Cana-de-açúcar na Amazônia

sábado, 14 de dezembro de 2019
"O capital produtivo cedeu espaço para a hegemonia do capital fictício. A financeirização conquistou o mundo. A ideologia vinda da universidade, travestida de ciência, se fez presente sob a grande capa de nome 'neoliberalismo'".   -   Paulo Ghiraldelli   -   A filosofia explica Bolsonaro


Em suas iniciativas de gradualmente abolir o que considera impedimento ao desenvolvimento da região amazônica, o governo Bolsonaro extinguiu a lei que proibia a cultura da cana-de-açúcar na Amazônia, Pantanal e Bacia do alto Paraguai. O novo decreto foi assinado pelo presidente, Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

A proibição do cultivo de cana-de-açúcar na região amazônica havia sido decidida em 2009, através do Decreto Federal nº 6961, que estabelecia o zoneamento agroecológico da cultura de cana-de-açúcar. À época o setor sucroalcooleiro brasileiro estava em franco desenvolvimento, com planos de ampliar suas exportações para vários países. O então presidente Lula, transformou-se em uma espécie de garoto-propaganda do uso do etanol como combustível para automóveis.

Por outro lado, instituições internacionais criticavam então o uso de produtos agrícolas para fabricação de combustíveis, ao invés de destiná-los à preparação de produtos alimentícios. Além da cana-de-açúcar, incluíam-se nesta lista o milho, bastante usado nos Estados Unidos para fabricação de etanol automotivo, além da soja e a palma, cujos óleos alimentícios eram transformados em biodiesel. O executivo-sênior da ONU à época, Jean Ziegler, chamou de “crime contra a humanidade” a utilização de parte das safras de alimentos como combustíveis. Hugo Chaves, presidente da Venezuela, grande exportadora de petróleo, também se manifestou contra o etanol. Além disso, havia também a preocupação levantada por muitas ONGs ambientalistas, de que com o aumento da demanda mundial do combustível – o governo planejava tornar o Brasil um dos grandes fornecedores mundiais de etanol – a cultura da cana-de-açúcar acabaria por invadir a Amazônia, contribuindo também com a derrubada da floresta.

Foi neste contexto que se criou o zoneamento ecológico da cultura da cana-de-açúcar. A iniciativa garantia para o mercado mundial de que o Brasil não produziria etanol às custas da floresta amazônica. Com esta vantagem e mais o fato de que o etanol de cana era energeticamente mais eficiente do que o álcool de milho, parecia se abrir uma grande oportunidade para o setor sucroalcooleiro nacional.  


Com essas perspectivas internas e externas o setor investiu no aumento do número de usinas de álcool. No entanto, a partir de 2012, por diversas razões – preço do combustível no mercado interno, queda na produtividade das culturas, concorrência do álcool de milho americano – o setor entrou em uma crise, da qual ainda não se recuperou inteiramente. Parte do etanol que o país hoje consome é importado dos Estados Unidos e produzido a partir do milho.

O Brasil ainda possui extensas áreas, fora da área do zoneamento agroecológico, para as quais a cultura da cana-de-açúcar poderia se expandir. Na Amazônia a cultura da cana, segundo especialistas, por demandar áreas de plantio de grande extensão, forçaria as pastagens e outras culturas a ocuparem outros espaços ainda florestados. Outro aspecto é que a cultura da cana tem um impacto chamado de “efeito de borda”, ou seja, sua influência se estende até um quilômetro dentro de áreas florestais adjacentes, debilitando estes ecossistemas. Estudos mostram que a planta tem alta demanda de água e que sua produtividade no clima quente e úmido da Amazônia é menor do que no Sudeste. 

Para iniciar a produção de etanol será necessário construir diversas usinas de álcool e açúcar na região. Haverá recursos para tal? Caso estas usinas não sejam construídas, como será processada a cana-de-açúcar? Será transportada para o Nordeste ou Sudeste, onde estão os grandes engenhos, mas a que custo? Valerá mesmo a pena plantar a cana-de-açúcar na Amazônia?

(Imagens: fotografias de August Sander)

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