"Em um sentido importante, consciência é saber que você sabe enquanto sabe." - Thomas Metzinger - The Ego Tunnel
Nos
últimos quarenta anos a agricultura brasileira vem se desenvolvendo e
sofisticando cada vez mais. Fruto de pesquisas científicas, altos investimentos
e do esforço de milhares de empreendedores, o setor agrícola – principalmente
as grandes propriedades – se transformou em um grande negócio, o agronegócio,
responsável por quase metade das exportações brasileiras. O Brasil é hoje um
dos maiores fornecedores mundiais das chamadas commodities agrícolas, como a soja, o milho, o açúcar, o algodão e
a carne de boi. As exportações destes produtos, principalmente para a China,
têm ajudado a manter a balança comercial positiva e em 2022 vão ajudar a manter
o crescimento do PIB em torno dos 0,7% – a previsão inicial era de 0,3%. Uma
expansão muito baixa da economia brasileira, em comparação a outros países
latino-americanos, que só se ampliou em 0,4% devido à crise alimentar mundial ocasionada
pela guerra da Ucrânia, aumentando a demanda por alimentos.
Uma
agricultura de larga produção como a brasileira, precisa de vastas áreas para
plantio, máquinas modernas para a semeadura e colheita, além de produtos
químicos – fertilizantes, herbicidas e inseticidas – para proteger a plantação
e garantir uma boa safra. Por este motivo o Brasil é, desde 2008, o maior
consumidor mundial de defensivos agrícolas, também chamados de agrotóxicos. Estes
produtos são bastante usados pelos grandes e médios agricultores, e por trás
deles existe toda uma cadeia de produção, atrelada a campanhas de marketing e vendas
técnicas, mantidas pelos grandes produtores – empresas de atuação global.
No
entanto, os agrotóxicos apresentam uma série de efeitos colaterais. Quando são
aplicados em excesso, acumulam-se no legume, na verdura e na fruta. Os animais
e seres humanos ao ingerirem estes alimentos, acabam absorvendo também os
agrotóxicos, o que pode causar problemas hepáticos, doenças de pele, disfunções
hormonais, problemas reprodutivos, danos ao sistema nervoso e câncer. Segundo a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por diversas vezes legumes e
frutas coletados em feiras e supermercados apresentaram quantidades de
agrotóxicos bem acima dos níveis permitidos pela lei. O maior perigo de
contaminação ocorre no campo, com os próprios trabalhadores rurais. Uso
inadequado dos produtos, falta de equipamentos de proteção individual (EPI),
ausência de treinamento adequado, fazem com que ocorram milhares de casos de
contaminação, de menor ou maior gravidade. Segundo matéria publicada no site
Globo Rural em março de 2019, foram notificados 40 mil casos de intoxicação por
agrotóxicos no campo, entre 2007 e 2017 e ocorreram quase 1.900 mortes. Nos
países em desenvolvimento, segundo a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), ocorrem anualmente cerca de 70 mil intoxicações agudas ou crônicas, por
vezes seguidas de mortes.
A
aprovação de diversos tipos de agrotóxicos pela ANVISA vem aumentando
rapidamente desde 2019, durante o governo Bolsonaro. Foram aprovados 1.560
novos ingredientes ativos, somente entre janeiro de 2019 até fevereiro de 2021.
Destes produtos registrados, pelo menos 37 são de uso proibidos na Europa e nos
Estados Unidos, devido à sua toxicidade. O glifosato, por exemplo, é o
agrotóxico mais usado no Brasil, mesmo sendo classificado como “provavelmente
cancerígeno” pela Agência Internacional de Pesquisa Contra o Câncer (IARC). A
atrazina, o segundo herbicida mais utilizado no país, segundo a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), é aplicado à cultura do milho. O
produto, oficialmente associado a doenças como o Mal de Parkinson, câncer de
ovário, próstata e infertilidade, é proibido na União Europeia e outros países
desde 2004.
O
acontecimento grave mais recente com relação aos agrotóxicos é o fato de que alguns
fabricantes destes produtos estão cometendo várias irregularidades, que vão
desde a adulteração da fórmula do produto, até o uso de matéria-prima com
validade vencida. Várias linhas de produção destes produtos já foram
interditadas pela ANVISA e o material, que estava prestes a ser distribuído,
foi apreendido pelos fiscais da agência. Outro fato preocupante com relação aos
agrotóxicos, é que por falta de uma regulamentação mais rígida, os fabricantes mantêm
a produção e distribuição de produtos que já foram banidos em outros países. Segundo
dados da Secretaria de Comércio Exterior, as importações de tais produtos vem
aumentando, transformando a agricultura brasileira em mercado para marcas
tecnologicamente ultrapassadas. De uma maneira geral, dos agrotóxicos aprovados
pela ANVISA desde 2019, 32,8% são classificados como “extremamente tóxicos à
saúde” ou “altamente tóxicos à saúde”; e 52% são “altamente perigosos ao meio
ambiente” ou “muito perigosos ao meio ambiente”. Ambientalistas brasileiros há
anos alertam o governo de que a legislação é muito branda em relação aos
limites de toxicidade dos resíduos nos alimentos e que quantidades
consideráveis de produtos poluentes acabam contaminando o solo, os cursos
d’água e os lençóis freáticos.
A
legislação mais recente em relação aos agrotóxicos é o PL 6299/02, chamado do
que “PL do veneno” ainda está em tramitação no Senado. Se transformado em lei,
facilitará o processo de aprovação e registro de novos ingredientes ativos
usados na formulação de agrotóxicos. A notícia não é boa para os consumidores
nem para os trabalhadores do setor agrícola
(Imagens: pinturas de Luigi Russolo)
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