"No fundo, toda vontade de ter uma teoria totalmente coerente realiza-se na perda de seu contato com o real, na sua esclerose e no seu endurecimento. A racionalização torna-se, então, um mal terrível, isso porque o espírito racionalizador se crê racional e acredita que os outros sejam delirantes." - Boris Cyrulnik e Edgar Morin - Diálogo sobre a natureza humana
Com o clima de histeria em torno da Copa, criado pela
propaganda do governo e pelos anúncios dos patrocinadores, pouca coisa indica
que estamos praticamente às vésperas das eleições. Não fosse o futebol, o
debate político estaria bem mais presente na mídia, já que é esse o
acontecimento – e não o torneio de ludopédio – que mais influirá no futuro do
país. O governo provavelmente nem deseja debater a situação social e econômica
com profundidade, dados os altos índices de inflação, a baixa taxa de
crescimento, além de todos os problemas de infraestrutura que – com raras e
pequenas exceções – permanecem sem solução.
A partir de julho então, com ou sem título mundial – fato
que terá grande influência na disposição do eleitor –, começará efetivamente a
campanha dos candidatos em suas diversas formas. Propaganda eleitoral gratuita
no rádio e na TV; carreatas, comícios, cartazes e panfletagem; debates na mídia
e ações nas redes sociais; tudo será usado para ganhar nossos votos. O que
distingue todo este show pirotécnico político, da massiva propaganda de lavagem
cerebral que cerca a realização da Copa? A diferença entre ambas talvez seja
somente o produto. Se, por um lado, querem vender-nos a Copa e seus
patrocinadores, por outro pretendem nos certificar da qualidade dos candidatos.
Em tudo isso, fica de fora o debate sobre os temas essenciais; aqueles que têm relevância
para o futuro do país.
Um dos assuntos de importância, sempre tratados
superficialmente, é o do meio ambiente. No entanto, segundo pesquisas recentes,
já é considerável o percentual da população urbana que conhece melhor os
problemas e a importância da questão ambiental. Graças à ação da mídia e de
ONGs ligadas ao setor, o nível de conscientização vem gradualmente aumentando. Se
no passado a ecologia dizia respeito somente à destruição da floresta amazônica
ou à matança de baleias, atualmente já é grande o numero de pessoas que
associam a proteção do meio ambiente também ao saneamento básico, à coleta e
destinação do lixo, ao ar poluído das cidades, ao planejamento urbano e ao
transporte.
Esta nova situação deverá ou deveria causar algum tipo de impacto
nos programas dos partidos e no discurso dos candidatos. Tirar a questão
ambiental lá das páginas finais do programa dos partidos – muitas vezes
colocada aí por falta de mais assunto – e trazê-la para as páginas iniciais,
associada aos programas econômicos e sociais. Da mesma forma os candidatos, em
suas aparições públicas, deveriam ter a capacidade de saber explicar a forma como,
por exemplo, os programas em relação à infraestrutura, transportes ou saúde têm
a ver com o saneamento e a preservação dos recursos hídricos, e vice versa.
Talvez ainda seja demais esperar tal nível de sofisticação
do discurso político. No entanto, partidos e candidatos devem levar em conta
que a cada nova eleição parcelas maiores do eleitorado têm melhor formação,
dispõem de mais informações e têm senso crítico mais apurado. Pelo menos no que
se refere ao saneamento e à gestão de resíduos, o grau de expectativa do
eleitor está alto – espera esta criada muitas vezes pela própria propaganda do
governo. Por isso o discurso “... pela saúde, educação e trabalho, conto com
seu voto!” está cada vez mais desacreditado. O eleitor não pode mais ser
tratado como uma criança, que se convence com histórias da carochinha.
(Imagens: fotografias de Vivian Maier)
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