Geração de energia a partir do lixo

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
"É como se fosse um teatro, uma representação. Mas não pense que tudo é falso. Não se trata de pura representação, de puro teatro. Há sempre algo real que se está exprimindo. Às vezes é muito difícil entender este jogo entre a realidade e a encenação. Quando se entende, fica clara a necessidade, para o bom político, de possuir qualidades reais, virtudes mesmo, que permitam expressar valores e interesses."  -  Fernando Henrique Cardoso  -  Cartas a um jovem político

Já se foi o tempo em que o lixo era só e simplesmente refugo. A crescente escassez de recursos, aliada às necessidades cada vez maiores de materiais de diversos tipos, torna a disposição dos resíduos em aterros sanitários coisa do passado. É necessário que antes de descartar o lixo, a parte reutilizável seja reciclada, e que até os materiais orgânicos, sendo possível, sejam compostados e transformados em adubo. A tendência é eliminar cada vez mais as perdas de materiais e reduzir as áreas destinadas para construção de aterros.
Os países desenvolvidos já se encontram em estado mais avançado. Nestes, depois da seleção do material reaproveitável para a reciclagem e da parte compostável, uma parte significativa do lixo urbano é incinerada, gerando energia que abastece as residências e as indústrias. Atualmente, segundo reportagem da revista Saneamento Ambiental, 10% a 15% da energia consumida pela França é gerada por 123 incineradores de resíduos domiciliares. O processo não é novo e já existe na Europa há pelo menos 35 anos. No entanto, foi nos últimos quinze anos que a atividade – além de eliminar o lixo – também passou a gerar calor e eletricidade. Uma sociedade com demanda cada vez maior por eletricidade, precisa obtê-la de todas as maneiras possíveis – inclusive do lixo.
A realidade brasileira ainda é bem diferente. A coleta de lixo ainda não cobre todos os municípios brasileiros e uma quantidade ainda menor de cidades possui aterros construídos de acordo com os padrões técnicos ideais. Se, por um lado, sonhamos com uma das maiores economias do mundo, com uma classe média ascendente, por outro ainda temos as piores condições possíveis na gestão de nossos resíduos. Baixíssima taxa de reciclagem; praticamente não existe compostagem do lixo orgânico e a incineração ainda é sonho.
É preciso começar a pensar sobre a reutilização e o destino final que queremos dar ao nosso lixo. Há alguns anos, a Secretaria do Meio Ambiente da cidade de São Paulo tentou implantar incineradores para queima do lixo. No entanto, uma significativa parte dos ambientalistas foi contra o projeto, alegando que haveria emissões de dioxinas e furanos. Nesse ínterim, as tecnologias de incineração e de filtragem das emissões foram mais aprimoradas e estão sendo usadas em países com padrões ambientais mais altos do que os nossos. Assim, o argumento das emissões perigosas não deverá ter mais tanta aceitabilidade; neste caso vale o argumento técnico. As perspectivas para vários municípios brasileiros são bastante promissoras, em relação ao uso energético do lixo. As prefeituras, que em sua maioria não tem recursos para destinar à gestão de resíduos, poderiam estabelecer parcerias públicas privadas com grupos privados, que por sua vez supririam a tecnologia e seriam pagos pelos serviços prestados e por parte da energia vendida. Além disso, eliminando grande parte do lixo, não haveria quase a formação de metano, um dos gases de efeito estufa, causador das mudanças climáticas. Com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) em pleno andamento (antes das eleições presidenciais o ex-presidente Lula até falou em PAC II), já é hora dos governos federal e estaduais começarem a pensar na questão dos resíduos. O prazo para a implantação definitiva da Lei Nacional de Resíduos Sólidos já está à porta (sabe-se já que não será possível atender a lei até 2014, mas pelo menos um esforço de boa vontade seria válido).
Afinal, o Brasil é grande, mas não pode ser transformado em um gigantesco lixão.
(Imagens: fotos de São Paulo no século XIX por Militão Augusto de Azevedo)

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