Emprego e crescimento

sábado, 19 de fevereiro de 2022

 


"Toda forma de pressa, mesmo que voltada para o bem, trai alguma desordem mental."  -  E. M. Cioran, citado por Eduardo Gianetti em O livro das citações


O Brasil fechou o ano de 2021 com 12,9 milhões de desempregados, o que corresponde a 12,5% da população economicamente ativa (103,6 milhões). O número apresentou uma pequena queda em relação a 2020, mas a tendência é que a taxa de desemprego volte aos índices anteriores à pandemia, segundo estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 17/01/2022. A instituição prevê que o país volte a atingir os 14 milhões de desocupados em 2022 e 13,6 milhões em 2023. A América Latina é a região com menos perspectivas de criação de postos de trabalho e crescimento nos próximos anos, segundo o estudo da OIT.

Esta previsão coincide com as expectativas de diversos economistas brasileiros. A tendência de baixo crescimento da economia, acentuada pelo aumento dos juros, diminuirá a oferta de empregos e provocará uma nova queda no PIB. Alguns analistas econômicos falam que com isso se estabelecerá efetivamente uma recessão – o que por sua vez ainda provocará mais demissões. Diminuem assim as chances de que se criem mais postos de trabalho com carteira assinada. Já em setembro de 2021 haviam 38,2 milhões de trabalhadores informais; cerca de 40% da população economicamente ativa à época. No mesmo período o rendimento mensal médio do trabalhador era de R$ 2.459,00, o que representava uma queda de 4% em relação ao segundo trimestre de 2021 e uma diminuição de 11,1% em relação ao terceiro trimestre de 2020.

Ficam também mais afastadas as possibilidades de criação de empregos com salários mais altos. A tendência é que se mantenha a situação que vigora já há alguns anos, onde sete em cada dez empregos estão localizados em setores com baixo conteúdo tecnológico. São ocupações que pagam salários até 40% inferiores à média nacional. De acordo com matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em maio de 2021, entre os setores com baixo conteúdo tecnológico estão a agricultura, a construção civil, os transportes, a alimentação e os serviços domésticos, segundo uma classificação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Estes empregos representam 68% das vagas de trabalho oferecidas no mercado brasileiro, segundo o jornal. As ocupações de alto conteúdo tecnológico como informática, planejamento, logística, automação, engenharias diversas, representam 0,2% das ocupações, com salário médio que é mais que o triplo da média nacional.

O Brasil passa por um processo de desindustrialização, assim como a maioria dos países. No entanto, no nosso caso não houve uma preparação para tal. O país não chegou a desenvolver ramos industriais mais sofisticados, para onde parte da mão de obra especializada pudesse migrar, como a indústria eletrônica, a mecânica fina, a indústria de máquinas e equipamentos, etc. O setor da engenharia pesada, que se desenvolveu bastante ao longo dos últimos trinta anos, e no qual o Brasil era um dos grandes fornecedores, foi em grande parte destruído com as ações jurídicas resultantes da operação Lava Jato. O que já vem ocorrendo há quase uma década, é que o país diminuiu a geração de empregos que exigem melhor formação e por isso pagam melhores salários. Com isso, por um lado, os jovens ficam sem incentivo para se aprofundarem nos estudos visando uma carreira em setores de ponta, já que as vagas são poucas. Por outro lado – e este é um fato que presenciamos há alguns anos no dia a dia – os profissionais melhor formados, que perderam ou ainda não encontraram um emprego, são obrigados a atuar em empregos mal remunerados, fora de suas áreas de especialização.

Sem uma recuperação da atividade industrial não voltarão os empregos de qualidade, dizem os especialistas. Os demais setores, com exceções pontuais, não conseguem gerar empregos bem remunerados em quantidade suficiente para absorver os contingentes atualmente ociosos e mais aqueles que deverão entrar no mercado ao longo dos próximos anos. Sem os empregos razoavelmente bem pagos não há um consumo constante e forte, não há a formação de uma classe média, o que limita o crescimento regular da economia e dos serviços proporcionados pelo Estado e pelas empresas (escolas, hospitais, energia, comunicação, transportes, etc.).

No entanto, ao que parece, a recuperação da atividade industrial é algo bastante remoto. Por que haveriam capitais disponíveis, interessados em investir em (novas) atividades industriais, quando os empreendimentos aqui estabelecidos estão fechando suas portas ou deixando o país, por falta de mercado consumidor? (O mercado consumidor só pode existir quando existem empregos. Empregos só existem com empresas, as quais, por sua vez, só existem com mercado consumidor). Por outro lado, quem teria interesse em investir em uma empresa – falo de empresas médias ou grandes, não de microempresas ou empreendimentos familiares – se o rendimento dos recursos é maior e mais seguro nas aplicações financeiras?

A tarefa de “primeiro motor” numa economia combalida como a nossa caberia ao Estado. Como já defendeu o economista John Maynard Keynes (1883-1946) nos anos 1930, os estados devem utilizar medidas intervencionistas para mitigar os efeitos adversos das crises econômicas e fazer com que recuperem as atividades econômicas (e a consequente geração de empregos e renda). No entanto, parece que os economistas que ora operam a economia do país não concordam com essas ideias – que foram e estão sendo colocadas em prática com êxito em muitos países, particularmente nos Estados Unidos. Preferem esperar que “a mão invisível do mercado” coloque a economia brasileira novamente em funcionamento. Até lá, se isto um dia ocorrer a partir destas premissas, o país ainda perderá muito sangue, suor e lágrimas.


(Imagens: pinturas de Anita Malfatti)

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