Meio ambiente, recursos e economia

sábado, 22 de maio de 2021

 

"O trabalho não produz apenas mercadorias: produz a si mesmo e produz o operário enquanto mercadoria, e isso na medida em que produz mercadorias em geral."   -   Karl Marx   -   Manuscritos de 1844


A proteção do meio ambiente e dos recursos naturais nunca foi tema importante no Brasil, seja para governos ou para o setor privado. Historicamente não temos uma tradição de convívio equilibrado com a natureza, como mostram os ciclos econômicos de nossa formação; o ciclo do pau-brasil, da cana-de-açúcar, da mineração e o ciclo do café. Todos baseados na extração, ocupação e supressão de recursos naturais, as únicas técnicas que as populações destes períodos conheciam. De certa forma, porém, mantivemos esta tradição até nossos dias, dada a forma espoliadora com que madeireiros, grileiros e garimpeiros atuam impunemente na Amazônia, para citar só um caso. 

A partir dos anos 1960 o mundo começou a se dar conta da gradual destruição dos recursos naturais, provocada pela intensa atividade econômica. Florestas tropicais foram derrubadas na Ásia, na África e nas Américas, para a exploração da madeira e do petróleo, a expansão agrícola e a criação de gado. A população do mundo estava crescendo e a industrialização avançava; era preciso produzir mais alimentos e disponibilizar mais matérias primas para a fabricação de produtos. As cidades avançavam sobre terras virgens e em todo o planeta crescia a poluição das águas e dos solos. Enquanto isso, os resíduos industriais e o lixo doméstico se acumulavam nas periferias das metrópoles. 

Nos países e regiões mais industrializadas – os Estados Unidos, o Japão e a Europa – soou o alarme. Era preciso fazer algo, sob risco de uma deterioração completa do meio ambiente e piora da qualidade de vida. Surgiram movimentos ambientalistas, foram criadas leis ambientais e o setor industrial começou a desenvolver processos de produção menos poluentes. Nesse período da história se desenvolve o que comumente é chamado de setor ambiental da economia, englobando as atividades de empresas que atuam no combate da poluição ambiental, através de serviços técnicos e da fabricação de equipamentos. Nos anos 1980, o conceito de controle da poluição evolui da atitude corretiva ou reativa, para outra preventiva ou proativa, baseado no conceito de desenvolvimento sustentável.

A questão sobre o que é e abrange o desenvolvimento sustentável, ainda está em aberto. O Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, conhecida como Comissão Brundtland (1987) – em homenagem à sua então coordenadora, a Sra. Go Harlem Brundtland, primeira ministra da Noruega – define da seguinte maneira o conceito:

“O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades.(...) Muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo, em nossos padrões de consumo de energia(...) No mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos.(...) Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas.” (Wikipedia - https://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland)

No entanto, muitos críticos deste conceito se perguntam se realmente é possível que nossa civilização continue funcionando no mesmo ritmo, produzindo e consumindo, sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Não existe, por exemplo, um sistema de reuso e reciclagem de materiais, que não tenha uma perda de material ao longo do processo, por mínima que seja. Não é possível reciclar 100% do plástico, do vidro e do metal, e reinseri-los no processo de produção e consumo sem perda alguma. A água utilizada para abastecer populações urbanas e processos industriais, por exemplo, não pode ser completamente recuperada e trazida ao seu estado original em curto espaço de tempo; o custo para fazê-lo seria muito alto, se não impossível.

Na linha da ideia do desenvolvimento sustentável, foi desenvolvido o conceito da economia circular, criado e divulgado mundialmente pela Fundação Ellen MacArthur, que tem como objetivo principal a redução da geração de resíduos nas atividades econômicas. O propósito desta técnica é fechar o círculo de produção e consumo (conceito “do berço ao túmulo”), maximizando o reuso e a reciclagem de materiais na fabricação de novos produtos. O conceito incorpora a mudança de design dos produtos, para facilitar seu reuso e reciclagem. Já implantada na Europa, nos Estados Unidos e na China em diversos projetos, a economia circular ainda apresenta falhas e parece não representar uma solução definitiva para a redução do uso de recursos, segundo seus críticos. A maior objeção quanto à economia circular é que esta prioriza a questão da engenharia do processo (design dos produtos, fluxos de materiais, processamento, remodelagem), enquanto ignora os aspectos econômicos (o aumento e a diversificação da produção que acaba gerando um consumo maior de recursos). A argumentação foi desenvolvida pelas pesquisadoras Joséphine von Mitschke-Collande e Mischa Narberhaus, do laboratório de pesquisas Smart CSOs Lab, da Alemanha. (https://www.greeneconomycoalition.org/news-and-resources/circular-economy-isnt-enough-we-need-system-change)

Uma das alternativas para diminuir o uso de recursos naturais é, segundo alguns, o uso da nanotecnologia. Há alguns anos vários cientistas prediziam que a nanotecnologia, quando mais avançada, poderia desenvolver processos de produção e reciclagem com perdas praticamente irrisórias. Em artigo publicado em 2019 (Perspectivas para uma economia ecológica – (https://administradores.com.br/artigos/perspectivas-para-uma-economia-ecol%C3%B3gica-nbsp), fiz referência a este fato:

“De seu desenvolvimento se espera maravilhas, como a construção de nanofábricas cada vez mais complexas, das quais, segundo os pesquisadores desta tecnologia, poderia se estruturar qualquer coisa de praticamente qualquer matéria. No entanto, na posição de seus críticos – tendo em vista soluções para os problemas ambientais e uso dos recursos naturais – as perspectivas não parecem tão otimistas assim:

‘Em adição aos benefícios utópicos geralmente alardeados pelos tecnólogos, a nanotecnologia ou os promotores dela enfatizam uma grande e ampla gama de benefícios ecológicos, advindos dessa nova tecnologia, capitalizando a preocupação pública com o estado deteriorado da biosfera mundial. Lida-se com uma noção ingênua e conveniente de que os problemas ecológicos são primariamente de natureza tecnológica, e por isso podem ser resolvidos por soluções de engenharia, em vez de com uma estrutura social, e que requerem soluções econômicas e sociais. A falha de décadas de consertos tecnológicos para reverter ou mesmo para diminuir a destruição da ecologia tem sido ignorada, em favor da visão de que a próxima onda de inovações vai resolver os problemas, as descontinuidades do ecossistema e do sistema social.’ (GOULD in Nanotecnologia, inovação e meio ambiente, 2005, p. 246).

O entusiasmo pela nanotecnologia refluiu nos últimos anos, devido às dificuldades tecnológicas, agravadas pela escassez de recursos na área da pesquisa. Na opinião pública, os aspectos negativos da nanotecnologia foram acentuados pelo cientista e filósofo sueco Nick Bostrom, do Instituto para o Futuro da Humanidade, da Universidade de Oxford. Lidando com assuntos que podem representar uma ameaça para a humanidade, Bostrom já estudava a ocorrência de uma pandemia global há mais de dez anos. Em uma entrevista ao jornal El País Online em 14/02/2016, o pesquisador fala sobre seu livro mais famoso, Superinteligência, caminhos, perigos e estratégias (2018) e comenta em relação à nanotecnologia:

"A biotecnologia está avançando rapidamente; permitirá manipular a vida, modificar micróbios com grande precisão e potência. Isso abre caminho para habilidades muito destrutivas. A tecnologia nuclear, destaca, pode ser controlada. A biotecnologia, a nanotecnologia, o que alguém faz em uma garagem com um equipamento de segunda mão, comprado no eBay, nem tanto. Com pouco, é possível fazer muito mal.” (https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/12/ciencia/1455304552_817289.html)

Voltando ao nosso tema inicial da utilização dos recursos e do impacto ambiental negativo dessa atividade, concluímos – pelo menos até agora – que a humanidade se encontra em uma situação difícil. Mesmo com o desenvolvimento sustentável que, sejamos francos, é uma ideologia que envolve diversas ideias e práticas ainda pouco implantadas, não conseguiremos avançar indefinidamente com nossa economia baseada na utilização cada vez maior de recursos. Dentro do escopo da ideologia do desenvolvimento sustentável, foram elaboradas técnicas e tecnologias que, em última instância, visam tornar toda a atividade econômica e social menos impactante ao meio ambiente. Isto inclui desde o tratamento da água e os efluentes domésticos, ao descarte correto – incluindo redução, reuso e reciclagem – do lixo domiciliar. Na área da indústria, envolve uso de equipamentos e máquinas mais eficientes, com menos consumo de insumos (eletricidade, combustível, água), menos perda de material usado na produção (redução de resíduos e emissões), disposição correta de resíduos de produção (reuso, reciclagem, incineração, correta disposição), melhora do design de produtos e embalagens, otimização da distribuição, etc. Estas providências envolvem também diversos setores, como o da construção (prédios eficientes), dos transportes (eficiência energética e reciclagem), da agricultura (redução do impacto ao ambiente, uso de insumos menos tóxicos, otimização de operações), entre outros. Para todas estas aplicações os conhecimentos estão amplamente disponíveis; muitos de domínio público e outros desenvolvidos por empresas de engenharia, consultoria (soluções customizadas) e institutos de pesquisa, no Brasil e no exterior.  

Apesar de todas estas competências, qualquer profissional, seja de que área for, sabe que não é possível exercer uma atividade sem que haja uma pequena perda de material, matéria prima, energia ou outro insumo. Assim, ao longo de um período de tempo determinado, os volumes acumulados de material perdido ou inutilizado só tenderão ao crescimento. Esta constante perda de insumos ou materiais ao longo da cadeia de produção/distribuição/consumo/recuperação, pode futuramente comprometer os estoques naturais de recursos e matérias primas (minérios, petróleo, gás, etc.). No curso de décadas ou séculos, esta situação poderá inviabilizar a atividade industrial e o restante da economia, caso não venhamos a desenvolver tecnologias completamente diferentes, baseadas em outras fontes de insumos e matérias primas. Este aspecto da economia foi extensamente estudado pelo matemático e economista romeno-americano Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), através de sua teoria da economia ecológica evolucionária.

Por enquanto, nossa civilização industrial capitalista vai avançando como é possível, dado o nível tecnológico atual. Há várias correntes na área da economia e da ecologia, que são de opinião de que a tecnologia poderá resolver todas as externalidades negativas de nossa estrutura econômica (os impactos ambientais negativos) à medida que aparecem, sempre apresentando novas soluções. Esta ideia é a aplicação da “Curva de Kuznets” à economia ambiental. Simon Kuznets (1901-1985) foi um economista ucraniano, ganhador do Prêmio Nobel em 1971, que deu importantes contribuições à ciência econômica. Criou a teria da Curva de Kuznets, equação gráfica que procurar demonstrar que a desigualdade nos rendimentos é uma situação que ocorre nas primeiras fases do desenvolvimento de uma economia, que no entanto se reverteria ao longo do tempo, através das forças do mercado. Esta fórmula também foi aplicada por economistas à questão do controle da poluição. Argumentam estes, que os grandes impactos negativos ao meio ambiente só ocorreriam nas etapas iniciais do crescimento da economia. Com o aumento da renda, da educação média dos cidadãos e da complexidade da economia, se desenvolveriam tecnologias mais avançadas, que gradualmente diminuiriam a depleção dos recursos naturais.

Sobre esta hipótese escreve o doutor em demografia, professor e colunista da site EcoDebate, José Eustáquio Diniz Alves (https://www.ecodebate.com.br/2012/12/19/curva-ambiental-de-kuznets-mais-desenvolvimento-e-a-solucao-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/):

“O ‘U invertido’ seria o melhor dos mundos se fosse verdade, pois investimentos em tecnologia e educação resolveriam os problemas simultâneos da pobreza e do meio ambiente. Mas a CAK (Curva Ambiental de Kuznets) é uma metodologia que ainda não foi comprovada, embora caia como uma luva ideológica perfeita, tanto para as diversas correntes nacionalistas (à direita e à esquerda), quanto para os economicistas, os positivistas, os socialistas stalinistas, os fundamentalistas de mercado, os neoliberais e os chamados céticos do clima.

Os dados dos Estados Unidos da América (EUA), em relação à desigualdade de renda, são ilustrativos. O índice de Gini diminuiu ligeiramente entre os anos 1920 e 1970, podendo sugerir alguma praticidade da ‘Curva de Kuznets’. Porém, depois das políticas implantadas por Ronald Reagan e George Bush (pai e filho) a concentração de renda voltou a aumentar, apontando para um formato não de ‘U invertido’, mas sim um formato ‘N’, ou seja, um aumento inicial, depois uma queda, seguida de uma nova subida. Um estudo de 2011, feito pelo Congressional Budget Office (CBO) mostrou que os ganhos nominais da parcela dos 1% mais ricos da população norte americana cresceu 275% entre 1979 e 2007, contra 40% de aumento nominal dos 60% da base da pirâmide de renda.” (Alves, 2012).

Quanto às tecnologias ambientais pode-se dizer que vêm evoluindo e se tornando mais eficientes ao longo dos últimos trinta ou quarenta anos, com a crescente contribuição da informática, biologia molecular, engenharia e da pesquisa em geral. Mas, se por um lado, a tecnologia evolui reduzindo o impacto das atividades econômicas, por outro, aumenta a eficiência do sistema e com isso o volume da produção – o mesmo dilema apontado pelos críticos no caso da economia circular. Se quisermos realmente falar em sustentabilidade, não faz sentido tornar o processo de produção menos poluente e mais eficiente em termos de uso de recursos, para então aumentar a produção e o consumo, provocando maior exploração de recursos naturais.


(Imagens: posters de Vladimir Tatlin)

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