O restaurante "Ordem e Progresso"

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O restaurante Ordem e Progresso foi fundado há muito tempo por um português, seu Manuel, que o batizou como restaurante Terra de Santa Cruz. Este talvez seja o motivo porque, até hoje, o estabelecimento ainda guarde certas características tão peculiares. Manuel, no entanto, não dava muita atenção à sua estalagem (porque nos primórdios não passava disso). Estava mais ocupado com outros negócios que possuía; principalmente o restaurante de comida indiana, que por ser exótico parecia poder dar mais lucro.

Assim aconteceu que durante muitos anos a administração do Terra de Santa Cruz foi ruim. Gerentes corruptos e incompetentes, cujo principal objetivo era o enriquecimento pessoal à custa do estabelecimento, fizeram com que o local sempre fosse classificado como popular e de baixa qualidade. Mesmo assim, o Terra de Santa Cruz acabou dando bastante lucro, ajudando seu Manuel a sobreviver depois de ter perdido seu restaurante indiano para um grupo de fast food inglês. No entanto, Manuel nunca se preocupou em melhorar as instalações, diversificar o cardápio ou capacitar os empregados. Com isso, mesmo restaurantes fundados depois do Terra de Santa Cruz, como a hamburgueria americana Treze Colônias, rapidamente se tornaram referência no bairro, deixando o Terra de Santa Cruz para trás.

Por fim, ocupado com outros negócios, Manuel transferiu o restaurante para seu filho, Pedro. Este, no entanto, mimado pelo pai, não era muito afeito ao trabalho e muito menos à administração de negócios. Sempre envolvido em aventuras amorosas, deixou o estabelecimento para o filho não sem antes mudar-lhe o nome para restaurante “Império”. Foi assim que o filho de Pedro, que dada a grande criatividade dos pais também se chamava Pedro, assumiu o restaurante Império, apesar da pouca idade. Ajudado pelos conselhos de amigos mais velhos, Pedro filho conseguiu levar avante o estabelecimento.

Apesar de bonachão e mais preocupado com viagens e curiosidades pessoais, Pedro filho ia administrando o restaurante. Chegou a criar novos pratos e introduziu o cafezinho depois das refeições – fato que chegou a atrair muitos novos clientes. Depois de alguns anos, no entanto, rivalidades entre cozinheiros e garçons, somadas a uma política de arrocho de salários e grande exploração dos empregados, fez com que Pedro filho tivesse que vender o estabelecimento a um grupo de investidores, formado por altas patentes do exército. Estes, influenciados em parte pela nouvelle cuisine francesa, quiseram introduzir mudanças no restaurante. Para começar, batizaram o estabelecimento como "Restaurante Ordem e Progresso”.

O Ordem e Progresso chegou a chamar atenção do público. Grande, bem situado, o local tinha – apesar do desgaste das instalações – potencial para se tornar uma das melhores casas na cidade. Os novos donos começaram a administração com grandes promessas e planos, bastante entusiasmados com o novo negócio. Com o tempo, no entanto, tudo voltou ao que era antes. Apesar das comidas típicas, da simpatia do maitre e dos garçons, o Ordem e Progresso continuava abalado pelas rivalidades e brigas internas entre os funcionários e a falta de capacidade dos diversos gerentes. Dinheiro era desviado, compras superfaturadas, todos queriam tirar proveito desta verdadeira “casa da mãe Joana”.

Há alguns anos assumiu a direção do Ordem e Progresso um grupo de empresários que a princípio parecia competente. Ao que se dizia, tinham ligações com investidores cubanos. Com idéias novas, o grupo apareceu muito na mídia e declarava que, agora sim, o restaurante iria mudar pra melhor. Apesar do ceticismo, clientes e funcionários a princípio estavam entusiasmados com os bons resultados do estabelecimento. Mas, aos poucos, tudo voltou ao que era antes, talvez até pior. Empregados não qualificados foram colocados em posições estratégicas, o que acabou levando à piora dos serviços e aumentando o desvio de recursos. Quando a imprensa noticiou o desvio de dinheiro por parte de alguns gerentes, o sócio majoritário declarou “não saber de nada”.

Hoje o Ordem e Progresso perdeu grande parte de sua clientela. Apesar do imenso potencial, tornou-se um restaurante de baixo nível, com pouca freqüência. Há pouco, o Ordem e Progresso se mudou de seu ponto tradicional, estabelecendo-se perto da rodoviária. Tornou-se lanchonete de rodoviária, vendendo salgadinhos, sanduíches, sucos e pinga.
(Imagem: pintura de Jean-Baptiste Debret)

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