestão ambiental no Brasil, dos quais três
em São Paulo. Cursos
de doutorado em meio ambiente existem em cinco faculdades brasileiras.
(Imagens: pinturas de Peter Blake)
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