"Pornografia é tudo aquilo que excita os moralistas." - Millôr Fernandes - A Bíblia do caos
O
Brasil viveu poucos períodos em sua história comparáveis ao que estamos
passando no momento. O país nunca foi rico, apesar de dispor de muitas riquezas,
exploradas por poucos que se beneficiaram delas. Todavia, a partir de certo
período de nossa história no século XX, principalmente após a Segunda Guerra, a
sociedade brasileira começou a criar metas; projetos nacionais como um
horizonte a ser alcançado. Expansão da infraestrutura, criação de mais
empregos, melhora do nível de vida da população, ampliação e diversificação da
indústria, crescimento das cidades, a “marcha para o Oeste”, com a construção
de Brasília, a ampliação da fronteira agrícola e a ocupação de extensas áreas desabitadas no interior do país, incluindo a Amazônia.
Bem
ou mal, aos trancos e barrancos, o povo brasileiro conseguiu modernizar o país
ao longo das últimas seis ou sete décadas, colocando-o no rol das grandes
nações do planeta. Não somente por sua extensão territorial, abundância de
recursos naturais e resiliência de seu povo. Mas também por ter criado uma vasta
e variada cultura popular e ter contribuído para enriquecer a cultura acadêmica
mundial. Desenvolvemos tecnologias em diversas áreas – agricultura,
aeronáutica, medicina, máquinas, tecnologias e diversos setores do conhecimento
– e chegamos a ser a sexta maior economia do planeta.
A
maioria dos brasileiros nunca chegou a se dar conta desta forma de arranjo da
sociedade e, ainda hoje, grande parte da população o ignora. Em seu último
livro O povo brasileiro (1995), o
antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), referindo-se aos engenhos de açúcar do
Nordeste dos séculos XVI e XVII, dizia que eram “máquinas de moer gente”. A
expressão de certa forma pode ser aplicada a toda história do Brasil, se
considerarmos a parte do povo sempre esquecida na hora de compartilhar as
imensas riquezas que o país produziu de diversas formas, nas diversas regiões,
ao longo de sua história.
No
atual momento da história brasileira recrudesce-se este processo. Se, por uma
lado, devido a diversas razões, aumentou o tamanho da “máquina de moer gente”,
por outro também cresceu o número daqueles que foram e estão sendo colocados à
parte; a gente que está sendo moída. Se até há alguns anos existia, de certo modo,
um consenso na sociedade brasileira, quanto às políticas que deveriam ser
implantadas para que o país pudesse oferecer uma vida melhor a todos,
principalmente para àqueles que até então haviam sido ignorados, hoje isto
mudou.
Para
uma pequena parte da população, os operadores das “máquinas de moer gente” e
seus servidores, a situação do país parece estar bem, com tendência crescente
de melhora. Tomaram a decisão de garantir e aumentar os seus ganhos e para isso
conseguiram aprovar uma série de medidas protetivas – para eles. Desta forma,
para “tornar as empresas mais competitivas e criar empregos”, fizeram com que
fossem aprovadas mudanças na legislação trabalhista. Para garantirem seus rendimentos
financeiros foi necessário “reduzir os custos do Estado”, e assim instituíram o
teto de gastos além de encaminharem diversas reformas - previdenciária, administrativa e fiscal - que tiram ainda mais direitos do cidadão e restringem a capacidade de ação do Estado; os investimentos sociais chamados por eles de
“custos”.
Aparentemente,
não há mais grandes objetivos coletivos a serem alcançados pela sociedade
brasileira. Está praticamente tudo resolvido ou encaminhado. Será? Triste
Brasil, como chegamos a este ponto de alienação?
(Imagens: pinturas de Joseph Amedokpo)
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