"Se examinarmos todo o domínio biológico e analisarmos as vidas dos animais e do homem, e então os compararmos com o vangloriar-se dos filósofos sobre a capacidade mental dos homem, não podemos evitar ficarmos com a impressão de uma "comédia de elevada demência". A praga do homem é a opinião do conhecimento." - Richard Popkin - História do Ceticismo de Erasmo a Spinoza
2. Apresentação da economia ecológica e suas propostas
Com o exemplo do "Plano B
4.0", mostramos alguns aspectos da destruição ambiental que está em curso
e comentamos sobre a ausência de medidas destinadas a alcançar as necessárias
mudanças nas relações econômicas.
O estudo das atividades humanas sob
o aspecto econômico surgiu no século XVIII, com a escola fisiocrata francesa.
Estes chamaram a atenção para dois pontos crucias nos posteriores estudos da
economia: 1) a ideia de interdependência entre os vários processos do sistema
econômico e 2) o conceito de que as trocas econômicas representam fluxos
circulares entre os vários setores econômicos (CECHIN, 2010). Tradicionalmente,
no entanto é considerado fundador da economia Adam Smith, professor de filosofia
moral em Edimburgo na Escócia, e que em 1776 reuniu sua teoria econômica no
livro A riqueza das nações, obra
fundamental do liberalismo econômico e da teoria econômica clássica.
A ciência econômica evoluiu bastante
depois de Smith, mas manteve muitos de seus pressupostos básicos. Influenciada
pela física newtoniana em seus primórdios, a escola econômica neoclássica ainda
se baseia até hoje em uma visão mecanicista do processo econômico. Apesar de a
termodinâmica ter revolucionado a física ainda no século XIX, a economia por
sua vez ainda guarda em seus pressupostos os conceitos da mecânica clássica,
elaborada por Newton, no século XVIII. Nessa concepção, a economia funciona
como um processo mecânico levando à conclusão de que os processos econômicos – a
produção e o consumo – são, assim como os movimentos na mecânica clássica,
neutros e, portanto, reversíveis. Os processos econômicos são assim estudados
como atividades fora da realidade, quase abstratos, que podem ser repetidos
indefinidamente. Nesta visão economicista, a economia voltaria sempre ao seu
ponto original, “mesmo após ter passado por eventos terríveis como guerras,
catástrofes naturais, cataclismos, terremotos, inflação quebra de bolsa, etc.”
(PENTEADO, s/d, p. 182).
Por causa desta abordagem quase
metafísica do processo econômico – já que é uma (pré)visão que se projeta sobre
a natureza, partindo de suposições ideais – é que foi possível criar o conceito
de fluxos econômicos, o “diagrama do fluxo circular”. Trata-se de uma
elaboração baseada nos pressupostos descritos anteriormente, e desta forma
completamente irreal, na qual não são considerados os fluxos de matéria e
energia, que necessariamente fazem parte do processo econômico. Enfim, uma
abstração, que dá a idéia de que a economia é um processo fechado, no qual nada
entra e nada sai. Segundo Cechin,
O diagrama é uma representação da
circulação do dinheiro na economia e dos bens em sentido reverso, sempre dentro
dele mesmo, sem absorver materiais e sem ejetar resíduos. Se a economia não gera
resíduos e não requer novas entradas de matéria e energia, então se trata de
uma máquina de moto-perpétuo, ou seja, uma máquina capaz de produzir trabalho
ininterruptamente, consumindo a mesma energia e valendo-se dos mesmos
materiais. Tal máquina seria um reciclador perfeito (CECHIN, 2010, p.
41).
É desta maneira que a maior parte
dos economistas ainda enxerga o processo econômico, apesar de tratarem de
operações e processos que exaustivamente retiram recursos da natureza,
processando-os e transformando-os em fluxos econômicos, para em seguida
despejá-los de volta na natureza na forma de detritos poluidores. Para a maior
parte dos economistas não interessa a origem ou o destino dos resíduos, já que
isto não é previsto em sua teoria. Tem-se a impressão de que a análise
econômica, assim como é praticada atualmente, é baseada em uma leitura enganada
da realidade e ainda precisa ter sua “Revolução Copernicana”. Filosoficamente,
a economia, como disciplina, ainda parece se basear num idealismo; uma metafísica,
na qual as suposições – ou pressuposições – interpretam a realidade, através de
esquemas mentais pré-elaborados, comparáveis aos Ideais de Platão.
Um dos pioneiros na crítica desta
visão da economia foi o romeno radicado nos Estados Unidos Nicholas
Georgescu-Roegen (1906-1994). Estatístico e matemático, Roegen foi professor de
economia em Harvard e um dos primeiros a se dar conta de que a economia não
poderia ser estudada como um ciclo fechado, já que as atividades econômicas
ocorrem em um mundo real e estão sujeitas a todo tipo de influência. As
mudanças promovidas pela economia sucedem no tempo, são irreversíveis e
promovem mudanças qualitativas; transformam recursos naturais em matéria prima
e esta em produto. Durante
o processo produtivo, entretanto, há uma sobra não aproveitada ou não mais
aproveitável: os resíduos. Assim, se ao processo de produção são incorporados
recursos naturais de qualidade – minérios, por exemplo – e se no final da
produção além dos lingotes de metais também há sobra de uma escória sem
consistência definida, não é possível dizer que este ciclo é isolado. Os
resíduos, se retornarem à natureza como estão provocarão contaminação, além de
dificilmente voltarem ao seu estado inicial de minérios. Esta é evidentemente
uma seqüência que não faz muito sentido à mecânica clássica, onde tudo é
reversível e não se considera perdas.
A inovadora proposta de
Georgescu-Roegen foi a introdução dos conceitos da termodinâmica na economia. A
termodinâmica é o último ramo da física clássica, a física newtoniana.
Desenvolveu-se desde o século XVI e seus dois princípios, a primeira e a
segunda lei da Termodinâmica, foi elaborada ao longo do século XIX. A primeira
lei da Termodinâmica diz que corpos em temperaturas diferentes tendem a entrar
em equilíbrio térmico. A segunda lei, mais interessante ao estudo da economia,
postula que o calor de um corpo mais frio pode fluir por si mesmo para outro
mais quente apenas quando existe acréscimo de energia. Rudolf Clausius
(1822-1888), o formulador desta lei, também introduziu uma outra grandeza
física, o princípio de entropia. Em um sistema, se a reversão energética
(energia de um corpo mais frio para outro mais quente) é possível, então a
entropia permanece igual. Caso a reversão energética não seja possível, aumenta
a entropia. Estes princípios, além de usados na física, na química, na
astronomia e cosmologia, também são aplicados à biologia, ecologia, economia e
varias outras ciências. A segunda lei da Termodinâmica foi assim descrita por
Georgescu-Roegen:
A oposição irredutível entre a mecânica e a
termodinâmica provêm do segundo princípio da Lei de Entropia. A mais antiga de
suas formulações é também a mais clara para o leigo: “O calor não flui por si
mesmo, a não ser do corpo mais quente para o corpo mais frio, jamais o
inverso.” Uma formulação mais complexa mas equivalente diz que a entropia de
sistema fechado aumenta continuamente (e irreversivelmente) até um ponto
máximo, ou seja, que a energia utilizável é continuamente transformada em
energia inutilizável, até que aquela desapareça completamente (GEORGESCU-ROEGEN,
2005, p. 62 – tradução nossa).
O mesmo princípio é aplicado à
economia. Podemos interpretar o processo econômico, a atividade econômica
exercida pela humanidade, como um sistema. Como este sistema não é fechado,
está sempre trocando energia e matéria com o “sistema” maior no qual se insere
a natureza. Economia, não custa nada repetir com outras palavras, é o que
fazemos efetivamente no mundo: derrubar a mata, arar o campo, construir casas,
pescar; e tudo o que estas atividades implicam, como fabricar ferramentas,
transportar produtos, gerar resíduos, destruir ecossistemas, extinguir
espécies. Sobre esta incorporação da segunda lei da Termodinâmica à economia,
escreve Georgescu-Roegen:
O processo econômico, como todo outro
processo vivo é irreversível (e é irrevogável); como consequência não pode ser
considerado somente em termos mecânicos. É a termodinâmica, com sua lei de
entropia, que reconhece a distinção qualitativa, que os economistas deveriam
ter feito desde o início, entre as entradas de recursos de valor (baixa
entropia) e as saídas últimas de dejetos sem valor (alta entropia). O paradoxo
levantado por esta reflexão, qual seja que todo processo consiste em
transformar matéria e energia em valor e dejetos (GEORGESCU-ROEGEN,
2005, p. 64 – tradução nossa).
No processo econômico utilizamos
insumos e matérias primas, juntamos energia (na forma de calor ou pressão) e
fabricamos produtos. O problema é que para fabricar o ferro-gusa, por exemplo,
precisamos de carvão. Para se obter o carvão, pode acontecer de serem
destruídas florestas nativas. As matas, como ecossistema complexo, têm um alto
nível de organização, de neguentropia. O carvão, no final do processo vira
cinza; material com baixíssimo grau de organização, com alta entropia.
Assim, durante a produção de
ferro-gusa, além de outros impactos aqui não considerados (como poluição da
água, uso de energia e poluição do ar), temos como resultado o produto final e
uma grande quantidade de resíduos (cinza de carvão, escória e outros).
Reduzimos a “ordem”, a baixa entropia na natureza – seja através da exploração
do minério, da utilização da água e da queima do carvão – e geramos um produto
final: o ferro-gusa.
A história da fabricação do
ferro-gusa (poderíamos ter utilizado qualquer outro
processo produtivo como
exemplo) terminaria aqui na visão da economia convencional: o fabricante
pagaria seus fornecedores de insumos e materiais, teria vendido o produto, pago
seus impostos e ponto final. O mesmo fariam seus fornecedores (com exceção,
provavelmente, do carvoeiro). Isto se encaixa perfeitamente no esquema
estático-mecanicista da economia neoclássica. No entanto, perguntamos se foi só
isto mesmo que ocorreu. Como contabilizar a perda gerada pela destruição da
mata nativa? O mesmo vale para o morro destruído pela companhia mineradora para
a extração do minério, para a poluição da água e do ar (e para vários outros
itens que aqui nem foram mencionados). Convencionou-se classificar estes fatos
como externalidades. Moraes assim define as externalidades:
Externalidades são formas de falha de
mercado (distrorções). Uma externalidade surge quando as transações econômicas
entre dois ou mais agentes econômicos (e.g.consumidor e empresa) produzem
efeito de melhora ou piora da situação de uma terceira parte não participante
da transação, sem permissão ou compensação (MORAES, 2009, p. 62).(Continua)
(Imagens: fotografias de Pedro Martinelli)
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