"Naquelas paragens longínquas e ingratas o meio-dia é mais silencioso e lúgubre do que as mais tardias horas da noite." - Euclides da Cunha - Canudos e inéditos
Recentemente,
em entrevista ao jornal espanhol La
Vanguardia, o economista Prêmio
Nobel Joseph Stiglitz classificou a crise climática como uma das três
principais crises do mundo atual. As outras duas seriam a crise do próprio
sistema econômico, o capitalismo, e a crise dos valores.
Uma
crise, seja qual for, não ocorre por motivos simples. Desde a relação dos indivíduos
entre si e com o meio ambiente, às relações econômicas, aos sistemas de crença
de uma sociedade; as crises são sempre mais abrangentes do que se avalia e têm causas
diversas. É por isso que são tão difíceis de serem estudadas; tentar determinar-lhes
as origens e as consequência exige muita informação, processamento de dados e capacidade
de síntese.
Antes
do aparecimento da espécie humana, existia no planeta apenas o complexo sistema
da natureza, composto pelas inter-relações entre os indivíduos de cada espécie,
entre as espécies, e destes com seu ecossistema. Em outro nível, havia a relação
dos diversos ecossistemas entre si e com o ambiente físico e as condições climáticas.
O planeta, por acomodar milhões de espécies vivas – microrganismos, plantas e
animais – dispunha de uma complexidade de relações muito grande. Imagine-se um
ambiente composto por plantas e animais, influenciado pelo clima e pelas
condições geológicas, no qual todas as espécies estejam competindo por alimento
e espaço vital para procriar.
Com
o aparecimento dos ancestrais dos humanos as relações no planeta se tornaram
ainda mais complexas. Se no início de seu desenvolvimento a espécie homo era apenas mais uma a predar e a
ser predada, o homo sapiens, com o
desenvolvimento de artefatos e técnicas de caça mais eficientes, começava a
influir no equilíbrio dos ecossistemas do planeta. Estudos recentes mostram que
parte da antiga fauna australiana e americana foi dizimada por grupos humanos
que atingiram estas regiões há 50 mil e 15 mil anos, respectivamente.
O
processo se tornou mais intrincado ainda, quando nossos antepassados inventaram
a agricultura, há aproximadamente 10 mil anos. A partir deste ponto da história
do planeta, nossa espécie passou a ter uma relação cada vez mais intensiva com
o já existente sistema da natureza. Derrubamos florestas, aterramos pântanos,
domesticamos plantas e animais para nosso uso. Criamos as cidades, os estados, novas
tecnologias, descobrimos novos continentes, inventamos a indústria. Com todas
estas atividades nossa espécie criou novas relações e sistemas que não existiam
na natureza; criação das mentes de milhões, bilhões de indivíduos que nos
antecederam – processo que nós continuamos até hoje no nosso dia a dia.
As
incontáveis atividades que empresas, governos e indivíduos exercem diariamente também
podem ser resumidas em sistemas de relações. São as relações econômicas, políticas
e sociais, entre outras, que permeiam todas as atividades humanas, baseadas em
nossas relações com a natureza, com o meio ambiente. Imagine-se o impacto sobre
o meio ambiente natural quando da expansão da área agrícola, da abertura de uma
mina, da exploração de um poço de petróleo, da abertura de um novo loteamento. No
entanto, para que estas atividades de inegável impacto sobre o ambiente tenham
início, há necessidade de leis, normas técnicas, contratos comerciais, de produção
de máquinas, treinamento de profissionais, previsões econômicas, etc.
A
crise climática tem direta relação com as outras crises; a do capitalismo e a dos
valores. Não há como separar estas áreas em compartimentos estanques. A crise
climática, ou seja, a gradual destruição dos recursos naturais, é resultado da
maneira como atuamos sobre a natureza em nossas atividades econômicas – ou seja,
nossa relação com a natureza. Esta atuação é baseada em valores, que justificam,
validam e foram gestados por um sistema de relações econômicas: o capitalismo.
As crises,
portanto, às quais se refere o economista Stiglitz, citado no início deste
artigo, podem ser resumidas a uma: a do capitalismo.
(imagens: pinturas Alfred Sisley)
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