"Vosso sábio é muito mais sábio que o nosso sábio, mas nosso ignorante é muito mais ignorante que vosso ignorante." - Voltaire - Aforismos, sentenças e julgamentos salomônicos
O
Brasil, que já foi intitulado, entre outras coisas, de “país dos magistrados”,
“país do futuro” “país do samba, futebol e carnaval”, “país tropical”, está
prestes a adquirir mais um título. Desta vez será o “país das declarações”. Durante
toda a história do país provavelmente não houve um período histórico – desde o
surgimento da imprensa evidentemente – em que foram dadas tantas declarações
nas mais diferentes situações.
Em
nosso país de tradição autoritária, tanto na política quanto nas relações
sociais, uma declaração é muitas vezes tomada como uma entrevista; um relato
sobre determinado acontecimento ou explicação de algo que ocorreu – quando na
prática não é isso. As chamadas “entrevistas”, que aparecem na mídia,
relacionadas a acidentes envolvendo a morte de pessoas, danos ao patrimônio e
meio ambiente são, na prática, declarações. Executivos de empresas, ou porta-vozes
de instituições quando “entrevistados”, eventualmente respondem a algumas
perguntas, desde que não sejam questionados aspectos do que informaram (leia-se
“declararam”).
Em
situações envolvendo o governo ou políticos o procedimento é geralmente o mesmo.
São poucas as ocasiões em que o entrevistado efetivamente está disposto a
responder a todas as perguntas e nas quais os jornalistas possam colocar em
questão afirmações do entrevistado. Tais situações, em geral, só ocorrem no
ambiente protegido dos estúdios de TV, durante entrevistas cujo resultado já
está tacitamente acertado entre as partes.
Declarações
são situações em que se faz um relato sobre determinado fato ou acontecimento,
em favor de outra pessoa, causa ou ideia, procurando evidenciar uma verdade na
qual se acredita ou quer se fazer acreditar. Tal declaração também pode ser
utilizada como ato de prova a favor ou contra algo ou pessoa. Uma declaração
sempre expressa um ponto de vista ou uma opinião. Ou seja, – e aqui um aspecto
muito importante – a declaração envolve sempre um posicionamento, uma conclusão
que se defende a respeito de um acontecimento. No Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (edição de 1982) lemos a
definição:
s. f. (l. declaratione). 1. Ação ou
efeito de declarar. 2. Aquilo que se declara; afirmação formal; asserção
explícita. 3. Documento em que se declara alguma coisa. 4. Depoimento. 5.
Informação ou documento que informa a respeito de quantia, número e espécie de
rendas, lucros, bens [...]
A
tática da declaração geralmente funciona, quando o receptor da mensagem não
dispõe de nenhuma ou poucas informações sobre o assunto que está sendo tratado
pelo emissor. Assim, na falta do contraditório, pelo menos naquele momento, o declarante
tem uma grande vantagem sobre seu público. A possibilidade de evitar as
perguntas dos jornalistas sobre o ocorrido, faz com que a declaração (ou
versão) seja tida como interpretação verdadeira dos fatos – pelo menos até que
surjam mais informações sobre o assunto em questão.
A
estratégia da declaração muitas vezes funciona; se não completamente, pelo
menos de maneira a impedir ou postergar a apuração dos fatos como verdadeiramente
ocorreram. Isto por diversas razões. Sob aspecto da psicologia social é
bastante importante a primeira versão do fato, aquela dada através de
declaração à imprensa pelo causador do ocorrido ou por seu agente. No caso das
tragédias sucedidas ultimamente no país, trata-se daquela primeira “entrevista”
dada à imprensa pelo presidente da mineradora ou do clube de futebol, dizendo-se
consternado e profundamente triste com o acidente. Nesta declaração, sempre são
utilizadas frases e palavras que mostrem a surpresa perante o ocorrido e
sensibilização com o sofrimento das vítimas. Implícita também fica a mensagem
de “estamos sofrendo com vocês!”
Outra
razão pela qual a declaração funciona é que grande parte da população não segue
o desenrolar das investigações sobre o fato em detalhes. Geralmente, apesar do
trabalho da imprensa, as informações são absorvidas parcialmente e a maior parcela
do público não chega a conhecer os detalhes e as implicações do acidente com a
empresa, ou do crime envolvendo o político.
Por
final resta ainda falar sobre a atuação da imprensa, que na opinião de muitos –
principalmente jornalistas tarimbados – perdeu parte de sua capacidade
investigativa nos últimos anos. Interesses econômicos, pressão política, além
da necessidade de sobrevivência do próprio veículo de imprensa, fazem com que
em muitos casos o ocorrido não seja investigado com a imparcialidade que se
espera – principalmente em acontecimentos envolvendo políticos.
Assim,
permanece a questão se a sociedade brasileira se dá por satisfeita com
declarações, ou se valoriza a liberdade de imprensa, exigindo acesso, o mais
próximo possível, aos fatos.
(Imagens: máscaras do teatro grego)
1 comments:
Realmente Ricardo, eu que costumo acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, verifico o quanto de hipocrisia e tentativa de influenciar a opinião pública favoravelmente à empresa (no caso a Vale), ou o clube (no caso o Flamengo), tentando tirar ou diminuir a culpa deles! Declaração é a forma de tentar minimizar o acontecido!
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