O restaurante Ordem e Progresso foi fundado há muito tempo por um português, seu Manuel, que o batizou como restaurante Terra de Santa Cruz. Este talvez seja o motivo porque, até hoje, o estabelecimento ainda guarde certas características tão peculiares. Manuel, no entanto, não dava muita atenção à sua estalagem (porque nos primórdios não passava disso). Estava mais ocupado com outros negócios que possuía; principalmente o restaurante de comida indiana, que por ser exótico parecia poder dar mais lucro.
Assim aconteceu que durante muitos anos a administração do
Terra de Santa Cruz foi ruim. Gerentes corruptos e incompetentes, cujo
principal objetivo era o enriquecimento pessoal à custa do estabelecimento,
fizeram com que o local sempre fosse classificado como popular e de baixa
qualidade. Mesmo assim, o Terra de Santa Cruz acabou dando bastante lucro,
ajudando seu Manuel a sobreviver depois de ter perdido seu restaurante indiano
para um grupo de fast food inglês. No
entanto, Manuel nunca se preocupou em melhorar as instalações, diversificar o
cardápio ou capacitar os empregados. Com isso, mesmo restaurantes fundados
depois do Terra de Santa Cruz, como a hamburgueria americana Treze Colônias,
rapidamente se tornaram referência no bairro, deixando o Terra de Santa Cruz
para trás.
Por fim, ocupado com outros negócios, Manuel transferiu o
restaurante para seu filho, Pedro. Este, no entanto, mimado pelo pai, não era muito
afeito ao trabalho e muito menos à administração de negócios. Sempre envolvido
em aventuras amorosas, deixou o estabelecimento para o filho não sem antes
mudar-lhe o nome para restaurante “Império”. Foi assim que o filho de Pedro,
que dada a grande criatividade dos pais também se chamava Pedro, assumiu o
restaurante Império, apesar da pouca idade. Ajudado pelos conselhos de amigos
mais velhos, Pedro filho conseguiu levar avante o estabelecimento.
Apesar de bonachão e mais preocupado com viagens e
curiosidades pessoais, Pedro filho ia administrando o restaurante. Chegou a
criar novos pratos e introduziu o cafezinho depois das refeições – fato que
chegou a atrair muitos novos clientes. Depois de alguns anos, no entanto,
rivalidades entre cozinheiros e garçons, somadas a uma política de arrocho de
salários e grande exploração dos empregados, fez com que Pedro filho tivesse
que vender o estabelecimento a um grupo de investidores, formado por altas
patentes do exército. Estes, influenciados em parte pela nouvelle cuisine francesa, quiseram introduzir mudanças no
restaurante. Para começar, batizaram o estabelecimento como "Restaurante Ordem
e Progresso”.
O Ordem e Progresso chegou a chamar atenção do público.
Grande, bem situado, o local tinha – apesar do desgaste das instalações –
potencial para se tornar uma das melhores casas na cidade. Os novos donos
começaram a administração com grandes promessas e planos, bastante
entusiasmados com o novo negócio. Com o tempo, no entanto, tudo voltou ao que
era antes. Apesar das comidas típicas, da simpatia do maitre e dos garçons, o Ordem e Progresso continuava abalado pelas
rivalidades e brigas internas entre os funcionários e a falta de capacidade dos diversos gerentes. Dinheiro era desviado, compras superfaturadas, todos queriam
tirar proveito desta verdadeira “casa da mãe Joana”.
Há alguns anos assumiu a direção do Ordem e Progresso um
grupo de empresários que a princípio parecia competente. Ao que se dizia, tinham ligações com investidores cubanos. Com idéias novas, o grupo apareceu
muito na mídia e declarava que, agora sim,
o restaurante iria mudar pra melhor. Apesar do ceticismo, clientes e
funcionários a princípio estavam entusiasmados com os bons resultados do
estabelecimento. Mas, aos poucos, tudo voltou ao que era antes, talvez até
pior. Empregados não qualificados foram colocados em posições estratégicas, o
que acabou levando à piora dos serviços e aumentando o desvio de recursos. Quando
a imprensa noticiou o desvio de dinheiro por parte de alguns gerentes, o sócio
majoritário declarou “não saber de nada”.
Hoje o Ordem e Progresso perdeu grande parte de sua
clientela. Apesar do imenso potencial, tornou-se um restaurante de baixo nível,
com pouca freqüência. Há pouco, o Ordem e Progresso se mudou de seu ponto
tradicional, estabelecendo-se perto da rodoviária. Tornou-se lanchonete de
rodoviária, vendendo salgadinhos, sanduíches, sucos e pinga.
(Imagem: pintura de Jean-Baptiste Debret)
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