"Na sociedade e na cultura contemporânea, sociedade pós-industrial, cultura pós-moderna, a questão da legitimação do saber coloca-se em outros termos. O grande relato perdeu credibilidade, seja qual for o modo de unificação que lhe é conferido: relato especulativo, relato da emancipação." - Jean-François Lyotard - O pós-moderno
Um
dos principais aspectos do pensamento de Kant eram as “categorias”. Estas
estruturas mentais representam a maneira através da qual o pensamento e a
consciência funcionam. Estes esquemas mentais têm caráter a priori, isto é, existem antes e não são resultado da experiência.
Sendo assim, essas estruturas são independentes do que pensamos e de todo
desenvolvimento biológico e cultural pelo qual passamos. Estas estruturas mentais incluem conceitos como “substância”, “causa”, “existência”,
“realidade”. Assim, segundo Kant, podemos ter experiência do mundo exterior,
mas apenas podemos ter certeza desta existência porque temos a priori a categoria que nos proporciona
uma estrutura para esta experiência. Como conseqüência, só podemos ver o mundo
de um modo bastante particular, condicionado pela correspondente categoria, e
nunca da maneira como o mundo realmente é, “em si mesmo”. Este mundo “em si
mesmo” é o do noumeno,
definitivamente incognoscível para o homem. O mundo que para nós se revela por
meio das categorias é o mundo da experiência cotidiana ou fenomênico.
Hegel
começa suas críticas ao pensamento do antecessor atacando a noção do mundo “em
si mesmo”. Para Hegel este conceito era completamente vazio, uma abstração sem
qualquer fundamento. O noumeno não
existia para Hegel e o que efetivamente existia vinha manifesto à consciência
através do pensamento e do sentimento. Outro aspecto da crítica é que segundo
Kant as categorias eram distintas e imutáveis, o que significava que a
experiência humana era imutável. Diferentemente Hegel assume que as
experiências são mutáveis, assim como a realidade experimentada o é. Trata-se,
pois, de um processo dialético, no qual a interação mente/realidade é sempre
sujeita e causadora de mudanças num processo constantemente em evolução.
Esta
noção da constante mudança Hegel encontra tanto na mente, quanto na realidade
histórica. Tudo está em freqüente mutação e cabe à filosofia explicar como e
porque ocorre este processo. Hegel então faz referência ao processo através do
qual a consciência evolui, primeiro pela apreensão do mundo, como “consciência
sensível”, aquela que faz com que o sujeito perceba a si mesmo e seu mundo.
Todavia, esta consciência é enganosa, já que considera como verdadeiro aquilo
que percebe. Depois, através da experimentação do mundo e ao reconhecer-se
nesta experimentação, a consciência amplia sua percepção e seu saber,
encontrando-se a si mesma. Através de um processo de substituição de
conhecimentos cada vez mais abrangentes e profundos, a consciência passa,
finalmente, a abarcar a totalidade.
A
idéia de Hegel, segundo Abrão, é “atingir o absoluto, isto é, a inserção
consciente do espírito na totalidade”. A consciência em uma primeira etapa se
afirma distinta do mundo. Após percorrer um trajeto de contingências históricas
diversas, a consciência reencontra-se no mundo, mas agora de modo consciente,
conhecendo a realidade em todos os seus aspectos. Resolve-se nesta etapa a
oposição que existia entre o mundo e a consciência em uma primeira fase; agora
com a afirmação da consciência ante a totalidade. Vemos aqui de forma bastante
conceitual o princípio básico da lógica de Hegel:
“Toda noção ou ‘tese’, contém dentro de
si uma contradição, ou ‘antítese’, que só é solucionada pelo surgimento de uma
nova noção, mais nova e mais rica, chamada ‘síntese’, a partir da própria noção
original.” (Buckingham et al p. 183)
Este
desenvolvimento da consciência Hegel explicitou em sua primeira obra, a Fenomenologia do Espírito. Depois de
descrever a maneira como uma consciência individual pode operar, Hegel projeta
este mesmo sistema sobre formas coletivas de consciência, mostrando que tais
princípios também ocorrem em períodos históricos e em acontecimentos
específicos, como revoluções. O desenvolvimento social, econômico e político
por que passa a humanidade traz, segundo Hegel, um desenvolvimento cada vez
maior da consciência. Este desenvolvimento tem um sentido e uma finalidade
particular e Hegel o chama de “Espírito Absoluto” ou “Razão”. Sobre este
Espírito Absoluto escreve Abrão:
O que é então o ser absoluto? Não se
trata de algo que o homem concebe, como pensaram as filosofias ainda
prisioneiras da separação entre sujeito e objeto – separação que para Hegel é
apenas provisória. O absoluto é autoconceber-se, e o objeto final da Ciência da
Lógica é superar a separação entre sujeito e objeto, conceito e coisa, para
afirmar a identidade do absoluto. Mas autoconceber-se significa ser sujeito.
Para Hegel, no entanto, não se trata mais de um sujeito que se põe como
exterior a seu objeto, e sim de um sujeito que se reencontra pelo lado
objetivo, incorporando o objeto em uma totalidade que ultrapassa a oposição. (Abrão, p. 358).
Não
se trata de um indivíduo ou entidade, mas de um estágio de consciência, de
evolução, que não se refere apenas aos indivíduos, mas a toda a realidade. Esta
realidade corretamente compreendida, já é razão, como afirma a famosa frase de
Hegel: “O que é racional é real, e o que é real é racional”.
O
processo de realização do “Espírito Absoluto” é um processo dialético,
envolvendo o devir histórico – a história sempre influenciou bastante a
filosofia de Hegel. Interessante comparar o processo de evolução em direção ao
Espírito Absoluto formulado por Hegel, com o impulso que faz com que os seres
almejem a perfeição em direção ao Primeiro Motor – e que segundo Aristóteles
nunca será alcançado. Hegel, também sempre afirmou a realização do Espírito
Absoluto, apesar de não indicar quando isto aconteceria.
Referências:
Abrão,
Bernadette Siqueira. História da Filosofia. São Paulo. Editora Nova Cultural:
1999, 480 p.
Buckingham
et al. O livro da filosofia. São
Paulo. Globo: 2012, 352 p.
Rodriguez,
Manuel Cruz et al. História da
Filosofia. São Paulo. Editora Moderna: 2008, 317 p.
Os
Pensadores. Hegel. São Paulo. Abril Cultural: 1980, 392 p.
(Imagens: fotografias de Edward Weston)
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