A
história da humanidade, incluindo a pré-história, sempre foi o relato de
mudanças de todo tipo. Nenhum período na cronologia humana é igual ao outro.
Sempre houve e haverá um fato inédito, ocorrendo a cada novo dia – uma complicada
equação que finalmente é resolvida por um estudante, provocando uma revolução
na ciência, um terremoto que ocorre em algum lugar da Ásia, ou a contaminação
de aldeões africanos por um vírus ainda desconhecido. Até em nossa vida
individual essa ideia de constante modificação está implícita: “nada como um
dia depois do outro”, significando uma mudança de uma situação – ou, pelo
menos, a expectativa disto.
Os
historiadores do futuro muito provavelmente lembrarão das duas primeiras
décadas do século XXI, como significativas na história humana moderna ou
pós-moderna (seja lá o nome que darão ao período que vivemos). Mesmo para nós,
leigos, contemporâneos deste período, é fácil apontar os três principais
acontecimentos deste época: o ataque terrorista ao World Trade Center de Nova
York, em setembro de 2001; a crise econômica, também conhecida como a “crise
dos subprimes”, que começou 2008; e a
sindemia da Covid-19, iniciada em 2019. Até o dia em que estamos escrevendo este
artigo, 7 de maio de 2021, o mundo ainda está sob os efeito das guerras no
Oriente Médio e da instabilidade política provocada pelos “ataques de 11 de
setembro”, como são chamados pelo povo americano. Os países ainda se ressentem também
do colapso econômico de 2008 e permanecem enredados em todas as consequências
sanitárias, econômicas, políticas e culturais da disseminação do vírus.
Dirá
o futuro a que outros acontecimentos na história da humanidade, estes três
eventos – o primeiro, de características políticas, o outro, de origem econômica
e o terceiro iniciado por uma crise sanitária – poderão ser comparados. Fatos
que abalaram não apenas um país ou região do planeta, mas todas as nações;
dependendo da maneira como cada Estado encontra-se inserido na comunidade
mundial. É certo que já atualmente os historiadores e outros especialistas
estão estudando o inter-relacionamento entre estes três acontecimentos
históricos; suas origens no passado, a maneira como se influenciaram, e, como
juntos, influirão nos próximos 10, 50 ou 100 anos da história humana.
O
registro da história, ensinam os próprios especialistas, é dinâmico e depende do
ponto de vista e das condições históricas daqueles que a estão registrando.
Muito provavelmente, os escribas do império asteca no México dos séculos XV e
XVI, se os houve, escreveram a história daquele período de maneira bem
diferente, daquela que nos foi relatada pelos letrados espanhóis daquele
período. Enquanto que para a história da cultura ocidental, a “conquista” ou
invasão do México foi uma etapa na história do império espanhol ou da expansão
europeia, para os astecas e outros povos de seu império, foi o final de sua
organização social, política, econômica, de sua cultura, enfim, de sua
civilização. Comparativamente, seria a dominação de nossa civilização
planetária por alienígenas, que nos matassem, roubassem nossas riquezas,
eliminassem nossa cultura e nos impusessem suas crenças. Ao longo dos séculos
seríamos incorporados por essa cultura alienígena, nos transformando em apenas
mais um povo que, privado de suas tradições, formaria mais uma etnia (ou
espécie), inserida em um império que dominasse nosso canto da via Láctea.
Mencionaremos
ainda outro acontecimento – o qual, aliás, já vem ocorrendo há décadas – que
sob uma perspectiva histórica, será considerado muito importante pelos futuros
estudiosos. Trata-se da questão ambiental. Há tanto tempo vimos degradando o
meio ambiente, nos adaptando às condições de uma natureza cada vez mais
descaracterizada, sem sentirmos as consequências de nossas ações? A espécie
humana vem alterando seu ambiente, aqui e ali, cada civilização e cultura em
seu local de florescimento, praticamente desde que inventamos a agricultura, há
cerca de dez mil anos. No período Paleolítico e no Neolítico, grupos humanos talvez
chegaram a eliminar espécies através do excesso de caça, mas, desde que
praticam a agricultura, as comunidades humanas afetam áreas cada vez maiores e aumentam
consideravelmente em número de indivíduos. Assim, durante milhares de anos,
nossos antepassados vêm derrubando florestas, construindo canais, aterrando
pântanos, cada vez mais ocupando áreas virgens com a agricultura.
O grande salto qualitativo veio com a industrialização (a partir do final do século XVIII) e suas consequências, na forma como os humanos passaram a se apropriar dos recursos naturais. Nos últimos 50 anos o ritmo de expansão das atividades humanas – agricultura, pesca, indústria, urbanização e crescimento populacional – vem se acelerando ainda mais, com sua correspondente degradação da natureza. As decorrências desta deterioração já são perceptíveis, mas ainda encaradas como “fatos naturais”, “fatos sem importância” ou “inevitáveis consequências do progresso”, pela maior parte da população do planeta. Cientistas nos alertam sobre as lentas, graduais, mas inexoráveis mudanças que estamos provocando na natureza. Escassez de água potável, contaminação de solos, rareamento de matérias primas, diminuição de terras agricultáveis, poluição do ar, redução de florestas naturais, poluição dos oceanos. Além disso, estamos extinguindo milhares de espécies vivas a cada década; elos de ligação no complexo ecossistema da vida na Terra, os quais, uma vez rompidos, farão todo o sistema gradativamente desabar, não sem antes provocar uma sequência de crises econômicas de menor ou maior impacto. Em todo este processo, muito provavelmente, surgirão novas pandemias provocadas por vírus ou bactérias, desalojadas de seu habitat natural pelas atividades humanas.
As maiores mudanças na área ambiental ocorrerão durante este século, segundo vários cientistas. Ou mudamos a maneira como vivemos no planeta, ou seja, a maneira como a economia funciona, ou sofreremos os efeitos cada vez mais graves de nossas ações, dificultando em muito a sobrevivência de nossa espécie. Comparada ao “11 de setembro”, à “crise dos subprimes” ou à “sindemia da Covid”, a crise ambiental terá consequência mais demoradas, mais impactantes e, talvez, irreversíveis. A maneira como nossa civilização aprendeu (ou não) a lidar com os escassos recursos naturais, talvez será o mais importante tema histórico do século XXI para os historiadores do futuro.
(Imagens: arte de Lygia Pape)
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