"Há uma nova pobreza no mundo, a pobreza de tempo para a vida e, simultaneamente, a abundância de tempo dos desempregados, tempo inútil porque não serve para nada." - José de Souza Martins (sociólogo e professor), em artigo no jornal Valor de 3/5/2019
Em
seus trabalhos Darcy Ribeiro analisa a formação da civilização humana, dando
grande peso ao desenvolvimento tecnológico (Processo Civilizatório), além de
estudar pormenorizadamente o processo de destruição das culturas indígenas do
Brasil (Os índios e a civilização).
Debruçou-se sobre a formação do povo
brasileiro (O povo brasileiro), através da miscigenação biológica e cultural
entre o índio, o colonizador branco e o negro escravizado. Sem ilusões sobre
este processo (diferente de Freyre), Ribeiro o descreve como doloroso,
denunciando que o Brasil “sempre foi um moinho gastando gente”.
Na
área da educação Darcy Ribeiro foi considerado um grande organizador – vide a
UNB, os CIEPs e a Universidade Estadual do Norte Fluminense –, além de
assessoria na reforma de universidades na Costa Rica, Argélia, Uruguai,
Venezuela e Peru.
Grande parte de seu
pensamento teórico nessa área herdou de seu mestre, o educador Anísio Teixeira
(1900-1971). Também foi bom antropólogo de campo, mas algumas de suas obras
foram criticadas como sendo romantizadas demais e não usarem dados e pesquisas
mais atualizados. Mesmo assim, pode ser colocado entre os mestres da cultura
brasileira, como: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado
Junior, Celso Furtado, Florestan Fernandes e Antônio Cândido de Mello e Souza.
Trechos
das obras de Darcy Ribeiro
O Processo Civilizatório
"Empregamos
o conceito de revolução tecnológica para indicar que certas transformações
prodigiosas no equipamento de ação humana sobre a natureza, ou de ação bélica,
correspondem alterações quantitativas em todo modo de ser das sociedades, que
nos obrigam a tratá-las como categorias novas dentro do continuum da evolução sociocultural. Dentro dessa concepção,
supomos que o desencadeamento de cada revolução tecnológica, ou à propagação de
seus efeitos sobre contextos socioculturais distintos, através de processos
civilizatórios, tende a corresponder a emergência de novas formações
socioculturais." (Ribeiro, 1997, p.20)
"Em
face destes desenvolvimentos futuros, que propiciarão a generalização da
prosperidade, a divisão da sociedade em classes econômicas (surgida como fruto
dos primeiros acréscimos revolucionários da produtividade do trabalho humano e
que só permitia o progresso pela escravização de extensas camadas) tenderá a
reduzir-se cada vez mais, até se extinguir completamente. Contra esta
tendência, porém, erguer-se-ão com o vigor desesperado da luta pela
sobrevivência todos os interesses privatistas, cujos privilégios se assentam na
desigualdade social. Supunha-se que esse embate se desse de forma catastrófica,
em certo nível do amadurecimento da nova economia. Na verdade, desencadeou-se
diante da mera possibilidade teórica de implantar a igualdade e a abundância,
através do processo civilizatório que se cristalizou nas formações socialistas
revolucionárias como uma antecipação histórica. Sua universalização é que está
em causa, neste momento, bem como as vias pelas quais se efetivará e os modelos
de sociedade que deverão configurar os povos." (Ribeiro, 1997, p. 163)
Os
índios e a civilização
"O
Brasil de que vamos tratar é, principalmente, este Brasil interior, de matas e
campos indevassados, que só agora vão sendo integrados ao sistema
socioeconômico nacional. Ali, índios e civilizados se defrontam e se chocam,
hoje, em condições muito próximas daquelas em que se deram os primeiros
encontros da Europa com a América indígena. De um lado, são índios armados de
arco e flecha que, do recesso de suas matas, olham o brasileiro que hoje avança
sobre suas terras, tal como o Tupinambá quinhentista olhava as ondas de
europeus que se derramavam das naus portuguesas. Do outro lado, são brasileiros
engajados nas frentes de expansão da sociedade nacional que avançam por uma
terra que consideram sua e veem no índio uma ameaça e um obstáculo."
(Ribeiro, 1986, p. 8)
"Prevê-se
uma redução progressiva da população indígena, à medida em que diversos grupos
passem da condição de isolamento à da integração. Esta redução não condenará a
parcela indígena da população ao desaparecimento como contingente humano,
porque o grupo indígenas, ao alcançarem sua integração, tendem a experimentar
certo grau de incremento demográfico. Este incremento que, presentemente,
permite a alguns grupos refazer parte do seu montante original, poderá levar
muitos outros grupos a aumentar sua população, desde que lhes sejam asseguradas
condições de vida adequadas." (Ribeiro, 1986, p.445)
O
povo brasileiro
"Aquela
uniformidade cultural e esta unidade nacional - que são, sem dúvida, a grande
resultante do processo de formação do povo brasileiro - não devem cegar-nos,
entretanto, para disparidades, contradições e antagonismos que subsistem
debaixo delas como fatores dinâmicos da maior importância. A unidade nacional,
viabilizada pela integração econômica sucessiva dos diversos implantes
coloniais, foi consolidada, de fato, depois da independência, como um objetivo
expresso, alcançado através de lutas cruentas e da sabedoria política de muitas
gerações. Esse é, sem dúvida, o único mérito indiscutível das velhas classes
dirigentes brasileiras. Comparando o bloco unitário resultante da América
portuguesa com o mosaico de quadros nacionais diversos a que deu lugar a
América hispânica, pode se avaliar a extraordinária importância desse
feito." (Ribeiro, 2014, p. 20)
"Os
outros povos latino-americanos são, como nós mesmos, povos novos, em fazimento.
Tarefa infinitamente mais complexa, porque uma coisa é reproduzir no além-mar o
mundo insosso europeu, outra é o drama de refundir altas civilizações, um
terceiro desafio, muito diferente, é o nosso, de reinventar o humano, criando
um novo gênero de gentes, diferentes de quantas haja. (Ribeiro, 2014, p. 409)
Utopia
selvagem
"Seu
forte, contudo, não está nas sabedorias do fazer. Está, isto sim, é nas artes
do conviver. Nisto estão sozinhos. Organizam suas vidas em comunidade como quem
acha que o importante na vida é só viverem todos juntos, convivendo livremente,
sem medo de donos, nem de reis, nem de deuses. Até suponho que os socialistas
verdadeiramente comunistas o que querem, sem saber, é um mundo como este
Galibi. O que buscam há tanto tempo e tão afanosamente - esse velho sonho
ansiado de uma coisa que só faltava imaginar bem para possuir realmente - é,
nada mais nada menos, do que essa convivência índia num reino mecânico e
computacional: civilizado." (Ribeiro, 2014, p.140-141)
(Imagens: pinturas de Martha Cohoon)
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