Michel Onfray

sexta-feira, 4 de julho de 2025

 

(Sobre o filósofo romano Lucrécio – Titus Lucretius Carus, 94-50 AEC)

 

“O mundo caminha, aos trancos e barrancos, porque a maioria mente para si mesma, se ilude, constrói cenários de teatro nos quais inventa histórias. Para não olhar de frente a miséria de sua existência, o trágico de seu destino, o ridículo de todo divertimento social e a inevitabilidade de seu desaparecimento anunciado. Daí seu delírio de invenções, suas técnicas criadas para evitar olhar o que deve ser visto. Negação, má-fé, recalcamentos, projeções, bovarismo são mecanismos de defesa estabelecidos durante séculos pelos homens para escapar à crueza da evidência. São ficções, fábulas, mitos que atrapalham a inteligência e o avanço na direção da verdadeira filosofia – a que produz a sabedoria, a paz consigo mesmo, com os outros e com o mundo.

Nem otimista nem pessimista. Lucrécio estabelece as bases de um pensamento trágico. Em nenhum momento opta pelo melhor dos mundos possível, menos ainda pelo pior. Para fazê-lo, seria preciso que ele tivesse montado seu acampamento filosófico nos terrenos da moral onde se encontram o bem e o mal, o bom e o mau. Em nenhum momento o filósofo se move no prescritivo, no normativo: ele descreve o mundo como é, mostra a realidade tal como aparece a um olhar experiente e lúcido. Também aqui ele inaugura a postura do sábio que não quer rir nem chorar, mas compreender. Nem as lágrimas de Heráclito, nem o riso de Demócrito: a sagacidade de Lucrécio.” (Onfray, pág. 254).

 

Michel de Onfray (1959-), filósofo e escritor francês em Contra-História da Filosofia -1. As sabedorias antigas

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