Ainda o saneamento

sábado, 9 de novembro de 2019
"Desde que começaram a enterrar seus mortos, a negociar com o além, a frequentar bailes e refletir sobre números primos, os 'seres humanos' são criaturas que ontologicamente se desviaram de seu rumo."   -   Peter Sloterdijk   -    Pós Deus 


O país enfrenta graves problemas ambientais nos últimos meses. Incêndios na Amazônia e áreas preservadas do Cerrado, ocupações ilegais na Mata Atlântica e, ultimamente, a poluição de centenas de praias do Nordeste por óleo vindo do oceano. O governo demorou em responder aos acontecimentos, seja por falta de organização ou de pessoal, provavelmente por ter reduzido a capacidade operacional do ministério do Meio Ambiente.

No entanto, há outras mazelas ambientais cuja solução – ou pelo menos seu encaminhamento – o Estado brasileiro vem postergando há décadas. Falamos aqui especificamente da gestão do lixo e do saneamento, para os quais não têm sido destinados todos os recursos necessários, mesmo durante o período de crescimento da economia no governo Lula. O suprimento de água potável, a coleta e o tratamento de esgoto são, neste contexto, problemas mais prementes no que se refere à saúde pública do país.

Os índices de saneamento no Brasil ainda são muito baixos, considerando o PIB, o nível de desenvolvimento social e tecnológico e comparados a outros países da América Latina. Em 2019 ainda existem 35 milhões de pessoas que não estão conectadas à rede de abastecimento de água. Na região Norte, por exemplo, cerca de 57% da população continua sem acesso à água tratada, enquanto que no Sudeste são 9%. Com relação ao efluente doméstico são 110 milhões de brasileiros sem acesso; 90% da população da região Norte e 22% do Sudeste.

Os índices de saneamento, segundo muitos especialistas, refletem a desigualdade com que regiões de diferente desenvolvimento econômico são tratadas pelo governo central e pelas administrações regionais. Compare-se o baixo nível de acesso à infraestrutura pública entre áreas rurais do Nordeste com regiões urbanas do Sudeste.

Segundo entidades do setor, seriam necessários investimentos de R$ 600 bilhões para universalizar o saneamento no país até 2030, segundo previsto no Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico) de 2013. Segundo o Instituto Trata Brasil, em declaração ao jornal Folha de São Paulo (FSP 9/10/2019), o Brasil necessita de R$ 22 bilhões de investimentos por ano nesta área. Dados do Ministério de Desenvolvimento Regional informam que entre 2014 e 2017 houve uma queda nos investimentos anuais de R$ 15,9 bilhões para R$ 7,8 bilhões.  

Está em preparação um plano de privatização das companhias públicas de saneamento, com o objetivo de gerar receitas para novos investimentos e transferir parte dos serviços às companhias privadas, que atualmente já atendem 6% dos municípios do país. A proposta, apresentada como a única solução para o setor dada a falta de recursos federais e estaduais para ampliar ou até manter a estrutura existente, tem muitos críticos. Estes citam como exemplo casos de concessão dos serviços ao setor privado nos quais as necessidades da população não são atendidas, caso das cidades de Manaus e Tocantins. No exterior, na Alemanha, França e Inglaterra o setor público vem retomando os serviços de saneamento em diversas cidades.

É preciso reconhecer que, com raras exceções, faltou ao setor de saneamento apoio na gestão das concessionárias através de suporte técnico, administrativo e financeiro, capacitação e atualização tecnológica. Por outro lado, convêm lembrar que administrações privadas visam, acima de tudo, o lucro de seus acionistas. Privatização não é uma panaceia universal.

(Imagens: fotografias de Annie Leibovitz)

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