Nos dias quentes do verão suíço, milhares de pessoas tomam banho no rio Limmat, que liga o lago Zurique ao rio Aare. Até aí nada de especial. Milhões de pessoas tomam banho em milhares de rios no mundo inteiro. O detalhe é que esta cena se passa no centro financeiro da cidade de Zurique, a mais populosa cidade da Suíça com mais de 400 mil habitantes. Muitos dos banhistas são pessoas que trabalham no bairro central da metrópole e que usam parte de sua hora de almoço para dar um mergulho no rio de águas límpidas.
Em Seoul, capital da Coréia
do Sul, a população de um dos bairros mais populosos da cidade tem uma nova
área de lazer. Ladeado por avenidas e prédios corre o rio Cheonggyecheon, em
cujas margens existem pequenos jardins e áreas de passeio, muito utilizados
pela população. O rio, limpo e habitado por diversas espécies de peixes, se
estende por mais de cinco quilômetros pela cidade, por vezes interrompido por
cascatas e atravessado por pequenas pontes. Um ambiente idílico em plena área
urbana, em região onde até o início da década passada se erguia um elevado,
percorrido diariamente por milhares de automóveis.
Dois exemplos de como é
possível conviver com os cursos d'água em plena área urbana, mesmo em grande
metrópoles. Seoul, por exemplo, tem uma população de 10,1 milhões de habitantes
concentrada em uma área de 605 km²; pouco mais de um terço da área da cidade de
São Paulo (1.522 km²) para uma população quase equivalente (São Paulo tem 12
milhões de habitantes). Assim, quando aqui no Brasil invadimos as áreas de
várzea, ocupando as baixas dos rios com avenidas e obras urbanas, não se trata
absolutamente de falta de espaço.
Isto ocorre porque em grande
parte das administrações municipais ainda persiste uma visão urbanística que
tem origens no passado. Segundo este tipo de pensamento, muito em voga entre os
urbanistas e planejadores no final do século XIX e início do XX, as regiões
baixas das várzeas e dos rios continham miasmas, "ares ou vapores"
que podiam transmitir doenças como o cólera. O médico inglês William Farr,
responsável pelo censo populacional de Londres em 1851, foi um ferrenho
defensor e propagador desta teoria. O argumento também foi usado para que o arquiteto
francês Hausmann pudesse promover a reurbanização da capital francesa,
desalojando milhares de pessoas pobres que viviam em prédios antigos, localizados
perto do rio Sena.
Apesar de partir do
incorreto pressuposto dos miasmas, a teoria acertava no fato de que áreas de
várzea e rios podiam ser foco de doenças, por serem habitat de mosquitos,
ratos, baratas e outros tipos de vetores transmissores. A teoria errava quando assumia
que estas áreas deveriam ser simplesmente aterradas, transformadas em avenidas,
ter os rios canalizados; por serem estas áreas "sujas" e "não
urbanas", que não deveriam nem poderiam ser incorporadas ao espaço urbano.
Este tipo de visão
influenciou muitos urbanistas e administradores, responsáveis pela modernização
dos centros urbanos durante o século XX. No entanto, em muitas cidades o
processo foi revertido, fazendo com que várzeas e rios fossem inteligentemente
incorporados ao dia a dia da cidade, propiciando bem estar, lazer e contato com
a natureza. No Brasil, ainda aguardamos pela recuperação de rios como o Tietê,
Tamanduateí, Pinheiros, Aricanduva e outros país afora, e sua inserção ao espaço urbano.
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)
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