Em
2020 o governo baixou os impostos sobre armas e munições, cumprindo promessa
que Bolsonaro havia feito durante a campanha presidencial. Alguns segmentos da
sociedade brasileira estavam convictos, de que o cidadão armado poderia se
defender de agressões criminosas. Esta situação tem origens mais antigas, que
remontam à década de 1980, quando o número de crimes, roubos e assassinatos com
armas de fogo começou a aumentar, chegando a 65 mil assassinatos em 2017.
Não
cabe aqui fazer uma detalhada análise das razões do crescimento dos delitos e
dos assassinatos no Brasil, já que não temos conhecimentos para isso. É fato,
todavia, que o fenômeno não é somente brasileiro. Na maior parte dos países latino-americanos,
aumentaram a violência e o crime nos últimos quarenta anos, associados ao
crescimento da pobreza e da formação de periferias sem qualquer assistência do
Estado, principalmente nas grandes metrópoles. No aspecto econômico uma
concentração cada vez maior de riqueza, enquanto a maior parte da população não
tem condições decentes de sobrevivência – situação que ficou evidente durante a
sindemia do Covid-19.
Há,
sem dúvida, um grande número de pessoas que entende que o porte de arma trará
maior segurança à sociedade. A segurança do cidadão e da sociedade é uma das principais
funções do Estado. Para pensadores políticos, como o inglês Thomas Hobbes (1588-1674),
defesa do cidadão é a principal atribuição de um governo. Ao longo de grande
parte da história recente brasileira o Estado não tem sido muito efetivo neste
quesito, já que somos um dos países onde mais ocorrem assassinatos.
Suponha-se
que o Estado brasileiro tivesse chegado à conclusão de que sozinho não seria
capaz de dar combate à transgressão, e que precisaria armar o cidadão para que
esse também pudesse defender-se por conta própria. Suponha-se também, de que é
desta maneira que o atual governo avalia a situação, daí sua posição maleável em
relação à venda e porte de armas. Mas, se for este o caso, por que só a alguns,
aos mais abonados, é dado o direito de possuí-las, tendo em vista seu alto custo? Não
seria o caso de se colocar gratuitamente uma arma à disposição de cada cidadão?
Afinal, trata-se de suprir uma necessidade - a principal para muitos - que o Estado não está
conseguindo atender.
Das
armas, aos livros. Um país não evolui educacional e culturalmente sem os livros
ou, mais especificamente, lendo, discutindo e formando opiniões e ideias a
partir de seu conteúdo. Ainda no século XIX escrevia o poeta romântico Castro
Alves em seu poema Espumas Flutuantes:
Oh! Bendito o que semeia
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n’alma
É germe – que faz
a palma!
É chuva – que faz o mar
O escritor, diplomata, empresário e
visionário, Monteiro Lobato, também escreveu que “um país se faz com homens e
livros.”
Na área da educação e da cultura, ao que parece, o atual governo não enxerga tantos problemas assim, como os vê evidentes na segurança. Sem entrar em detalhes, basta dizer que é principalmente através da educação, que ao longo da história os países conseguiram diminuir suas taxas de crimes e delitos. Ainda em uma pesquisa recente realizada pela USP (Universidade de São Paulo) em 2013, foi comprovado que a cada investimento de 1% na educação, consegue-se reduzir 0,1% do índice de criminalidade (https://educacao.uol.com.br/noticias/2013/06/05/pesquisa-mostra-que-investimento-em-educacao-reduz-criminalidade.htm). A escola é um comprovado fator de redução da violência dos alunos. O mesmo efeito positivo decorre dos aparelhos culturais como museus, escolas de artes e teatros, bibliotecas, oficinas culturais, localizadas nas periferias das cidades, onde os jovens têm pouco ou nenhum acesso à cultura.
Além do corte na impressão e distribuição de livros didáticos (https://veja.abril.com.br/educacao/um-estrago-silencioso-na-educacao/) o governo vem reduzindo ou eliminando verbas destinadas a cursos, exposições e outras áreas relacionadas à cultura. Um dos fatos marcantes de toda esta política anticultura, que também se estende à ciência, é a recente indicação da Receita Federal – evidentemente sob orientação do Ministério da Economia –, de que pode acabar com a isenção de impostos sobre os livros. A justificativa é de que “eles são consumidos pela parcela mais rica da população”. Com isso os livros, em geral, ficariam 12% mais caros, em média. Recentemente, o presidente de Portugal defendeu a leitura como um impulso à economia, dizendo: “É aposta no desenvolvimento a longo prazo.” Vendo isso, parece que por aqui, no Brasil, só se pensa a curto prazo.
Estranha política para um país: baratear armas e encarecer o acesso ao conhecimento. E isto, ainda com a justificativa de que só os ricos leem. Em outras palavras quer se dizer que “os pobres não querem aumentar seus conhecimentos e já que é assim, nós, gestores do Estado, nada temos a ver com isso. Vamos nos aproveitar desta situação, taxando aqueles que leem”. E se aproveitássemos aquela absurda ideia aventada acima, de dar armas a todo o cidadão, e a transformássemos na proposta de dar livros a todo cidadão?
(Imagens: pinturas de Theo van Doesburg)
1 comments:
Interessante que tanto a redução dos impostos das armas como a retirada da isenção dos impostos dos livros, são medidas que atendem apenas ao segmento mais abonado da sociedade
Em relação às armas, é evidente que o acesso às mesmas é restrito a quem tem dinheiro para pagar seu alto preço.
E quanto aos livros, a dedução do governo é de que, já que pobre não lê mesmo, então que os livros sejam acessíveis apenas aos ricos.
É uma política cruel, equivocada, que fortalece a desigualdade social e amplia o grande abismo econômico que há entre os ricos e os pobres desse triste brazil!
Grata pelo excelente texto.
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