O
termo "ciências humanas" tem sua origem na expressão alemã
"Geisteswissenschaften", ou seja, "ciências do espírito". O
termo foi criado quando da reforma do ensino secundário e superior na Alemanha,
no final do século XVIII e início do século XIX, feita por intelectuais como
Alexander von Humboldt e outros. Enquanto a Alemanha criou as
"Geisteswissenschaften" em oposição às
"Naturwissenschaften" (as ciências naturais), a França - que também
realizou uma reforma em seu ensino superior no período entre o final da
Revolução Francesa e o império napoleônico - criou a expressão "Sciences humaines"
(em oposição às "Sciences naturelles").
Quanto
à oposição entre "ciências do espírito" (ou ciências humanas) e
"ciências naturais", escreve Wolfgang Welsch:
"No ambiente lingüístico anglo-saxão, a
expressão padrão para Geisteswissenschaften é “Humanities”. Isso, naturalmente,
não é a expressão de uma primazia do Humanismo ou da Antropologia, mas uma
simples tentativa de representar a profunda oposição entre
Geisteswissenschaften e ciências naturais. As últimas são, no âmbito
anglosaxônico, as “Sciences”. Em torno do final do século XIX, havia se tornado
comum na Europa separar esses tipos de ciências e compreender sua diferença em
termos de ciências compreensivas em oposição às ciências explicativas – e, mais
tarde, como ciências “brandas” em oposição às “duras” e pseudociências em
oposição às de verdade. Desde então, passou a ser visto como um anacronismo a
não-separação entre Geisteswissenschaften e ciências naturais." (Welsch, 1989)
As
reformas universitárias realizadas na Alemanha e na França influenciaram
sobremodo todo o sistema educacional posterior, alcançando inclusive o Japão
(final do século XIX) e a China (século XX). O Brasil sempre foi fortemente
influenciado pela cultura francesa, desde o final do período colonial até
praticamente depois da 2ª Guerra Mundial, quando então a cultura americana
passou a ser preponderante. A oposição entre as "ciências humanas" e
as "ciências naturais e exatas" sempre permaneceu na cultura e no
ensino superior brasileiro.
Outro
fato que contribuiu para criar uma divisão entre as ciências humanas e as
naturais foi o aparecimento da Enciclopédia (Enciclopédie), publicada pela primeira vez em 1772 por Jean Le Rond
d´Alembert e Denis Diderot, reunindo e sistematizando todo o conhecimento
disponível à época. Autores como Rousseau, Voltaire, Montesquieu e La Méttrie,
entre outros, redigiram artigos sobre matemática, história, agricultura,
biologia e filosofia. Seguindo a ideia da Enciclopédie,
o pensador alemão Georg Wilhelm Hegel publicou no início do século XIX sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas, através
da qual sintetiza a ideia da apresentação sistemática de uma ciência ou de um
conjunto delas, criando assim a divisão entre elas.
A
partir do século XIX o termo "ciências da natureza" passa a
incorporar também a biologia, ciência que começava a se destacar a partir da
publicação do livro "A origem das
espécies" de Charles Darwin (1859) e dos trabalhos de Herbert Spencer
(1820-1903) e Ernest Haeckel (1834-1919); este último criador de expressões
como "antropogenia" e "ecologia". Surgiu assim a divisão do
conhecimento humano em ciências humanas, exatas e biológicas. A incorporação da
ciência genética à biologia na primeira década do século XX faz com que a
abrangência da biologia se tornasse cada vez maior, fundamentando melhor a
teoria da evolução (neodarwinismo).
No
início do século XX, novas teorias da física (teoria da relatividade, física
quântica e a teoria da Indeterminação de Heisenberg) baseadas em descobertas
feitas ao longo do século XIX, dão uma guinada no desenvolvimento da física,
demonstrando que muitos dos pressupostos desta ciência eram baseados na
posição, velocidade e instrumentos utilizados pelo observador (cientista).
Neste caso já era difícil definir a física como uma ciência estritamente exata
ou natural, já que a percepção humana desempenhava um papel cada vez mais
importante em seu estudo.
Fato
é que a partir dos anos 1930 ficava cada vez mais difícil estabelecer uma
rígida divisão entre as ciências e manter a classificação de humanas, exatas ou
da natureza. Nestes anos, muitos cientistas europeus tiveram que deixar seus
países (em vista da expansão da Alemanha nazista) e se concentraram nos Estados
Unidos. Nomes como John von Neumann (matemático e físico), Heinz von Forster
(biofísico), Paul Lazarsfeld (sociólogo), Kurt Lewin (psicólogo), Kurt Gödel
(matemático), Norbert Wiener (matemático) e Gregory Bateson (antropólogo),
entre outros, uniram conhecimentos em suas respectivas áreas de especialização
para participar de grandes projetos pluridisciplinares – como a construção da
bomba atômica americana (projeto Manhattan) e o ENIAC, o primeiro computador
digital eletrônico. Este mesmo grupo de cientistas e muitos outros participaram
das "Macy Conferences"
(1946-1953), conferências proferidas por cientistas de renome financiadas pelo
milionário Josiah Macy, com o intuito discutir diferentes aspectos dos sistemas
biológicos e sociais. As experiências e as teorias elaboradas por estes
cientistas vieram a se tornar tecnologia a partir da década de 1950, quando
começaram a ser desenvolvidas as maquinas de processamento de dados e a
comunicação eletrônica.
Outro
aspecto é que todas as ciências - humanas, exatas e da natureza - têm uma
dinâmica de evolução muito parecida com outros fenômenos socioculturais na
história humana. O físico e pensador Thomas S. Kuhn em sua obra "A estrutura das revoluções científicas"
(1962) argumenta que a mudança de paradigmas científicos ocorre junto com
outras alterações sociais, econômicas e tecnológicas de uma determinada
sociedade. Escreve Kuhn:
"La transición de un paradigma en
crisis a otro nuevo del que pueda surgir una nueva tradición de ciencia normal,
está lejos de ser un proceso de acumulación, al que se llegue por medio de una
articulación o una ampliación del antiguo paradigma. Es más bien una
reconstrucción del campo, a partir de nuevos fundamentos, reconstrucción que
cambia algunas de las generalizaciones teóricas más elementales del campo, así
como también muchos de los métodos y aplicaciones del paradigma. (Kuhn,
2006).
Em
1959 o cientista e escritor inglês C.P. Snow lançou o livro "The two cultures". Nesta obra o
autor critica o ensino britânco, excessivamente orientado para as ciências
humanas desde o período vitoriano (final do século XIX), o que acabou
incapacitando as elites administrativas da Inglaterra a tomarem decisões em
assuntos científicos. Snow enfatiza a importância das “duas culturas" - a
humanista e a técnica. Em 1995 o editor John Brockman lançou um livro
denominado "The third culture",
reunindo artigos de biólogos, matemáticos, físicos, filósofos,
paleontólogos, geólogos, entre outros, demonstrando a importância das “três
culturas" – ciências humanas, exatas e naturais – no conhecimento humano.
Finalizando,
consideramos que a diferença entre as duas culturas – ciências humanas e
ciências exatas – ou entre as três – humanas, exatas e da natureza – é
aparente. Todas as três áreas do conhecimento humano, em última instância,
tratam do "fenômeno humano" (Teillard de Chardin). Todas as ciências,
abstraídas da perspectiva humana, são impossíveis; não existe ciência não
humana. O estudo de qualquer fenômeno humano ou natural só pode ocorrer sob a
perspectiva de uma epistemologia (humana) e por isso todas são importantes para
a educação.
Referências:
Bildungsreform (reforma do
ensino na Alemanha). Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/Bildungsreform>
. Acesso em 4/10/2013
The Macy Conferences.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Macy_Conferences>.
Acesso em 7/10/2013
Enciclopédia. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Enciclop%C3%A9dia>
Acesso em 7?10/2013
Histoire de l´éducation en France (história da
educação na França). Disponível em: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Histoire_de_l'%C3%A9ducation_en_France>
. Acesso em 4/10/2013
Kuhn, Thomas S. La estrutura
de las revoluciones cientificas. Buenos Aires. Fondo de Cultura Economica:
2006, 319 p.
The Third Culture.
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Third_Culture>.
Acesso em 7/10/2013
The Two Cultures. Disponível
em: <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Two_Cultures>
. Acesso em 7/10/2013
Welsch, Wolfgang. Mudança
estrutural nas ciências humanas : diagnóstico e sugestões. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/556/386>.
Acesso em 2/10/2013
(Imagens: pinturas de Eliseu Visconti)
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