"Desde que começaram a enterrar seus mortos, a negociar com o além, a frequentar bailes e refletir sobre números primos, os 'seres humanos' são criaturas que ontologicamente se desviaram de seu rumo." - Peter Sloterdijk - Pós Deus
O país
enfrenta graves problemas ambientais nos últimos meses. Incêndios na Amazônia e
áreas preservadas do Cerrado, ocupações ilegais na Mata Atlântica e,
ultimamente, a poluição de centenas de praias do Nordeste por óleo vindo do oceano.
O governo demorou em responder aos acontecimentos, seja por falta de
organização ou de pessoal, provavelmente por ter reduzido a capacidade
operacional do ministério do Meio Ambiente.
No
entanto, há outras mazelas ambientais cuja solução – ou pelo menos seu
encaminhamento – o Estado brasileiro vem postergando há décadas. Falamos aqui
especificamente da gestão do lixo e do saneamento, para os quais não têm sido
destinados todos os recursos necessários, mesmo durante o período de
crescimento da economia no governo Lula. O suprimento de água potável, a coleta
e o tratamento de esgoto são, neste contexto, problemas mais prementes no que
se refere à saúde pública do país.
Os
índices de saneamento no Brasil ainda são muito baixos, considerando o PIB, o
nível de desenvolvimento social e tecnológico e comparados a outros países da
América Latina. Em 2019 ainda existem 35 milhões de pessoas que não estão
conectadas à rede de abastecimento de água. Na região Norte, por exemplo, cerca
de 57% da população continua sem acesso à água tratada, enquanto que no Sudeste
são 9%. Com relação ao efluente doméstico são 110 milhões de brasileiros sem
acesso; 90% da população da região Norte e 22% do Sudeste.
Os
índices de saneamento, segundo muitos especialistas, refletem a desigualdade
com que regiões de diferente desenvolvimento econômico são tratadas pelo
governo central e pelas administrações regionais. Compare-se o baixo nível de
acesso à infraestrutura pública entre áreas rurais do Nordeste com regiões
urbanas do Sudeste.
Segundo
entidades do setor, seriam necessários investimentos de R$ 600 bilhões para
universalizar o saneamento no país até 2030, segundo previsto no Plansab (Plano
Nacional de Saneamento Básico) de 2013. Segundo o Instituto Trata Brasil, em
declaração ao jornal Folha de São Paulo (FSP 9/10/2019), o Brasil necessita de
R$ 22 bilhões de investimentos por ano nesta área. Dados do Ministério de
Desenvolvimento Regional informam que entre 2014 e 2017 houve uma queda nos
investimentos anuais de R$ 15,9 bilhões para R$ 7,8 bilhões.
Está
em preparação um plano de privatização das companhias públicas de saneamento,
com o objetivo de gerar receitas para novos investimentos e transferir parte
dos serviços às companhias privadas, que atualmente já atendem 6% dos
municípios do país. A proposta, apresentada como a única solução para o setor
dada a falta de recursos federais e estaduais para ampliar ou até manter a
estrutura existente, tem muitos críticos. Estes citam como exemplo casos de concessão
dos serviços ao setor privado nos quais as necessidades da população não são
atendidas, caso das cidades de Manaus e Tocantins. No exterior, na Alemanha,
França e Inglaterra o setor público vem retomando os serviços de saneamento em
diversas cidades.
É
preciso reconhecer que, com raras exceções, faltou ao setor de saneamento apoio
na gestão das concessionárias através de suporte técnico, administrativo e
financeiro, capacitação e atualização tecnológica. Por outro lado, convêm
lembrar que administrações privadas visam, acima de tudo, o lucro de seus
acionistas. Privatização não é uma panaceia universal.
(Imagens: fotografias de Annie Leibovitz)
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