"A imagem do homem imposta pelo Antigo Testamento é a de Jó. Quer dizer, a imagem do homem humilhado por Deus, voltado para a sua insignificância, a sua fraqueza e os seus pecados." - Jacques Le Goff - O Deus da Idade Média
A
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada em 2010 no final do governo
Lula, teve seu prazo de implantação postergado por duas vezes e ainda está no
papel. O marco legal que deveria ordenar a destinação dos resíduos sólidos
urbanos, eliminando os lixões e instituindo programas de reciclagem, ainda é
letra morta em grande parte do país. O ambicioso programa, que demandaria anos
de implantação, segundo o ministério do Meio Ambiente à época de sua criação,
ainda não saiu dos papéis – ou dos computadores – de seus gestores. À grande
parte dos municípios faltam conhecimentos técnicos para preparar estudos e projetos
de implantação do sistema, recursos financeiros e, além de tudo, vontade política.
Uma
das categorias que mais seria beneficiada com as providências previstas na PNRS
é a dos catadores; profissionais encarregados da coleta e separação de parte
dos fluxos de material reciclável. Organizados em cooperativas e especializando
sua atuação por área ou tipo de material, os catadores terão a oportunidade de
se aperfeiçoarem, agregando máquinas e equipamentos às suas atividade,
aumentando sua produtividade e renda.
Atualmente,
porém, a situação dos catadores é bastante diferente. O número destes
profissionais cresceu 48% entre 2014 e 2018 – de 180,5 mil para 268 mil –
segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad) Contínua,
compilados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas
(Ibre-FGV) e publicados pelo jornal Valor. No entanto, o volume de material
coletado que chega às cooperativas vem diminuindo. Causa desta redução na
quantidade de recicláveis é a queda no consumo, provocada pela crise econômica.
O volume do material recolhido por quatro das sete unidades de reciclagem do
Grande ABC, por exemplo, teve queda de 7,5% entre 2017 e 2018, segundo o jornal
Diário do Grande ABC. Dados da associação Compromisso Empresarial para
Reciclagem (Cempre) apontam queda entre 2012 e 2017 no consumo de plástico (-15,4%),
alumínio (-15,2%) e de papel (-9,8%).
Outro
fator da queda no volume coletado pelas cooperativas é o aumento de catadores
independentes, trabalhando por conta própria. Muitos desses profissionais
entraram na atividade por causa do desemprego, já que antes trabalhavam em
outros setores da economia, principalmente a indústria da construção civil.
São, em sua maioria, pessoas sem qualificação profissional, tendo apenas o
ensino fundamental incompleto, ou sem nenhuma instrução. Estes profissionais
informais têm renda mensal aproximada de R$ 690,00, cerca de 30% da renda média
nacional.
A
implantação da PNRS é, junto com a melhoria dos índices de saneamento, um dos
mais importantes temas na agenda ambiental urbana brasileira nos próximos anos.
Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB),
cerca de 29 milhões de toneladas de lixo são destinada incorretamente a cada
ano para 3 mil lixões e aterros irregulares. Somente de lixo plástico, segundo
o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), o Brasil gera 11,3 milhões de toneladas
anuais, dos quais apenas 145 mil toneladas (cerca de 1,2%) são recicladas. E
isto no país que é o quarto maior gerador de lixo do mundo, atrás apenas dos
EUA, da China e da Índia. Nestas condições, a implantação de uma política de
gestão dos resíduos urbanos se faz urgente.
(Imagens: desenhos de Lovis Corinth)
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