"Platão diferencia educação negativa, orientada para o ganho, e educação positiva, orientada para a virtude. Aristóteles, porém, distingue educação orientada para a atividade e educação orientada para o ócio." - Domenico de Masi - O futuro chegou - Modelos de vida para uma sociedade desorientada
Platão (428 a .C. – 348 a .C.), filósofo grego
discípulo de Sócrates foi o iniciador da tradição filosófica ocidental. Escreveu
grande parte de sua obra filosófica na forma de diálogos, nos quais fazia seu
mestre, Sócrates, como principal personagem e porta-voz de suas idéias. Algumas destas idéias desenvolvidas
pelo filósofo ateniense tornaram-se os fundamentos da filosofia ocidental, mais
especificamente da metafísica ocidental. Dentre estas, o conceito das Idéias ou
Ideais é o mais famoso. Segundo Platão – e nisso teve grande influência sua
ligação com os cultos órficos – estamos destinados a viver diversas vezes, durante
as quais passamos por um processo de purificação e temos a chance de evoluir. Toda
vez, antes que nossas almas ocupem um novo corpo, passamos um período no mundo
das Idéias ou Ideais. Nesta dimensão além da vida terrena, segundo Platão,
temos a chance de contemplar as formas perfeitas. Assim, contemplamos a forma
perfeita da mesa, ou seja, o arquétipo de todas as mesas que são construídas em
nosso mundo material. Contemplamos a forma perfeita de um cavalo, da qual todos
os cavalos terrestres são cópias imperfeitas. Nesta dimensão contemplamos
também o Bem, a Virtude, a Beleza e outros conceitos abstratos.
Ainda segundo Platão, todas as coisas
que existem no mundo onde vivemos, são apenas uma cópia imperfeita deste mundo
das Idéias (o filósofo nunca fez uma lista de todos os entes Ideais que têm uma
cópia no mundo material). Assim que nascemos, trazemos em nós a lembrança deste
mundo ideal, que com o passar do tempo, no entanto, vai se apagando. É através
da busca do conhecimento – principalmente pela prática da filosofia – e de uma
vida virtuosa, que aos poucos passamos a nos lembrar dos conceitos deste mundo
perfeito, os Ideais.
A mais famosa metáfora da filosofia
ocidental – o mito da caverna – faz alusão a esta visão da condição humana. A
história é relatada pelo personagem Sócrates no livro VII da República de
Platão e conta a história de prisioneiros acorrentados no fundo de uma caverna,
sem contato com o mundo exterior. Do lugar onde se encontram, só enxergam as
sombras do que acontece fora, sendo projetadas na parede caverna. Pensam que
aquilo que vêem é o mundo real. Um dia, porém, um dos prisioneiros consegue
sair da caverna e enxergar a vida fora da caverna. Ao voltar para a gruta,
tenta convencer seus companheiros sobre a realidade do mundo lá fora.
A metáfora do mito da caverna representa
o processo de aprendizado do homem, em direção à sabedoria. Uma passagem d ‘A
República deixa isto claro:
“Quanto
a mim, minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a
ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode aprendê-la sem concluir que
ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo
visível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo inteligível, é ela
que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se
comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública” (Platão: 2004, p. 228)
Para Platão, no entanto, todo o
processo educativo tem como função principal preparar os futuros governantes e
governados para a formação de um Estado ideal. Para o filósofo, este Estado
deverá ser governado pelos filósofos, já que estes são os mais preparados para
administrar uma República. Diz Sócrates na Republica:
“Aliás,
Glauco, nota que não seremos culpados de injustiça para os filósofos que se
formarem entre nós, mas teremos justas razões a apresentar-lhes, forçando-os a
encarregar-se da orientação e da guarda dos outros. Diremos a eles: “Nas outras
cidades, é natural que aqueles que se tornaram filósofos não participem nos
trabalhos da vida pública, visto que se formaram a si mesmos, apesar dos
governos destas cidades; ora é justo que aquele que se forma a si mesmo e não
deve o sustento a ninguém não queira pagar o preço disso a quem quer que seja.
Mas vós fostes formados por nós, tanto no interesse do Estado como no vosso,
para serdes o que são: os reis das colméias; demos-vos uma educação melhor e
mais perfeita que a desses filósofos e tornamos-vos mais capazes de aliar a
condução dos negócios aos estudos da filosofia. “(Ibidem
p. 231).
O topo da sociedade platônica deve ser
ocupado pelos filósofos, os governantes, “os reis das colméias”, já que “apenas na condição de o político se tornar
filósofo (ou vice-versa) é que se torna possível construir a Cidade autêntica,
ou seja, o Estado verdadeiramente fundado sobre o valor supremo da justiça e do
bem” (Reali e Antiseri: 1990, p. 163). A virtude típica dos governantes da república
platônica é a sabedoria, caracterizada pela alma racional, aquela que aprendeu
a contemplar o Bem (por sua atividade filosófica).
A segunda classe na hierarquia do
Estado platônico é a dos guerreiros, nos quais prevalece a força irascível
(volitiva) da alma. Platão compara os guerreiros aos cães de raça, dotados ao
mesmo tempo de mansidão e ferocidade. A virtude típica desta classe é a
fortaleza e a coragem. Os guardas têm como função permanecer atentos aos
perigos externos e aos internos. Internamente tem como função zelar para que a classe
mais baixa, a dos agricultores, artesãos e comerciantes não produza riquezas
demais, o que pode gerar ócio, luxo indiscriminado e amor exagerado pelas
novidades. Outra tarefa importante desta classe é zelar para que as tarefas
confiadas a cada cidadão correspondam à sua índole e que cada um tenha a educação
conveniente.
A terceira classe na hierarquia social
estabelecida por Platão é a dos lavradores, artesãos e comerciantes. Nestes
prevalece o espírito concupiscível na alma, o apego e a sede por prazeres dos
sentidos. Esta classe social desempenha seu correto papel na sociedade
platoniana quando tem a virtude da temperança, disciplinando seus desejos e
prazeres e submetendo-se às classes superiores.
Esta ordenação do Estado platônico é
na realidade uma grande metáfora da alma humana – assim com o é também o mito
da caverna. As três classes representam tendências inatas no homem que levam a
alma para o desejo, para a ira e para a sabedoria. Neste aspecto a obra A República, apesar dos detalhes quanto
ao governo que apresenta, é uma analogia sobre a vida humana, sob a ótica das
Idéias. Escreve Werner Jaeger:
“O
Estado de Platão versa, em última análise, sobre a Alma do Homem. O que ele nos
diz do Estado como tal e da sua estrutura, a chamada concepção orgânica do
Estado, onde muitos vêem a medula da República platônica, não tem outra função
senão apresentar-nos a “imagem reflexa ampliada” da alma e da sua estrutura
respectiva. E nem é nunca atitude primariamente teórica que Platão se situa
diante do problema da alma, mas antes numa atitude prática: na atitude do
modelador de almas. A formação da alma é a alavanca com a qual ele faz o seu
Sócrates mover todo o Estado.” (Jaeger: 2003, p. 752).
As diversas formas de governo, Platão
trata mais profundamente em suas obras A Política
e As Leis. Nestes livros Platão
considera a hipótese, bastante real, aliás, de que nem todos os Estados teriam
governantes perfeitos como a sua República. A experiência que o nosso filósofo
teve em Siracusa, localizada na Nova Grécia (sul da atual Itália), parece tê-lo
trazido de volta à realidade política. Platão chega então à conclusão de que é
necessário elaborar constituições escritas, para que os governados possam ter mais
controle sobre o governante, na forma de um compromisso entra as partes (se bem
que uma, o governante, sempre tivesse mais poder).
Novamente, utilizando-se da dialética,
Platão deduz que existem três espécies de constituições históricas, formas
corrompidas da constituição ideal que se encontra no mundo das Idéias. A
primeira dentre ela é aquela aplicada quando um só homem governa, imitando o
político ideal; a monarquia. A segunda forma é quando vários homens ricos
governam, imitando o político ideal. Quando o povo governa, temos a democracia.
Cumpre notar que o conceito de democracia à época de Platão não é o mesmo que o
atual. Efetivamente a democracia ateniense tinha como votantes somente os
homens livres, que representavam aproximadamente 30% de uma população.
Estrangeiros, escravos e mulheres não tinham direito a voto.
No entanto, quando estas formas de
governo se corrompem, a monarquia se transforma em uma tirania; a aristocracia
em oligarquia; e a democracia degenera em uma anarquia. Para assegurar a
continuidade da ordem, mesmo com a decadência na forma de governo, Platão
recomenda o respeito à liberdade, dosada com a manutenção da autoridade “com
justa medida”.
A concepção política de Platão influenciou
bastante a cultura ocidental. Basta analisarmos a estrutura social da Idade
Média, para constatarmos que ela se aproxima bastante das três classes
platônicas: a Igreja, os nobres e os servos, representando respectivamente os
governantes-filósofos, os guerreiros e os camponeses e artesãos. Outro aspecto
é que a classificação das formas de governo também tem paralelos na história. No
entanto, seja em relação às classes quanto às formas de governo é preciso ter
em conta que se trata somente de uma teoria, elaborada por um grande gênio, mas
apenas uma forma esquemática – como tantas outras – de interpretar a realidade.
Cabe a nós estudarmos seus fundamentos e utilizá-los para aprofundar nossas
análises da nossa realidade.
Bibliografia:
Jaeger, Werner. Paidéia. São Paulo.
Martins Fontes: 2003, 1413 p.
Platão. A República. São Paulo.
Editora Nova Cultural: 2004, 352 p.
Reale, Giovanni. Antiseri, Dario. História
da Filosofia Vol 1. São Paulo: Editora Paulus: 1990, 693 p.
(Imagens: pinturas de Thomas Hart Benton)
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