"Que lindo se figurássemos na assembléia mundial como povo capaz de uma ideia sua, uma arte sua, costumes e usanças que não recendam a figurinos importados." - Monteiro Lobato - Ideias de Jeca Tatu
Mais de 800 mil veículos desceram de São Paulo para o
litoral neste final de 2014. Isto significa que aproximadamente 2,5 milhões de
pessoas deixaram a capital, rumo às praias do litoral norte e sul do estado.
Repetem-se as mesmas cenas que já conhecemos há décadas: congestionamentos nas
estradas, cidades lotadas, pressão excessiva na infraestrutura urbana. Em
média, a população da região litorânea chega a triplicar no período entre o
Natal e o Ano Novo. As cidades, que em sua maioria já não têm uma boa estrutura
de serviços públicos – segurança, saúde, coleta de lixo e limpeza urbana –
sofrem ainda mais com o excesso de habitantes.
O problema é antigo e tem diversas causas. Uma delas é a
falta de opções de lazer para a maior parte da população, associada à baixa
renda. Sem possibilidades de aproveitar os momentos de folga durante o ano, já
que a cidade apresenta poucas opções, o paulistano planeja seu descanso para o
período de Ano Novo. Férias coletivas, recesso escolar, dinheiro do 13º
salário, a glamourização da festa do Réveillon (antes era apenas o Ano Novo), o
calor do verão; são fatores que mobilizam ainda mais os turistas de final de
ano.
O fenômeno acontece em todo o litoral brasileiro, mas o
maior volume de deslocamentos registra-se no estado de São Paulo. O efeito
sobre as cidades, no entanto, é em todo país o mesmo: impacto nos ambientes
urbano e natural. A orla marítima, os rios e as matas do entorno das cidades –
localizadas em região de Mata Atlântica – são “explorados” pelos turistas: lixo
de todo tipo na praia, retirada de espécimes da mata, pesca e poluição dos
rios. Nas cidades, apesar de proibido por legislações municipais, trafegam
carros com som alto, soltam-se fogos durante todo o dia e lixo é jogado por
todas as ruas. Uma verdadeira catarse histérica, movida a álcool e agitação,
toma conta de parte dos turistas. Parece que todos os dias de privação de lazer
durante o ano precisam ser compensados freneticamente em alguns poucos dias.
No retorno do feriado as estradas voltam a ficar cheias;
congestionamentos retêm os motoristas por horas – tudo apenas para percorrer um
pouco mais de cem quilômetros. Para trás ficaram – além dos cheques sem fundos
– os montes de lixo na cidade e nas praias, a depredação de bens públicos e os
estoques vazios de supermercados, armazéns e padarias. Os comerciantes, em sua
maioria, acham que foi um bom começo de período de férias. Alguns já planejam
trocar o carro ou investir na ampliação do negócio.
A cidade, no entanto, vai demorar alguns meses para se
recuperar. A ausência de recursos aliada à falta de pessoal qualificado na
administração, além de prefeitos incapazes para gerir suas cidades (para dizer
o mínimo), fazem com que o turismo se torne predatório. No final lucra o
comércio, que precisa se capitalizar para enfrentar um ano inteiro com
movimento baixo – só interrompido por um ou outro feriado prolongado. Esta é, resumidamente, a situação do turismo em grande parte
do país. A falta de poder aquisitivo da maior parte da população, a fraca
infraestrutura e o alto preço dos serviços e produtos, fazem com que esta realidade se mantenha ao longo dos decênios. Muito provavelmente vai continuar
assim nos próximos anos, dadas as poucas possibilidades de crescimento da
economia, melhoria real do padrão de vida e ampliação da infraestrutura.
(Imagens: fotografias de Timothy O´Sullivan)
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