Darcy Ribeiro, realizador e teórico

sábado, 11 de maio de 2019
"Há uma nova pobreza no mundo, a pobreza de tempo para a vida e, simultaneamente, a abundância de tempo dos desempregados, tempo inútil porque não serve para nada."   -   José de Souza Martins (sociólogo e professor), em artigo no jornal Valor de 3/5/2019

Em seus trabalhos Darcy Ribeiro analisa a formação da civilização humana, dando grande peso ao desenvolvimento tecnológico (Processo Civilizatório), além de estudar pormenorizadamente o processo de destruição das culturas indígenas do Brasil (Os índios e a civilização). 

Debruçou-se sobre a formação do povo brasileiro (O povo brasileiro), através da miscigenação biológica e cultural entre o índio, o colonizador branco e o negro escravizado. Sem ilusões sobre este processo (diferente de Freyre), Ribeiro o descreve como doloroso, denunciando que o Brasil “sempre foi um moinho gastando gente”.

Na área da educação Darcy Ribeiro foi considerado um grande organizador – vide a UNB, os CIEPs e a Universidade Estadual do Norte Fluminense –, além de assessoria na reforma de universidades na Costa Rica, Argélia, Uruguai, Venezuela e Peru.  

Grande parte de seu pensamento teórico nessa área herdou de seu mestre, o educador Anísio Teixeira (1900-1971). Também foi bom antropólogo de campo, mas algumas de suas obras foram criticadas como sendo romantizadas demais e não usarem dados e pesquisas mais atualizados. Mesmo assim, pode ser colocado entre os mestres da cultura brasileira, como: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior, Celso Furtado, Florestan Fernandes e Antônio Cândido de Mello e Souza.


Trechos das obras de Darcy Ribeiro


O Processo Civilizatório

"Empregamos o conceito de revolução tecnológica para indicar que certas transformações prodigiosas no equipamento de ação humana sobre a natureza, ou de ação bélica, correspondem alterações quantitativas em todo modo de ser das sociedades, que nos obrigam a tratá-las como categorias novas dentro do continuum da evolução sociocultural. Dentro dessa concepção, supomos que o desencadeamento de cada revolução tecnológica, ou à propagação de seus efeitos sobre contextos socioculturais distintos, através de processos civilizatórios, tende a corresponder a emergência de novas formações socioculturais." (Ribeiro, 1997, p.20)

"Em face destes desenvolvimentos futuros, que propiciarão a generalização da prosperidade, a divisão da sociedade em classes econômicas (surgida como fruto dos primeiros acréscimos revolucionários da produtividade do trabalho humano e que só permitia o progresso pela escravização de extensas camadas) tenderá a reduzir-se cada vez mais, até se extinguir completamente. Contra esta tendência, porém, erguer-se-ão com o vigor desesperado da luta pela sobrevivência todos os interesses privatistas, cujos privilégios se assentam na desigualdade social. Supunha-se que esse embate se desse de forma catastrófica, em certo nível do amadurecimento da nova economia. Na verdade, desencadeou-se diante da mera possibilidade teórica de implantar a igualdade e a abundância, através do processo civilizatório que se cristalizou nas formações socialistas revolucionárias como uma antecipação histórica. Sua universalização é que está em causa, neste momento, bem como as vias pelas quais se efetivará e os modelos de sociedade que deverão configurar os povos." (Ribeiro, 1997, p. 163)



Os índios e a civilização

"O Brasil de que vamos tratar é, principalmente, este Brasil interior, de matas e campos indevassados, que só agora vão sendo integrados ao sistema socioeconômico nacional. Ali, índios e civilizados se defrontam e se chocam, hoje, em condições muito próximas daquelas em que se deram os primeiros encontros da Europa com a América indígena. De um lado, são índios armados de arco e flecha que, do recesso de suas matas, olham o brasileiro que hoje avança sobre suas terras, tal como o Tupinambá quinhentista olhava as ondas de europeus que se derramavam das naus portuguesas. Do outro lado, são brasileiros engajados nas frentes de expansão da sociedade nacional que avançam por uma terra que consideram sua e veem no índio uma ameaça e um obstáculo." (Ribeiro, 1986, p. 8)

"Prevê-se uma redução progressiva da população indígena, à medida em que diversos grupos passem da condição de isolamento à da integração. Esta redução não condenará a parcela indígena da população ao desaparecimento como contingente humano, porque o grupo indígenas, ao alcançarem sua integração, tendem a experimentar certo grau de incremento demográfico. Este incremento que, presentemente, permite a alguns grupos refazer parte do seu montante original, poderá levar muitos outros grupos a aumentar sua população, desde que lhes sejam asseguradas condições de vida adequadas." (Ribeiro, 1986, p.445)


O povo brasileiro

"Aquela uniformidade cultural e esta unidade nacional - que são, sem dúvida, a grande resultante do processo de formação do povo brasileiro - não devem cegar-nos, entretanto, para disparidades, contradições e antagonismos que subsistem debaixo delas como fatores dinâmicos da maior importância. A unidade nacional, viabilizada pela integração econômica sucessiva dos diversos implantes coloniais, foi consolidada, de fato, depois da independência, como um objetivo expresso, alcançado através de lutas cruentas e da sabedoria política de muitas gerações. Esse é, sem dúvida, o único mérito indiscutível das velhas classes dirigentes brasileiras. Comparando o bloco unitário resultante da América portuguesa com o mosaico de quadros nacionais diversos a que deu lugar a América hispânica, pode se avaliar a extraordinária importância desse feito." (Ribeiro, 2014, p. 20)

"Os outros povos latino-americanos são, como nós mesmos, povos novos, em fazimento. Tarefa infinitamente mais complexa, porque uma coisa é reproduzir no além-mar o mundo insosso europeu, outra é o drama de refundir altas civilizações, um terceiro desafio, muito diferente, é o nosso, de reinventar o humano, criando um novo gênero de gentes, diferentes de quantas haja. (Ribeiro, 2014, p. 409)


Utopia selvagem

"Seu forte, contudo, não está nas sabedorias do fazer. Está, isto sim, é nas artes do conviver. Nisto estão sozinhos. Organizam suas vidas em comunidade como quem acha que o importante na vida é só viverem todos juntos, convivendo livremente, sem medo de donos, nem de reis, nem de deuses. Até suponho que os socialistas verdadeiramente comunistas o que querem, sem saber, é um mundo como este Galibi. O que buscam há tanto tempo e tão afanosamente - esse velho sonho ansiado de uma coisa que só faltava imaginar bem para possuir realmente - é, nada mais nada menos, do que essa convivência índia num reino mecânico e computacional: civilizado." (Ribeiro, 2014, p.140-141)

(Imagens: pinturas de Martha Cohoon)

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