Voltou
a circular na imprensa uma vetusta expressão: “civilização ocidental judaico-cristã”.
Há muito em desuso, principalmente devido aos modernos estudos de história,
sociologia, antropologia e etnologia, a anacrônica locução voltou à tona por
força da onda conservadora que nos últimos tempos vem se manifestando nas sociedades europeias
e nas Américas.
Nos
Estados Unidos a expressão civilização ocidental judaico-cristã voltou à mídia depois
da eleição de Donald John Trump à presidência daquele país. O presidente eleito
teve, como se sabe, grande apoio dos cristãos fundamentalistas, que representam
aproximadamente 25% do eleitorado americano.
No
Brasil, a expressão ficou relativamente esquecida depois da redemocratização, da queda
do Muro de Berlim e do advento das comunicações globais. Em uma economia
globalizada, da qual participam países não ocidentais, não judeus e não
cristãos, não havia mais sentido em se falar em uma civilização ocidental judaico
cristã. O conceito da sociedade global mudou a maneira de como as pessoas enxergam o planeta.
Depois
das últimas eleições, quando com apoio de grupos conservadores e do eleitorado evangélico
Jair Messias Bolsonaro se elegeu presidente, a expressou voltou novamente a ser
empregada. Recentemente mais ainda, com a intenção do presidente Bolsonaro de fundar um
novo partido, o Aliança Pelo Brasil (APB). A agremiação, segundo reportagem do
jornal Valor, “reconhece o lugar de Deus na vida do povo brasileiro, que é
religioso e educado nas bases do cristianismo”. Além disso, o programa do
partido relativiza o Estado laico, previsto na Constituição Federal, tem forte
tendência nacionalista e se coloca contra o que chama de “globalismo”, provavelmente
associando-o ao “esquerdismo” ao qual constantemente se refere o ministro das
Relação Exteriores, Ernesto Araújo.
Em
tal contexto é sintomático que volte à baila a referência à civilização
ocidental judaico-cristã. Passa-se por cima do fato de que a civilização
chamada de judaico-cristã é produto histórico da interação de centenas de culturas; a começar pela grega e romana, pela
cultura dos germanos, dos celtas, dos povos da Ásia Menor (origem da cultura
judaica), das culturas árabes, africanas e asiática. Na base ideológica desta miscigenação de culturas está a filosofia grega, o direito romano e a religião cristã, os quais, por sua vez, também são resultado do amálgama de outras culturas. Para formar o que hoje
ainda se quer chamar de civilização ocidental judaico-cristã, é preciso
considerar as contribuições de centenas, talvez milhares de povos – mais ainda nos atuais tempos das comunicações globais e da internet.
O
mundo atual, a civilização mundial, é produto da interação das inúmeras culturas
humanas. É formada pela circulação de produtos e ideias de todo o globo. É o
intercâmbio da informação e do conhecimento que promovem o progresso; o apego desnecessário
a visões políticas estáticas e anacrônicas, não ajudarão o país na melhor compreensão do mundo e de seu papel nele.
(Imagens: pinturas de Abdoulaye Konaté)
0 comments:
Postar um comentário