“As
ideias tiranizam aquele que tem poucas.”
Nicolás
Gómez Dávila (1913-1994) nasceu em Bogotá, na Colômbia, em uma família tradicional
colombiana, dona de indústrias têxteis. Educado em Paris, Gómez Dávila passou
quase dois anos em casa, curando-se de uma pneumonia que o acometeu. Durante
este tempo teve aulas em casa com professores particulares, e desenvolveu o
gosto pela leitura, principalmente pela literatura clássica grega e latina. Mais
tarde, nos anos 1930 voltou à Colômbia, de onde saiu apenas mais uma vez em
1948, para visitar alguns países da Europa junto com a esposa.
Gómez
Dávila nunca frequentou uma universidade, mas, como autoditada, adquiriu vasta
cultura. Tanto, que em 1948 foi um dos fundadores da Universidade de Los Andes,
em Bogotá. Em 1958 foi convidado para se tornar o conselheiro do presidente da
República, oferta que ele recusou, assim como em 1974 viria a declinar do
convite de se tornar o embaixador em Londres. Com relação à política de seu
país, Gómez Dávila sempre manteve uma posição de distanciamento, nunca tendo se
colocado a favor de correntes de direita ou de esquerda. Talvez, em
consequência disso, também manteve uma posição cética e crítica em
relação às ideologias do liberalismo, da democracia e do socialismo, tendo sido
sempre um conservador, “um autêntico reacionário”, como dizia.
Durante
toda sua vida, Gómez Dávila era pouco conhecido em seu próprio país e
desconhecido no exterior. Na maturidade, passava a maior parte do tempo na biblioteca que tinha em sua casa em Bogotá, a qual reunia cerca de 40 mil
exemplares, tratando sobre os mais variados temas. Literatura clássica,
estética, história, política, filosofia, antropologia, ética, estudos
literários, economia; eram os principais assuntos de seu livros.
Leitor
insaciável, Gómez Dávila lia e falava alemão, inglês, italiano, polonês, francês,
conhecia o latim e grego antigo, além de, já velho, ter aprendido o russo, para
poder apreciar os autores russos no original.
Homem
de pouca vida social, visitava regularmente a fábrica da família e almoçava com
alguns amigos no Jockey Club. Em sua casa, organizava todas as quartas-feiras
um jantar, convidando os amigos mais chegados para discussões sobre cultura e,
principalmente, literatura. Apesar de alguns dos convidados serem políticos e
membros do governo – além dos intelectuais – a política era assunto proibido
nestas tertúlias.
Quanto
ao pensamento, Gómez Dávila insere-se na tradição de pensadores como Blaise
Pascal (1623-1662), Baltasar Gracián (1601-1658), La Bruyère (1645-1696),
François La Rochefoucauld (1613-1680), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Emil
Cioran (1911-1995); todos críticos e dotados de uma visão pessimista sobre o
ser humano. Na Colômbia, no final de sua vida, ao se tornar conhecido nos meios
intelectuais, obteve a alcunha de “Nietzsche colombiano”. Suas maiores
influências foram, no entanto, como admitiu em um de seus escritos: “Meus
patronos: Montaigne e Burckhardt”, ou seja, “o mestre do ceticismo e o da
história”, como escreveu o filósofo Franco Volpi (1952-2009) em um texto sobre
Gómez Dávila.
Gómez
Dávila foi, apesar de tudo, um seguidor do catolicismo – chamava a si mesmo de
“pagão que acreditava no Cristo”. Foi contra o Concílio Vaticano II (1962-1965)
e criticou as alterações introduzidas pela igreja católica na liturgia,
abandonando o uso do latim. Seu catolicismo, segundo ele próprio dizia, foi
muito influenciado por Santo Agostinho e escreveu que “O ser humano é um ser
religioso. Para conhecer o homem, é preciso conhecer sua relação com Deus.”
Os
trabalhos do pensador permaneceram desconhecidos durante a maior parte de sua
vida. Seu primeiro volume de notas e aforismos, Notas I, foi publicado por seu irmão em 1954, com tiragem de 100
volumes, distribuído entre amigos. Em 1959 Gómez Dávila publicou mais um
pequeno livro de ensaios; “uma colcha de retalhos reacionária”, como ele
classificou a obra, formada por textos que estabeleciam sua antropologia
filosófica e filosofia da história, numa linguagem cheia de referências
literárias e metáforas.
Nunca
realizou esforços para divulgar suas obras. Apenas nos anos 1980, com a
tradução de suas obras para o alemão, francês, italiano e polonês o pensador
começou a chamar a atenção de escritores e filósofos como Robert Spaemann
(1927-2018), Martin Mosebach (1951), Boto Strauß (1944), Heiner Müller
(1909-1995) e Francisco Volpi (1952-2009), entre outros.
Principais obras publicadas:
Notas
I, Bogotá (1954);
Escolios
a um texto implícito, Bogotá (1979);
Nuenos
escolios a um texto implícito, Bogotá (1986);
Sucessivos
escolios a um texto implícito, Bogotá (1992);
Escolios
a un texto implícito. Seleccion, Bogotá, 2001;
Obras
e textos do autor encontram-se traduzidas para o francês, polonês, italiano e
alemão. Não há obras de Goméz Dávila em português.
Aforismos:
A
verdadeira profissão é indiferente frente ao fracasso e ao sucesso.
Ao aprendermos
a nos admirar, curamo-nos dos maus costumes da mediocridade.
Quando
todos querem ser alguma coisa, só é decente não ser nada.
Triste
como uma biografia.
Tudo
que tem uma moderada dose de absurdidade, nos reconcilia com a vida.
Sobre
a qualidade de uma época, nos informa sua arte, não os seus discursos.
Tudo
precisa justificar sua existência, exceto a obra de arte.
A
decadência de uma literatura tem início quando seus leitores não sabem
escrever.
Para
a mentalidade moderna a tragédia não é mais horrível: ela é imoral.
O
término da leitura de qualquer livro é sempre um grande ato.
Jornalismo
significa escrever exclusivamente para os outros.
A
originalidade de um livro não deveria ocupar aquele que o escreve, mas aquele
que o lê.
Os
três inimigos da literatura são: o jornalismo, a sociologia e a ética.
Todo
fato é sempre menos interessante do que seu relato.
O
legítimo proprietário de uma ideia é aquele que lhe dá a forma perfeita.
Só
os heróis de romances medianos resolvem seus (próprios) problemas.
Os
livros mais inteligentes dizem o mesmo que os mais estúpidos, mas têm autores
diferentes.
Saber
ler é a última coisa que aprendemos.
Em
um século na qual as mídias públicas divulgam ilimitadas estupidezes, a pessoa
culta não é identificada pelo seu conhecimento, mas pelo seu desconhecimento.
O
povo hoje em dia só se sente livre, quando é autorizado a nada respeitar.
O
homem moderno destrói mais quando constrói, do que quando destrói.
Atualmente
não existe classe alta num povo; somente plebe pobre e plebe rica.
Há
épocas nas quais somente a massa parece ter um futuro.
A
máquina moderna está cada dia mais complexa; a pessoa moderna a cada dia mais
elementar.
A
vulgaridade não é um produto popular; mas subproduto da prosperidade burguesa.
A
cultura aproxima-se do seu fim, quando a agricultura deixa de ser uma forma de
vida para se tornar indústria.
O
inferno é o lugar no qual o ser humano encontra todos os seus projetos
concretizados.
De
que as “civilizações são mortais”, é o maior consolo daquele que vive
atualmente.
Toda
a civilização é um diálogo com a morte.
Civilizada
é a época que não utiliza sua inteligência para tarefas profissionais.
Uma
alma educada é aquela que só se interessa por verdades inúteis.
Indivíduos
civilizados não são os produtos de uma civilização, mas sua causa.
A
cultura vive quando é passatempo; e morre quando é profissão.
Ser
civilizado quer dizer poder criticar aquilo no que se acredita, sem deixar de
continuar acreditando.
Cultivada
é a pessoa para a qual nada é sem interesse e quase tudo sem importância.
Uma
nação civilizada só pode autorizar ser regida por céticos.
As
mais importantes atividades do espírito sempre parecem parasitários ao idiota.
O grau civilizatório de uma sociedade só pode ser medido pela quantidade de parasitas
que tolera.
As
consequências de suas ações são tão imprevisíveis, de forma que o ser humano se
torna um simples espectador da história que faz.
As
ideias de esquerda geram as revoluções; as revoluções geram as ideias da
direita.
As
revoluções não são as locomotivas, mas o descarrilamento da história.
O
indivíduo acredita no “sentido da história”, quando o futuro previsível parece
atender às suas paixões.
Chamamos
“origens” os limites de nosso conhecimento.
Primeiro
toda descoberta liberta, depois escraviza.
Técnica
é o uso da ciência por iletrados.
No
especialista coexistem as mais refinadas ideias sobre fragmentos do universo,
com os mais triviais clichês sobre este universo.
Existe
um analfabetismo da alma, que nenhum diploma cura.
É
suficiente que se sistematize o absurdo, para que se torne opinião de muitos.
Com
relação aos milhares de problemas vulgares, o inteligente não significa ter
opiniões inteligentes, mas não ter nenhuma.
Queremos
que tudo possa ser provado: para se chegar à verdade, sem precisar ser
inteligente.
Os
inimigos do mito não são amigos da realidade, mas da banalidade.
Vulgaridade
intelectual é a essência daqueles que só são aptos às verdades de seu tempo.
O
intelectual não sabe nada; está atualizado sobre tudo.
Filosofar
não significa resolver problemas, mas vivê-los em um determinado nível.
Sem
filosofia as ciências não sabem o que sabem.
A
filosofia não resolve nenhum problema científico, a ciência, por sua vez,
também não resolve um único problema filosófico.
A
descrença não é o pecado, é o castigo.
Os
deuses são moradores do campo, que acompanham as pessoas só até os portões da
cidade.
Uma
fé profunda, só a tem o cético orando.
O
cristianismo não é uma doutrina para a classe média. Nem para uma classe média
econômica ou para uma classe média intelectual. Consequentemente (o
cristianismo) não tem futuro.
O
cristianismo nunca ensinou que a história teria um objetivo. Mas um fim.
O
castigo daquele que se procura, é de que se encontre.
Uma
“sociedade ideal” seria o cemitério da grandeza humana.
Quem
não acredita em mitos, acredita em mentiras.
Nada
toca mais o burguês, do que o revolucionário de um país estranho.
A
liberdade é o metal, do qual são fundidas as grades.
As
pessoas tornaram-se maduras, quando param de acreditar de que a política
resolve seus problemas.
A
sociedade do futuro: escravidão sem senhores.
No
decorrer dos séculos, sempre as mesmas vozes dialogam.
Uma
massa homogênea não exige a liberdade. A sociedade estruturada de maneira
hierárquica não é apenas a única na qual o ser humano pode ser livre, mas
também a única, na qual existe pressão para ser livre.
Tudo
é trivial, quando o universo não está inserido em uma aventura metafísica.
Quem
ocupa seu entendimento somente em atuar no mundo, transforma-se em um mecanismo
guiado pelo instinto.
Pensar
como os nossos contemporâneos, é a receita para o bem estar e a estupidez.
O
político precisa convencer o povo de que todos os problemas são “sociais”, para
que ele possa escraviza-los.
A
rebelião contra Deus é insana, mas não insensata. Em vista de um universo sem
sentimento, a resignação e a rebelião são igualmente bobas.
O
ser humano se arrasta através de decepções, ao se apoiar em pequenos e banais
sucessos.
A nossa
vida influenciam exclusivamente as pequenas verdades, as diminutas iluminações.
Nos
tempos atuais, a personalidade é a soma daquilo que impressiona os estúpidos.
O
tom professoral não é próprio do que conhece, mas do que duvida.
O
genuíno ato filosófico consiste em achar em cada solução um problema.
Fontes
consultadas:
Michael
Klonovsky (org.). Nicolás Gómez Dávila. Es genügt dass die Schönheit unseren
Überdruss streift... Aphorismen (É suficiente que a beleza
acabe com nosso cansaço). Stuttgart: Philipp Reclam jun.GmbH & Co. KG,
2007. 168 p.
Nicolás
Gómez Dávila. Das Leben ist die Guillotine der Wahrheiten (A
vida é a guilhotina das verdades). Frankfurt am Main: Eichborn Verlag. 2006.
319 p.
Nicolás
Gómez Dávila. Notas, Unzeitgemässe Gedanken (Notas, Pensamentos
atemporais). Berlim: Matthes & Seitz Berlin Verlagsgesellschaft mbH. 2006.
442 p.
Nicolás
Gómez Dávila. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Nicol%C3%A1s_G%C3%B3mez_D%C3%A1vila>.
Acesso em 16/02/2021
Nicolás
Gómez Dávila. Disponível em <https://en.wikipedia.org/wiki/Nicol%C3%A1s_G%C3%B3mez_D%C3%A1vila.>
Acesso em 16/02/2021
(Pesquisa, tradução e
redação de Ricardo Ernesto Rose)
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