"Desse modo, a ficção do Ser é derivada da ficção do eu. O mesmo princípio de individuação atua tanto no campo microscópico da pessoa quanto no campo macroscópico do mundo inteiro." - Antoine Panaïoti - Nietzsche e a filosofia budista
A
cidade é uma das maiores invenções da humanidade. Este espaço geográfico
urbanizado e humanizado surgiu no período Neolítico, por volta de oito mil anos
atrás. As primeiras aglomerações urbanas provavelmente apareceram por causa da praticidade.
O templo era estabelecido em um lugar estratégico de uma região, e em seu
entorno se fixavam os artesãos – o ferreiro, o padeiro, o oleiro –, cujos
produtos eram comprados pelos camponeses das redondezas. Aos poucos esta
pequena vila vai atraindo mais pessoas, sua organização social se torna mais
complexa, até se transformar em centro comercial e político. A mesma evolução
ainda pode ser observada nos dias atuais, em regiões como o Norte e o
Centro-Oeste do Brasil.
O
surgimento e o crescimento das cidade na maior parte dos casos, ocorre de forma
espontânea. São raras as cidade planejadas, já que a maior parte é resultado de
um longo desenvolvimento histórico, no qual as intervenções feitas em
determinada época, são anuladas por sucessivas mudanças ocorridas
posteriormente. A cidade de Roma, por exemplo, fundada por volta de 800 A.C.,
chegou a ter um milhão de habitantes no 1º século de nossa era. Por volta do
século V entrou em um período de extrema decadência, com a queda do império
romano, abrigando 35 mil habitantes por volta do ano 800 e 15 mil no ano 1084.
A
primeira cidade planejada no Brasil foi Salvador, fundada em 1549 pelo primeiro
governador-geral da colônia, Tomé de Souza. O objetivo da coroa portuguesa era
fazer do núcleo urbano a capital, o centro administrativo e fortaleza militar,
tendo para isso contratado o arquiteto militar lisboeta Luís Dias (1505-1542).
Outra cidade planejada na mesma época foi Olinda, no Pernambuco. No século XIX
temos como exemplo de cidades planejadas Teresina, capital do Piauí (1852) e
Aracajú, capital do Sergipe (1854). Em 1897 foi fundada a cidade planejada de
Belo Horizonte, que deveria substituir a antiga capital Ouro Preto. Durante o projeto
de ocupação do interior do Brasil no governo de Getúlio Vargas, chamado de
“Marcha para o Oeste”, foi fundada a cidade de Goiânia (1930). Um dos mais
famosos projetos no mundo de urbe planejada, foi o da cidade de Brasília (1960),
elaborado pelos arquitetos e urbanistas Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
Mesmo
tendo sido preparadas como “local humano de viver” em sua origem, as cidades
planejadas, em sua maior parte, não mantêm suas características, já que não há
um acompanhamento e adaptação constante de seu desenvolvimento. Cidades, assim
como a economia de um país, a bolsa ou o clima, são sistemas complexos,
sujeitos a uma infinidade de mudanças pequenas ou maiores, que se influenciam
reciprocamente, provocando ao longo do tempo mudanças imprevisíveis. Povoações
ou metrópoles estão sujeitos às mais diversas intervenções – clima, migrações,
desenvolvimentos tecnológicos, leis, fatores econômicos, etc., – que em sua
maior parte fogem completamente ao controle daqueles que teriam a função de
manter ou desenvolver o planejamento urbano.
Isto,
no entanto, não quer dizer que as cidades não são administráveis. O que ocorre,
é que efetivamente é necessário que as administrações municipais invistam
recursos para poder manter a cidade em relativo funcionamento, sendo capazes de
prever evoluções futuras (enchentes, especulação imobiliária, demanda por
transporte e equipamentos públicos). Para isso são necessárias políticas
públicas, especialistas, equipamentos e recursos financeiros. No entanto, em
grande parte dos municípios brasileiros, este tipo de gasto não está previsto
nas despesas correntes.
No
aspecto das políticas públicas, aquelas que deveria estabelecer as linhas
mestras do planejamento das cidades, as condições também não são propícias no
Brasil. O Estatuto das Cidades, criado através da Lei federal 10.257/01 em
2001, estabelece uma série de políticas para as cidades brasileiras –
elaboração de um Plano Diretor, função da propriedade, criação de políticas de
cunho social, entre outras. A lei ainda é pouco utilizada como instrumento de
planejamento do crescimento sustentável das cidades. Na própria administração
federal, diminuiu a preocupação com o desenvolvimento urbano do país, já que o
Ministério das Cidades, que se ocupava de temas como a moradia, o saneamento e
o transporte, foi incorporado ao Ministério do Desenvolvimento Regional.
Como
implantar um programa nacional de planejamento urbano, visando reorganizar a
maior parte das cidades brasileiras e melhorar o padrão de vida de seus
habitantes? Como priorizar uma agenda social, voltada para a maior parte da
população – principalmente a pobre – e não permitir que as administrações
continuem privilegiando interesses de grupos econômicos e da especulação
imobiliária? São algumas das perguntas a serem respondidas pelas próximas
gerações de políticos e administradores públicos.
(Imagens: pinturas de Carl Heidenreich)
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