A
proteção do meio ambiente e dos recursos naturais nunca foi tema importante no
Brasil, seja para governos ou para o setor privado. Historicamente não temos
uma tradição de convívio equilibrado com a natureza, como mostram os ciclos
econômicos de nossa formação; o ciclo do pau-brasil, da cana-de-açúcar, da
mineração e o ciclo do café. Todos baseados na extração, ocupação e supressão
de recursos naturais, as únicas técnicas que as populações destes períodos conheciam. De
certa forma, porém, mantivemos esta tradição até nossos dias, dada a forma
espoliadora com que madeireiros, grileiros e garimpeiros atuam impunemente na
Amazônia, para citar só um caso.
A
partir dos anos 1960 o mundo começou a se dar conta da gradual destruição dos
recursos naturais, provocada pela intensa atividade econômica. Florestas
tropicais foram derrubadas na Ásia, na África e nas Américas, para a exploração
da madeira e do petróleo, a expansão agrícola e a criação de gado. A população
do mundo estava crescendo e a industrialização avançava; era preciso produzir
mais alimentos e disponibilizar mais matérias primas para a fabricação de
produtos. As cidades avançavam sobre terras virgens e em todo o planeta crescia
a poluição das águas e dos solos. Enquanto isso, os resíduos industriais e o
lixo doméstico se acumulavam nas periferias das metrópoles.
Nos
países e regiões mais industrializadas – os Estados Unidos, o Japão e a Europa
– soou o alarme. Era preciso fazer algo, sob risco de uma deterioração completa
do meio ambiente e piora da qualidade de vida. Surgiram movimentos
ambientalistas, foram criadas leis ambientais e o setor industrial começou a
desenvolver processos de produção menos poluentes. Nesse período da história se
desenvolve o que comumente é chamado de setor ambiental da economia, englobando
as atividades de empresas que atuam no combate da poluição ambiental, através
de serviços técnicos e da fabricação de equipamentos. Nos anos 1980, o conceito
de controle da poluição evolui da atitude corretiva ou reativa, para outra
preventiva ou proativa, baseado no conceito de desenvolvimento sustentável.
A
questão sobre o que é e abrange o desenvolvimento sustentável, ainda está em
aberto. O Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
da ONU, conhecida como Comissão Brundtland (1987) – em homenagem à sua então
coordenadora, a Sra. Go Harlem Brundtland, primeira ministra da Noruega –
define da seguinte maneira o conceito:
“O desenvolvimento sustentável é o
desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a
habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades.(...)
Muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo, em nossos
padrões de consumo de energia(...) No mínimo, o desenvolvimento sustentável não
deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a
atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos.(...) Na sua essência, o
desenvolvimento sustentável é um processo de mudança no qual a exploração dos
recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e
futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas.” (Wikipedia
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland)
No
entanto, muitos críticos deste conceito se perguntam se realmente é possível
que nossa civilização continue funcionando no mesmo ritmo, produzindo e
consumindo, sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Não existe,
por exemplo, um sistema de reuso e reciclagem de materiais, que não tenha uma
perda de material ao longo do processo, por mínima que seja. Não é possível
reciclar 100% do plástico, do vidro e do metal, e reinseri-los no processo de
produção e consumo sem perda alguma. A água utilizada para abastecer populações
urbanas e processos industriais, por exemplo, não pode ser completamente
recuperada e trazida ao seu estado original em curto espaço de tempo; o custo
para fazê-lo seria muito alto, se não impossível.
Na
linha da ideia do desenvolvimento sustentável, foi desenvolvido o conceito da
economia circular, criado e divulgado mundialmente pela Fundação Ellen
MacArthur, que tem como objetivo principal a redução da geração de resíduos nas
atividades econômicas. O propósito desta técnica é fechar o círculo de produção
e consumo (conceito “do berço ao túmulo”), maximizando o reuso e a reciclagem
de materiais na fabricação de novos produtos. O conceito incorpora a mudança de
design dos produtos, para facilitar seu reuso e reciclagem. Já implantada na
Europa, nos Estados Unidos e na China em diversos projetos, a economia circular
ainda apresenta falhas e parece não representar uma solução definitiva para a
redução do uso de recursos, segundo seus críticos. A maior objeção quanto à economia
circular é que esta prioriza a questão da engenharia do processo (design dos
produtos, fluxos de materiais, processamento, remodelagem), enquanto ignora os
aspectos econômicos (o aumento e a diversificação da produção que acaba gerando
um consumo maior de recursos). A argumentação foi desenvolvida pelas pesquisadoras
Joséphine von Mitschke-Collande e Mischa Narberhaus, do laboratório de
pesquisas Smart CSOs Lab, da Alemanha. (https://www.greeneconomycoalition.org/news-and-resources/circular-economy-isnt-enough-we-need-system-change)
Uma
das alternativas para diminuir o uso de recursos naturais é, segundo alguns, o
uso da nanotecnologia. Há alguns anos vários cientistas prediziam que a
nanotecnologia, quando mais avançada, poderia desenvolver processos de produção
e reciclagem com perdas praticamente irrisórias. Em artigo publicado em 2019
(Perspectivas para uma economia ecológica – (https://administradores.com.br/artigos/perspectivas-para-uma-economia-ecol%C3%B3gica-nbsp), fiz
referência a este fato:
“De seu desenvolvimento se espera
maravilhas, como a construção de nanofábricas cada vez mais complexas, das
quais, segundo os pesquisadores desta tecnologia, poderia se estruturar
qualquer coisa de praticamente qualquer matéria. No entanto, na posição de seus
críticos – tendo em vista soluções para os problemas ambientais e uso dos
recursos naturais – as perspectivas não parecem tão otimistas assim:
‘Em adição aos benefícios utópicos
geralmente alardeados pelos tecnólogos, a nanotecnologia ou os promotores dela
enfatizam uma grande e ampla gama de benefícios ecológicos, advindos dessa nova
tecnologia, capitalizando a preocupação pública com o estado deteriorado da
biosfera mundial. Lida-se com uma noção ingênua e conveniente de que os
problemas ecológicos são primariamente de natureza tecnológica, e por isso
podem ser resolvidos por soluções de engenharia, em vez de com uma estrutura
social, e que requerem soluções econômicas e sociais. A falha de décadas de
consertos tecnológicos para reverter ou mesmo para diminuir a destruição da
ecologia tem sido ignorada, em favor da visão de que a próxima onda de
inovações vai resolver os problemas, as descontinuidades do ecossistema e do
sistema social.’ (GOULD in Nanotecnologia, inovação e meio
ambiente, 2005, p. 246).”
O
entusiasmo pela nanotecnologia refluiu nos últimos anos, devido às dificuldades
tecnológicas, agravadas pela escassez de recursos na área da pesquisa. Na
opinião pública, os aspectos negativos da nanotecnologia foram acentuados pelo
cientista e filósofo sueco Nick Bostrom, do Instituto para o Futuro da
Humanidade, da Universidade de Oxford. Lidando com assuntos que podem
representar uma ameaça para a humanidade, Bostrom já estudava a ocorrência de
uma pandemia global há mais de dez anos. Em uma entrevista ao jornal El País
Online em 14/02/2016, o pesquisador fala sobre seu livro mais famoso, Superinteligência, caminhos, perigos e
estratégias (2018) e comenta em relação à nanotecnologia:
"A biotecnologia está avançando
rapidamente; permitirá manipular a vida, modificar micróbios com grande
precisão e potência. Isso abre caminho para habilidades muito destrutivas. A
tecnologia nuclear, destaca, pode ser controlada. A biotecnologia, a
nanotecnologia, o que alguém faz em uma garagem com um equipamento de segunda
mão, comprado no eBay, nem tanto. Com pouco, é possível fazer muito mal.” (https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/12/ciencia/1455304552_817289.html)
Voltando
ao nosso tema inicial da utilização dos recursos e do impacto ambiental
negativo dessa atividade, concluímos – pelo menos até agora – que a humanidade
se encontra em uma situação difícil. Mesmo com o desenvolvimento sustentável
que, sejamos francos, é uma ideologia que envolve diversas ideias e práticas
ainda pouco implantadas, não conseguiremos avançar indefinidamente com nossa economia
baseada na utilização cada vez maior de recursos. Dentro do escopo da ideologia
do desenvolvimento sustentável, foram elaboradas técnicas e tecnologias que, em
última instância, visam tornar toda a atividade econômica e social menos
impactante ao meio ambiente. Isto inclui desde o tratamento da água e os
efluentes domésticos, ao descarte correto – incluindo redução, reuso e
reciclagem – do lixo domiciliar. Na área da indústria, envolve uso de
equipamentos e máquinas mais eficientes, com menos consumo de insumos
(eletricidade, combustível, água), menos perda de material usado na produção
(redução de resíduos e emissões), disposição correta de resíduos de produção
(reuso, reciclagem, incineração, correta disposição), melhora do design de
produtos e embalagens, otimização da distribuição, etc. Estas providências
envolvem também diversos setores, como o da construção (prédios eficientes), dos
transportes (eficiência energética e reciclagem), da agricultura (redução do
impacto ao ambiente, uso de insumos menos tóxicos, otimização de operações),
entre outros. Para todas estas aplicações os conhecimentos estão amplamente
disponíveis; muitos de domínio público e outros desenvolvidos por empresas de
engenharia, consultoria (soluções customizadas) e institutos de pesquisa, no
Brasil e no exterior.
Apesar
de todas estas competências, qualquer profissional, seja de que área for, sabe
que não é possível exercer uma atividade sem que haja uma pequena perda de
material, matéria prima, energia ou outro insumo. Assim, ao longo de um período
de tempo determinado, os volumes acumulados de material perdido ou inutilizado
só tenderão ao crescimento. Esta constante perda de insumos ou materiais ao
longo da cadeia de produção/distribuição/consumo/recuperação, pode futuramente
comprometer os estoques naturais de recursos e matérias primas (minérios,
petróleo, gás, etc.). No curso de décadas ou séculos, esta situação poderá inviabilizar
a atividade industrial e o restante da economia, caso não venhamos a
desenvolver tecnologias completamente diferentes, baseadas em outras fontes de
insumos e matérias primas. Este aspecto da economia foi extensamente estudado
pelo matemático e economista romeno-americano Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994),
através de sua teoria da economia ecológica evolucionária.
Por
enquanto, nossa civilização industrial capitalista vai avançando como é
possível, dado o nível tecnológico atual. Há várias correntes na área da
economia e da ecologia, que são de opinião de que a tecnologia poderá resolver
todas as externalidades negativas de nossa estrutura econômica (os impactos
ambientais negativos) à medida que aparecem, sempre apresentando novas
soluções. Esta ideia é a aplicação da “Curva de Kuznets” à economia ambiental.
Simon Kuznets (1901-1985) foi um economista ucraniano, ganhador do Prêmio Nobel
em 1971, que deu importantes contribuições à ciência econômica. Criou a teria
da Curva de Kuznets, equação gráfica que procurar demonstrar que a desigualdade
nos rendimentos é uma situação que ocorre nas primeiras fases do
desenvolvimento de uma economia, que no entanto se reverteria ao longo do
tempo, através das forças do mercado. Esta fórmula também foi aplicada por
economistas à questão do controle da poluição. Argumentam estes, que os grandes
impactos negativos ao meio ambiente só ocorreriam nas etapas iniciais do
crescimento da economia. Com o aumento da renda, da educação média dos cidadãos
e da complexidade da economia, se desenvolveriam tecnologias mais avançadas,
que gradualmente diminuiriam a depleção dos recursos naturais.
Sobre
esta hipótese escreve o doutor em demografia, professor e colunista da site
EcoDebate, José Eustáquio Diniz Alves (https://www.ecodebate.com.br/2012/12/19/curva-ambiental-de-kuznets-mais-desenvolvimento-e-a-solucao-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/):
“O ‘U invertido’ seria o melhor dos
mundos se fosse verdade, pois investimentos em tecnologia e educação
resolveriam os problemas simultâneos da pobreza e do meio ambiente. Mas a CAK
(Curva Ambiental de Kuznets) é uma metodologia que ainda não foi comprovada, embora
caia como uma luva ideológica perfeita, tanto para as diversas correntes
nacionalistas (à direita e à esquerda), quanto para os economicistas, os
positivistas, os socialistas stalinistas, os fundamentalistas de mercado, os
neoliberais e os chamados céticos do clima.
Os dados dos Estados Unidos da América
(EUA), em relação à desigualdade de renda, são ilustrativos. O índice de Gini
diminuiu ligeiramente entre os anos 1920 e 1970, podendo sugerir alguma
praticidade da ‘Curva de Kuznets’. Porém, depois das políticas implantadas por
Ronald Reagan e George Bush (pai e filho) a concentração de renda voltou a
aumentar, apontando para um formato não de ‘U invertido’, mas sim um formato ‘N’,
ou seja, um aumento inicial, depois uma queda, seguida de uma nova subida. Um
estudo de 2011, feito pelo Congressional Budget Office (CBO) mostrou que os
ganhos nominais da parcela dos 1% mais ricos da população norte americana
cresceu 275% entre 1979 e 2007, contra 40% de aumento nominal dos 60% da base
da pirâmide de renda.” (Alves, 2012).
Quanto
às tecnologias ambientais pode-se dizer que vêm evoluindo e se tornando mais
eficientes ao longo dos últimos trinta ou quarenta anos, com a crescente contribuição
da informática, biologia molecular, engenharia e da pesquisa em geral. Mas, se por
um lado, a tecnologia evolui reduzindo o impacto das atividades econômicas, por
outro, aumenta a eficiência do sistema e com isso o volume da produção – o
mesmo dilema apontado pelos críticos no caso da economia circular. Se quisermos
realmente falar em sustentabilidade, não faz sentido tornar o processo de
produção menos poluente e mais eficiente em termos de uso de recursos, para
então aumentar a produção e o consumo, provocando maior exploração de recursos
naturais.
(Imagens: posters de Vladimir Tatlin)
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